Foto reprodução UOL
Da Redação
Prof. Taciano Medrado
O Supremo Tribunal Federal
atravessa uma fase de inédito desprestígio. Encontra-se sob ataque implacável.
Mas, ironicamente, o desgaste da Corte não decorre das críticas vindas do
Congresso, do noticiário, das ruas ou das mesas de bar. O Supremo é o único
responsável pela desconstrução da reputação do Supremo. Graças a uma liminar
subscrita por Dias Toffoli há quatro meses, a tese segundo a qual movimentações
financeiras suspeitas só podem ser compartilhadas após decisão judicial
transformou o velho Coaf num arquivo morto. Se for avalizado pelo plenário no
julgamento que começa nesta quarta-feira (20), esse entendimento aprofundará o
processo de autodestruição do Supremo.
Criado em 1998, o Coaf tornou-se
peça central da engrenagem anticrime. Casos de corrupção são intoleráveis.
Ninguém gosta de dar de cara com a podridão. Mas os escândalos, quando
desvendados, são bons. Oferecem a sensação de que criminosos foram
desmascarados. Quando resultam em punição, são muito bons. Quando delinquentes
poderosos tornam-se presidiários impotentes, os escândalos são ótimos. O Coaf
ajudou a transformar a punição de larápios em algo corriqueiro.
Não há na legislação exigência de
autorização judicial para comunicar ao Ministério Público transações com cheiro
de crime. Mudar regras no meio de um jogo que corre há duas décadas é ruim.
Alterar as normas num instante em que a corrupção perdia de goleada é muito
ruim. Fazer isso a pedido de um filho do presidente da República que foge de
uma investigação cabeluda é péssimo.
No processo autodestrutivo a que
se dedica o Supremo, a investida contra o Coaf é apenas mais um golpe da Corte
contra sua própria reputação. Chega nas pegadas de uma notável sequência de
decisões corrosivas. Por exemplo:
2) Considerou inconstitucional a condução coercitiva, que vigorava
havia quase 80 anos.
3) Transferiu para o Legislativo a palavra final sobre medidas
cautelares —afastamento do mandato, por exemplo— impostas a parlamentares
pilhados na prática de crimes (pode me chamar de Aécio Neves).
4) Concedeu mais de 50 habeas corpus para abrir as celas de gente
graúda. Sobretudo no Rio de Janeiro, um estado devastado pela corrupção.
5) Valeu-se de uma norma não prevista em lei para atrasar o relógio
de processos em que réus delatores e delatados juntaram suas alegações finais
nos processos simultaneamente. Decidiu-se que os dedurados precisam falar por
último.
6) Alterando jurisprudência que havia confirmado em quatro
julgamentos, o Supremo revogou a regra que permitia a prisão de larápios
condenados na primeira e na segunda instância. Abriu dezenas de celas, entre
elas a de Lula. E restabeleceu o cenário em que a concretização da justiça é um
momento infinito, que os advogados caros e a prescrição impedem de chegar.
Se houvesse uma unidade
entre os 11 ministros que compõem o plenário do Supremo essas decisões seriam
ruins. Num colegiado marcado pelas concepções diferentes sobre a aplicação do
Direito, as deliberações são muito ruins. Sacramentados em votações nas quais a
maioria prevalece por 6 votos a 5, os veredictos proporcionam uma sensação de
insegurança jurídica que é péssima.
O problema não é saber se
a opinião pública deve pautar ou não o Supremo. A questão é que, com o seu
processo decisório confuso e imprevisível, o Supremo premia corruptos e joga no
lixo o trabalho de juízes de instâncias inferiores, de procuradores e de
policiais federais.
A plateia fica tentada a
interrogar os seus botões: Ora, se os temas são controversos a ponto de atear
divisão no plenário, por que diabos a maioria não opta pela interpretação
desfavorável aos criminosos?.
No julgamento do mensalão,
o Supremo amealhara um prestígio social jamais visto em sua história
centenária. Hoje, o mesmo Supremo leva sua reputação pela trilha que conduziu a
vaca para o brejo. As decisões do Supremo geram uma impressão de que não
adianta. A um escândalo sempre se sucederá outro. Políticos condenados
reincidirão nos crimes enquanto recorrem em liberdade aos tribunais de
Brasília. Empresários corruptores não voltarão a abrir o bico em acordos de
delação, pois nenhuma premiação será maior do que a liberdade perpétua.
A um escândalo sempre se
sucederá outro. Políticos condenados reincidirão nos crimes enquanto recorrem
em liberdade aos tribunais de Brasília. Empresários corruptores não voltarão a
abrir o bico em acordos de delação, pois nenhuma premiação será maior do que a
liberdade perpétua. Num cenário assim, tão desolador, é impossível o Supremo
ter de volta a simpatia da sociedade. A sensação é de cansaço. Aquilo que
alguns ministros do Supremo chamam de reputação constitui, na verdade, a soma
dos palavrões que seus veredictos inspiram nas mesas de bar. Ali, prevalece a impressão
de que a banda podre triunfou.
fonte : UOL
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