Por Matthew Rochat
No
mês passado, o presidente dos EUA, Joe Biden, anunciou planos para
operações 24 horas por dia, sete dias por semana, no porto de Los Angeles,
depois que medidas semelhantes foram implementadas no porto de Long Beach.
Juntos, os dois portos respondem por quase 40% dos contêineres que entram
nos Estados Unidos. Com a
chegada da temporada de festas, as operações portuárias estendidas têm o
objetivo de solucionar as interrupções na cadeia de abastecimento global e
ajudar a aliviar um acúmulo crescente de contêineres que se estendeu pela costa
até San Diego. O congestionamento de mercadorias nos portos dos EUA não apenas
contribuiu para os temores sobre o aumento da inflação, mas também trouxe
atenção renovada para o papel crítico da indústria de transporte marítimo na
economia global.
Dado
que 90% das mercadorias do mundo viajam através do oceano para chegar ao seu
destino, a importância da indústria de transporte marítimo não pode ser
subestimada. Historicamente, o comando de rotas marítimas globais tem sido um
objetivo central da política econômica e militar. Desde a Era dos
Descobrimentos, a manutenção de um acesso confiável às hidrovias do mundo tem
sido considerada uma das principais fontes de poder nacional.
Em 1616, o estadista inglês Sir Walter Raleigh proclamou: “Todo aquele que comanda o mar comanda o comércio; quem quer que comande o comércio do mundo comanda as riquezas do mundo e, consequentemente, o próprio mundo”. Séculos depois, um dos mais ilustres estrategistas navais americanos do século XIX, Alfred Thayer Mahan, faria eco a essa ideia. Em sua magnum opus de 1890, “The Influence of Sea Power Upon History, 1660-1783 (A Influência do Poder Marítimo na História)”, Mahan argumentou que a grandeza nacional está diretamente ligada ao controle sobre os oceanos do mundo, para vantagens comerciais em tempos de paz e vantagens estratégicas em tempos de guerra. Em particular, Mahan enfatizou a importância de locais estratégicos, como pontos de estrangulamento, postos de abastecimento, canais e portos marítimos.
Diante
disso, o crescente investimento
chinês no setor de transporte marítimo, tanto interno quanto externo,
deve ser uma grande fonte de preocupação para rivais geopolíticos como os
Estados Unidos. Além de seu crescente acúmulo de portos marítimos, a China é o principal fabricante
de equipamentos marítimos, produzindo 96% dos contêineres mundiais, 80% dos guindastes
de embarque para terra do mundo e recebendo 48% dos pedidos de construção naval
do mundo em 2020. A China possui a segunda maior frota de navios comerciais do
mundo e, de acordo com o Escritório de Inteligência Naval dos Estados Unidos,
já ultrapassou
os Estados Unidos como a maior marinha do mundo em termos de navios da
força de batalha total.
Tudo
isso serve como uma indicação da postura cada vez mais assertiva e
expansionista da China. Focado no mercado interno durante grande parte do
século XX, os interesses econômicos da China continuam a se expandir cada vez
mais além de suas fronteiras. A ascensão da China no espaço marítimo comercial
na última década foi nada menos que prolífica. Para as autoridades chinesas,
entretanto, esse desenvolvimento não é apenas o resultado de circunstâncias
fortuitas, mas é a consequência de um planejamento
cuidadoso e estratégico.
Uma
nova estratégia econômica
Em
um discurso de 2013 na Universidade de Nazarbayev no Cazaquistão, o chefe de
estado chinês e secretário-geral do Partido
Comunista Chinês (PCC), Xi Jinping, anunciou os planos para a Nova
Rota da Seda (Belt and Road Initiative, da sigla BRI). Essa estratégia
de investimento de vários trilhões de dólares, que abrange três continentes e
quase 60 países, foi projetada para fortalecer a conectividade e a cooperação
regionais, enquanto posiciona a China como um ponto focal entre as rotas
comerciais regionais. Alguns estudiosos sugeriram que segue uma abordagem
semelhante à do Plano Marshall dos Estados Unidos, que estimulou a reconstrução
econômica da Europa Ocidental após a Segunda Guerra Mundial, além de aprofundar
os laços econômicos e aproximar a Europa da esfera de interesse dos EUA.
Existem
dois componentes principais da BRI. O primeiro componente é um cinturão
econômico baseado em terra, destinado a facilitar o fluxo de mercadorias
dentro e fora da China continental por meio da construção de rodovias, redes
ferroviárias, gasodutos, refinarias de petróleo, usinas elétricas, minas e
parques industriais em toda a Ásia Central sem saída para o mar. O segundo
componente é a estrada marítima, que representa uma série de portos e
corredores oceânicos que direcionam o comércio de e para a China por meio das
hidrovias. Em busca da estratégia de estradas marítimas, a China demonstrou um
interesse crescente na propriedade de portos marítimos. No entanto, esse
interesse não se limitou à região do Indo-Pacífico, mas se estende globalmente.
