Por
: Daniel De Lucca e
Castro e Láiza Ribeiro Gonçalves advogado(a)s trabalhistas, sócios
do Escritório Brasil Salomão e Matthes e coordenadores trabalhistas.
O STF, ao suspender a eficácia do artigo 29 da MP 927/2020, que regulou as relações de trabalho durante a pandemia, firmou entendimento reconhecendo a possibilidade de a Covid-19 ser conhecida como doença ocupacional.
Recentemente, a Secretaria Especial
de Previdência e Trabalho editou a Nota Técnica SEI nº 56376/2020/ME,
esclarecendo que, para fins previdenciários, a Covid-19 constituirá doença
ocupacional após a realização de perícia médica delineando o nexo causal entre
o trabalho e a contaminação do empregado, já que a Covid-19 não está elencada
no Decreto nº 3.048/99 como doença profissional.
Todo o contexto nos leva a concluir
que, a depender do nexo de causalidade, a Covid-19 pode, sim, ser considerada
uma doença ocupacional. Essa conclusão impõe aos empregadores a efetiva adoção
de medidas de contenção da propagação do coronavírus no ambiente de trabalho,
com o intuito de evitar a contaminação dos empregados nas dependências físicas
da empresa.
Tal obrigatoriedade decorre do dever,
por parte do empregador, de fornecer aos seus empregados um ambiente sadio de
trabalho, conforme disposto no artigo 7º, XXII, da Constituição Federal. A
Constituição Federal também elegeu a teoria subjetiva para apuração da
responsabilidade do empregador decorrente da doença ocupacional (acidente
típico de trabalho por equiparação), nos termos do artigo 7º, XXVIII.
Vale dizer, portanto, que somente
quando o empregador concorrer para a contaminação do empregado pela Covid-19 é
que ela poderá ser considerada como doença ocupacional. E para que inexista
nexo de causalidade entre a contaminação do empregado e o seu
trabalho cabe ao empregador demonstrar fiel obediência às regras
sanitárias e adotar medidas eficazes ao contingenciamento da Covid-19 no
ambiente laboral, já que o Ministério da Saúde declarou o estado de transmissão
comunitária da Covid-19 no país.
Ainda que a vacinação contra o
coronavírus ainda não esteja disponível no Brasil, é inegável que ela é uma das
principais medidas de contenção da propagação do coronavírus. Ocorre que,
conforme pesquisa do Datafolha datada de 14/12/2020 [1],
22% da população brasileira não pretende tomar a vacina contra a
Covid-19 e 5% da população declarou que ainda não sabe se
pretende se imunizar.
E dessa resistência acerca da
imunização contra o coronavírus por parte da população brasileira surge a
seguinte pergunta: o empregador pode exigir, como medida de contenção da
contaminação do coronavírus em suas dependências físicas, que seus empregados tomem
a vacina?
Antes de mais nada, quanto à
obrigatoriedade de vacinação no território nacional, no dia 17/12/2020 o STF
decidiu que a União, os Estados, o DF e os municípios não poderão forçar os
cidadãos a tomarem a vacina contra o coronavírus, entretanto, poderão dispor
regras restritivas de direitos àqueles que não comprovem a imunização.
No que se refere às consequências da
vacinação contra a Covid-19 nas relações de trabalho, o empregador deve zelar
pela saúde e segurança de seus empregados e, sem dúvidas, exigir a vacina
contra o coronavírus é uma medida de saúde e segurança do trabalhador. Somado a
isso, é dever do empregado obedecer às normas de saúde e segurança do trabalho,
conforme disposto no artigo 158 da CLT, e a recusa no cumprimento dessas regras
caracteriza ato faltoso de sua parte passível de punição.
E, muito embora o STF já tenha se
manifestado quanto à "vacinação forçada" no ambiente de
trabalho, entendemos que o empregador pode, sim, exigir que seus empregados
tomem a vacina contra o coronavírus quando disponibilizada à população, como
medida de saúde e segurança do trabalhador e como medida de contenção da
propagação da Covid-19 no ambiente laboral, até mesmo porque os empregadores
são constantemente fiscalizados quanto ao cumprimento das regras sanitárias.
Como grande parte das regras do nosso
ordenamento jurídico celetista, por óbvio essa exigência admite exceções, e
poderá ser flexibilizada em determinadas situações como, por exemplo, quanto
aos empregados que se ativem exclusivamente em regime de teletrabalho ou quanto
àqueles que, por algum motivo justo, até mesmo de ordem médica, por exemplo,
sejam incompatíveis com a vacina contra o coronavírus.
Ao que tudo indica, a vacinação
contra a Covid-19 é iminente e, indubitavelmente, uma grande aliada dos
empregadores na preservação da saúde e segurança dos seus empregados. Na
verdade, não apenas aliada dos empregadores, mas de todos os brasileiros, pois
pensamos que graças as campanhas de vacinação já realizadas em nosso país é que
se tornou possível a erradicação, ou o controle de males que já nos
assolaram e ainda nos assolam. A questão vai muito além da lamentável
briga política que temos assistido, fruto do despreparo e da incapacidade de
nossos governantes.
Nesse sentido, sinalizamos que pode,
sim, o empregador exigir que seus empregados se imunizem contra o coronavírus,
salvo justas exceções que tornem a exigência ineficaz ou impossível de se
cumprir. Isso porque o direito à liberdade individual não pode se sobrepor
ao direito coletivo. Vale dizer, a liberdade individual se estende, pensamos,
até o momento em que esbarra na coletividade, estando o princípio da dignidade
da pessoa humana inserido nesse contexto. Ou seja, uma vida digna depende,
fundamentalmente, da observância de regras de proteção à saúde do empregado por
parte do empregador.
Ainda sobre o viés do direito
potestativo do empregador, que sempre deve ser exercido em função de preceitos
legais, bem como sob o ponto de vista da segurança jurídica, e tendo em vista o
disposto no inciso VI do artigo 611 da CLT, entendemos possível a inserção,
no regulamento empresarial, de regras atinentes à adesão dos colaboradores às
campanhas de vacinação.
Ratificamos que, além dos motivos já
delineados — dever de zelar pela saúde e segurança do trabalhador, adotar
medidas eficazes ao contingenciamento da Covid-19 no ambiente laboral e
possibilidade de a Covid-19 ser conhecida como doença ocupacional —, a
vacinação é hoje uma questão de saúde mundial e a recusa imotivada por
vontade própria de um empregado em tomar a vacina não pode se sobrepor à coletividade
dos que estão à sua volta e colocar em prova a saúde dos que se ativam ao
seu lado.
Fonte: Revista Consultor Jurídico
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