No período de 2008 a 2019, 2.679 réus foram
denunciados pela prática do crime descrito no artigo 149 do Código Penal, por
reduzir alguém a condição análoga à de escravo. Destes, 112 experimentaram
condenação definitiva, o que corresponde a 4,2% de todos os acusados e 6,3% do
número de pessoas levadas a julgamento.
Para a
Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas (CTETP) da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), existe uma inexplicável desproporção entre os
achados por parte da fiscalização e os resultados gerados pelo sistema de justiça.
É a conclusão de pesquisa coordenada por Carlos Haddad,
professor da instituição e co-fundador do Instituto Administração Judicial
Aplicada. Esta quarta-feira (28/1) marca o Dia Nacional de Combate ao Trabalho
Escravo, que faz referência à chacina de Unaí (MG), ocorrida em 2004.
O trabalho foi publicado em 2020 depois de analisar 1464
processos criminais e 432 ações civis públicas para fazer um diagnóstico
sobre o funcionamento do sistema de justiça brasileiro na repressão ao delito,
com foco na atuação da Justiça Federal e da Justiça do Trabalho.
Na seara criminal, dos 112 condenados, a pesquisa identificou
que apenas 1% estariam sujeitos a ser presos, ainda assim se não ocorrer a
prescrição da pretensão executória, o que não seria improvável diante da
morosidade judicial detectada.
A maioria dos réus foi absolvida em primeira instância,
contabilizando 1022 acusados, ou 38,1% do total. Quase metade das absolvições
se deu por insuficiência probatória (prova insuficiente do crime, prova
insuficiente da autoria ou simplesmente prova insuficiente), o que é
sintomático, segundo Carlos Haddad.
"É importante lembrarmos neste mês do combate ao trabalho
escravo, que há um longo caminho a percorrer para resultados efetivos. A
existência de afirmativas como ausência de prova da restrição de liberdade;
ausência de prova de dolo; ausência de ofensa à dignidade do trabalhador,
dentre outras, ainda protegem a maioria dos incriminados de serem devidamente
condenados", afirma Haddad.
Para ele,
é difícil conceber que, em 3.450 operações de fiscalização realizadas no
período de 11 anos, com o resgate de 20.174 trabalhadores contabilizados no
estudo, somente se atribua responsabilidade penal a apenas 112 pessoas.
"Existe inexplicável desproporção entre os achados por parte da
fiscalização e os resultados gerados pelo sistema de justiça", conclui.
O percentual de condenação está muito abaixo do observado em
outros países. O trabalho cita que a média da Oceania é de 60%, da Europa é
63%, na Ásia chega a 70% e, mesmo nas Américas, 10%. Assim, é possível que a
taxa de impunidade pela prática do crime de trabalho escravo supere as apuradas
em outras infrações.
Para Carlos Haddad, o princípio do livre convencimento motivado
é o responsável por esse desnível nos dados. "Por meio dele, juízes
criminais se valem de posições eminentemente pessoais para decidir casos
relacionados ao trabalho escravo. São muito ricos os argumentos que surgem para
justificar a absolvição, um imenso guarda-chuva que acolhe variadas
posições", afirma.
Lista suja
Uma
instrumento valioso para combater o trabalho escravo é a chamada lista suja,
criada por meio da Portaria MTE 1.234/03 pela qual o empregador ali incluído
fica impedido de conseguir créditos. Em setembro de 2020, o Supremo Tribunal
Federal decidiu que sua divulgação é constitucional.
Dentre os casos analisados pelo estudo, em 36,9% dos processos criminais
e trabalhistas foi possível identificar a inclusão do nome do empregador na
lista. Ela possui uma prevalência muito significativa no Pará: 23,3% dos nomes
incluídos são de lá. Minas Gerais (11,8%) e Mato Grosso (11,7%) também aparecem
com destaque
Há indícios, no entanto, de descompasso no seu uso. O estado de São
Paulo, por exemplo, que registra 6,8% dos casos de trabalho escravo, 5ª posição
no país, tem 2,3% do montante de inclusões na lista suja, o que o coloca entre
os estados que menos fazem uso desse mecanismo.
Em números gerais, 38,2% dos nomes da lista suja são da Região Norte,
seguida por Centro-Oeste (18,4%), Nordeste (17,8%), Sudeste (17,7%) e Sul
(7,8%).
Com informações da Revista Consultor Jurídico
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