Encontro
de chefes de Estado que participam da nova Rota da Seda, em Beijing, abril de
2019 (Foto: RIA Novosti/Presidência da Federação Russa)
Investimento
global da China em portos de embarque
Atualmente,
a China possui mais portos de embarque do que qualquer outro país, incluindo
sete dos dez portos mais movimentados do mundo. Além de seu enorme acúmulo de
infraestrutura de transporte doméstico, a China também possui mais de 100
portos em aproximadamente 63 países. Mais de 80% dos terminais portuários no
exterior da China são propriedade dos “três grandes” operadores de
terminal: China Ocean Shipping Company (COSCO), China Merchants
Group (CMG) e CK Hutchison Holdings. As duas primeiras são empresas
estatais, enquanto a CK Hutchison é uma empresa privada com sede em
Hong Kong e com laços estreitos com a China continental. De acordo com o Centro
de Estudos Estratégicos e Internacionais, o apoio estadual combinado para a
indústria de navegação totalizou US$ 132 bilhões entre 2010 e 2018.
No
Indo-Pacífico, os principais exemplos de expansão do porto chinês incluem um
arrendamento de 99 anos no porto
Hambantota, no Sri Lanka, um arrendamento de 40 anos no porto de Gwadar, no
Paquistão, e um investimento de US$ 350 milhões no porto de Djibouti, país que
também recebeu a local da primeira base
militar ultramarina da China, localizada perto de um ponto de
estrangulamento estratégico entre o Golfo de Aden e o Mar Vermelho.
Em
2018, a Chinese Harbor Engineering Company iniciou a construção de um
terminal portuário no Porto Sokhna, no Egito, perto de outro importante ponto
de estrangulamento comercial, o Canal de Suez. Os analistas de política
descreveram esses desenvolvimentos como parte da “estratégia Fio de Pérolas”.
Na
Europa e no Mediterrâneo, estima-se que a China agora controle quase um décimo
da capacidade portuária. Exemplos disso incluem Le Havre e Dunquerque, na
França, Antuérpia e Bruges, na Bélgica, porto Noatum, da Espanha, porto Vado,
da Itália, porto Kumport, da Turquia e porto Pireus, da Grécia. Um contrato de
arrendamento de 25 anos no porto
israelense de Haifa, assinado com o Shanghai International Port Group da
China, levantou preocupações nos Estados Unidos sobre a possível espionagem,
visto que o porto de Haifa está localizado a menos de 1 quilômetro de distância
do porto de atracação dos navios de guerra dos EUA.
Na
América do Sul, a China também está expandindo sua influência por meio da
propriedade portuária. Em 2015, a China Communications Construction
Company emprestou US$ 120 milhões a Cuba para ajudar na modernização de
seu segundo maior porto, Santiago de Cuba. Em 2017, a CMG da China
comprou 90% das ações do maior porto
do Brasil, da TCP Participações S.A.. Em 2019, a COSCO assinou um
acordo de US$ 225 milhões com a Volcan no Porto de Chancay, no Peru, por uma
participação de 60% no terminal. Em El Salvador, alega-se que o governo
privatizará o porto de La Unión em 2022, provavelmente para ser reservado à
administração chinesa. Existem relatos adicionais de envolvimento chinês em
projetos portuários nas Bahamas, Trinidad e Tobago, Panamá, Argentina, Chile e
Uruguai.
Implicações
para os Estados Unidos
Curiosamente,
os Estados Unidos também têm sido um local de investimento portuário chinês.
Duas empresas chinesas detêm participações acionárias em cinco portos dos EUA.
No entanto, nenhuma das empresas possui uma participação majoritária efetiva,
nem opera totalmente esses terminais americanos. Dois desses portos envolvem a
compra de participações minoritárias pela CMG nos terminais de uma
empresa francesa no Houston Terminal Link, no Texas e no South
Florida Container Terminal, em Miami. Os três portos restantes – em Seattle,
Los Angeles e Long Beach – eram parcialmente de propriedade da COSCO. No
entanto, a administração Trump exigiu que a China se desfizesse de sua
participação no porto de Long Beach em 2019.
Além
de seu investimento direto em portos americanos, que permanece sem
consequências, o domínio crescente da China na indústria de transporte marítimo
está ligando alarmes em Washington, à medida em que as relações sino-americanas
continuam a tender para uma direção descendente. Na recente cúpula virtual
entre Biden e Xi, a deterioração entre Estados
Unidos e China foi particularmente evidente, dado o fracasso dos dois
países em produzir uma declaração conjunta após a reunião. Nas décadas
anteriores, essas declarações eram consideradas pouco mais do que formalidades.
Além disso, apesar da campanha para derrubar a guerra comercial do presidente
Trump com a China, Biden deixou intactos muitos aspectos da política
comercial da era Trump com a China.
Com um relacionamento cada vez mais turbulento, o domínio crescente da China sobre a indústria de transporte marítimo pode ser uma fonte de vulnerabilidade para os Estados Unidos e outros rivais geopolíticos que estão avançando. Assim como a OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) usou o petróleo como forma de alavanca durante a crise dos anos 1970, o controle chinês sobre a indústria naval tem o potencial de expor vulnerabilidades no acesso a produtos essenciais. O recente acúmulo de contêineres nos portos dos EUA serve como um lembrete gritante da dependência dos Estados Unidos das cadeias de abastecimento globais. Felizmente, com a chegada das festas de fim de ano, pode ser que apenas a entrega oportuna de presentes esteja em jogo. Olhando para o futuro, no entanto, as consequências podem ser mais graves.
Este
artigo foi publicado originalmente em inglês no site The
Diplomat
Para ler mais
acesse, www: professortacianomedrado.com
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