Por: Jonas
Lima é advogado especialista em licitações e contratos, pós-graduado
em Direito Público e Compliance Regulatório e sócio de Jonas Lima
Sociedade de Advocacia.
A
Lei nº 14.133/2021 adveio com o princípio da motivação incorporado ao seu
artigo 5º, uma diferença relevante em comparação com o artigo 3º da Lei nº
8.666/93.
Mas
há muito a fazer, uma vez que milhares de pregões pelo Brasil continuam
repletos de atos não motivados, quando motivo é requisito de todo ato
administrativo, sob pena de nulidade, consistindo de uma situação de fato e de
uma norma de direito que o fundamenta.
Assim,
não bastará a novidade legislativa para mudar uma realidade de descompasso
histórico e hodierno das licitações, de tantos atos não motivados, em razão da
cultura de animosidade e discriminação em relação a licitantes, além de
arrogância, em certos casos.
Por
exemplo, um licitante formula questionamento sobre a razão de determinado item
do edital, mas a autoridade responde de modo genérico com a frase: "Favor
verificar o item.... do edital". Reiterar texto de edital não é motivar o
ato. O correto é afirmar algo no seguinte sentido: "A exigência do
item W consta do edital pois a norma X estabelece a obrigação da certificação Y
para a comercialização do produto Z".
Também,
inúmeras respostas a questionamentos de licitantes sobre estar ou não correto
um determinado entendimento sobre item de edital vem com lacônico NÃO. Isso não
é motivar o ato, isso é nulidade.
Em
exemplo mais específico, também se pode comentar o caso de resposta
dissimulada, com a motivação diversa, tornando nulo o ato, quando um licitante
pergunta detalhes necessários para os custos e a formação de preço de serviço
de transporte com atendimento dentro e fora de limite municipal (o que altera a
parte tributária), mas a autoridade responde que isso não é necessário
informar, pois a demanda será resolvida depois, vez que registro de preços não
obriga contratação. Ora, se o licitante estava perguntando sobre elementos para
formular sua proposta, não é cabível resposta de algo totalmente diferente, de
outro ponto de lei ou regulamento e que nada tem de relação fática e nem legal
com o que foi perguntado.
Situação
similar ocorre quando empresa de eventos é demandada para a realização de
vários congressos e seminários, por registro de preços, com estimadas
quantidades de brigadistas, recepcionistas e outros profissionais e itens de
estrutura variável, exatamente para se dimensionar cada porte diferenciado de
evento, maior ou menor, mas a auditoria interna do órgão inicia processo de
penalidade contra a empresa alegando que quantitativos não podem ser alterados
porque um acórdão do TCU sobre contrato da área de tecnologia da informação, de
compra de equipamentos, não condizente com quantitativos estimados ou
referenciais, estabelece que qualquer variação de item não pode passar de 25%.
Essa é uma comparação indevida de casos concretamente desiguais, então, a
motivação não está congruente, como deveria ser.
Também,
uma agência de viagens interpõe recurso em face de resultado de pregão com
proposta eivada de inexequibilidade, mas a autoridade cita acórdão sobre
cartões de alimentação para tentar forçar determinado entendimento sobre
matéria diversa, como se o objeto de agenciamento e viagens, que possui
regramento legal e tributário distinto, pudesse ser comparado com cartões de
alimentação.
Motivações
equivocadas, dessa forma, são dissimuladas e, portanto, deixam o ato nulo, de
modo insanável, por ser caso de nulidade absoluta.
O
mesmo ocorre nos julgamentos de recursos em que a autoridade que praticou o ato
e a autoridade superior se omitem em citar fatos, provas, normas legais
especificadas do texto recursal, que pelo dever de motivação e pelo direito e
petição precisariam ter sido consideradas, mas não o foram, ou seja,
também causando nulidade.
Também
em situação de contratação de produtos médico-hospitalares, que por algum fator
excepcional de abastecimento ou logística internacional tenham atraso,
portanto, situação justificada, mas no processo de penalidade a graduação ou
dosimetria é apontada para cima, para maior severidade, com genérica afirmação
de que pacientes ficaram em risco, quando o caso concreto já teve entregas
anteriores, pela mesma empresa, e ainda possui estoque com reserva para meses
adiante, sem que tenha sido citado qualquer evento concreto que a falta dos
produtos tenham representado. Não há motivação por suposição, sem elementos
concretos.
Por
fim, exemplo por demais comum: para negar cópias ou acesso externo a autos de
processos para partes e advogados, algumas autoridades resolvem ir pelo caminho
da citação genérica da Lei de Acesso à Informação, alegando sigilo "imprescindível
à segurança da sociedade e do Estado", sem especificar em que consistiria
sequer determinado risco de simples acesso a um processo administrativo, ainda
mais quando o caso é de matéria de licitação e, portanto, dotada de
publicidade, não apenas por normas constitucionais, como várias legais.
Por
essas e outras situações do dia a dia dos processos administrativos é que o
conhecimento doutrinário sobre o princípio da motivação ganhou alçada em determinadas
normas, como aquelas dos artigos 2º e 50, todos da Lei nº 9.784/99, que
disciplina o processo administrativo federal.
Em
conclusão, é preciso haver uma mudança de cultura em parte da Administração
Pública sobre como lidar, efetivamente, com o princípio da motivação nos seus
atos.
Fonte: Artigo publicado originalmente na Revista Consultor Jurídico
Para ler mais acesse, www:
professortacianomedrado.com
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