Uma
das principais mudanças no cenário das relações trabalhistas nos últimos anos
foi o crescimento do home office, especialmente a partir de 2020, com o início
da crise de Covid-19. Mesmo amplamente difundida no país, a modalidade não
possui uma regulamentação específica no ordenamento jurídico brasileiro, o que
vai de encontro às recomendações de especialistas.
Ricardo
Calcini, professor de Direito do Trabalho da Pós-Graduação da FMU e colunista da ConJur, explica que, atualmente, a
única diretriz normativa é a CLT, que em 2017 passou a prever o teletrabalho.
Segundo ele, no entanto, ela "não atende aos anseios de trabalhadores e
empresas", pois não foi idealizada para o período de crise sanitária
instaurado desde 2020.
"Salvo
as normas coletivas que disponham sobre o home office, porém aplicadas a certas
categorias profissionais e a determinados segmentos empresariais, não há hoje
uma correta regulamentação legislativa para dar uma efetiva resposta aos
problemas práticos que estão surgindo diuturnamente", destaca Calcini.
Histórico e definições
Originalmente, o artigo 6 da CLT previa a ausência de distinção entre trabalho
executado no estabelecimento do empregador e trabalho executado no domicílio do
empregado. A Lei 12.551/2011 modificou o dispositivo: acrescentou o
trabalho à distância que não seja no domicílio do empregado e equiparou a
supervisão virtual ao controle direto tradicional. Além disso, o artigo 86, não
alterado, sempre garantiu salário mínimo ao trabalhador em domicílio.
A
mudança mais relevante veio com a reforma trabalhista de 2017, que acrescentou disposições
específicas, dentre elas um capítulo inteiro sobre teletrabalho.
Em
2020, chegou a valer por alguns meses a Medida Provisória 297/2020, que flexibilizava o processo de
transição para o trabalho remoto, mas sua vigência foi encerrada. O mesmo
aconteceu no último ano com a MP 1.046/2021, que permitia a alteração do trabalho
presencial para as modalidades de trabalho à distância.
O
teletrabalho é definido na CLT como "a prestação de serviços preponderantemente
fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de
informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como
trabalho externo". Já o home office, ou seja, o trabalho diretamente de
casa, não possui previsão legal — é como se o empregado estivesse trabalhando
normalmente, sob as mesmas condições, mas sem se deslocar até a empresa.
De
acordo com Rodrigo Marques, coordenador do núcleo trabalhista do
escritório Nelson Wilians Advogados, nos casos de home office, "os
empregadores, para se resguardarem, estão utilizando o regramento vinculado ao
teletrabalho na CLT somado, no que cabível, ao contrato regular de trabalho
presencial".
Para
o advogado, tanto para o teletrabalho quanto para o home office "há
necessidade de regulamentação mais específica sobre as responsabilidades
efetivas de fiscalização e controle no que tange às normas de saúde, medicina e
segurança do trabalho".
Marques
também defende a regulamentação de outra nova modalidade: o contrato de
trabalho híbrido, no qual parte das funções dos empregados são executadas nas
dependências do empregador e parte não. Segundo ele, é preciso definir, por
exemplo, quantos dias de trabalho presencial na semana não descaracterizariam o
possível regime de teletrabalho firmado entre as partes.
Lacunas
Para Donne Pisco, sócio-fundador do escritório Pisco & Rodrigues
Advogados, na legislação sobre o teletrabalho existem "lacunas causadoras
de insegurança jurídica e que vêm impondo ao Judiciário o preenchimento dessas
omissões na solução de conflitos concretos".
Dentre
os temas não regulamentados, ele cita o controle de jornada e a prestação de
horas extras, a privacidade no uso do computador pessoal utilizado para
execução das atividades e a responsabilidade do empregador pelo fornecimento,
disponibilização e custeio dos equipamentos, bem como por doenças relacionadas
ao trabalho.
O
controle de jornada é um dos pontos mais lembrados entre os especialistas em
Direito do Trabalho. "Há formas tecnológicas também de controle de jornada,
até mais efetivas do que as presenciais", aponta José Roberto Dantas
Oliva, advogado e juiz do trabalho aposentado. "Não se pode abrir mão
delas, pois corre-se o risco de o temor da perda de emprego e a competitividade
propiciarem a crescente autoexploração e, no limite, uma espécie de
autoescravização, da qual, inclusive, a pretexto de não ter controle, o
explorador poderia se safar de eventuais responsabilidades decorrentes de
danos", completa.
O
fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária para
o trabalho remoto — o que incluiria até despesas com energia elétrica e plano
de internet — também é uma das principais controvérsias. Para Oliva, a questão
não pode ser resolvida por meio de contrato individual. "Os riscos da atividade
econômica são do empregador, que deve fornecer, inclusive, móveis ergonômicos
para o desenvolvimento da atividade. Não se pode cogitar de reembolso, pois
isso exigiria, inclusive, dispêndio prévio do trabalhador para o
desenvolvimento das atividades", opina.
Ana
Carolina Machado Lima, sócia e coordenadora da área trabalhista do SGMP
Advogados, lembra que cabe ao empregador instruir o trabalhador sobre normas de
saúde, segurança e medicina do trabalho. Mas questiona se, em caso de acidente,
haverá culpa do empregador, já que a prerrogativa da escolha do local de
trabalho é do empregado.
"Fica
muito difícil averiguar de quem é a culpa, se foi do empregador que não
instruiu o trabalhador de forma contundente ou se foi o trabalhador quem
descumpriu com as orientações recebidas. Não parece razoável responsabilizar o
empregador por situações que fogem ao seu controle", assinala. Ana
considera que o Legislativo também precisa definir como identificar se o
acidente ocorreu durante a prestação do serviço.
Outro
ponto que, segundo a advogada, "demanda um tratamento legal mais
detido" é o dimensionamento da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes
(Cipa). De acordo com a Norma Regulamentadora 5 (NR-5), o dimensionamento deve ser
feito de acordo com o número de empregados no estabelecimento empresarial. Porém,
seria necessário estabelecer um critério para os casos em que o teletrabalho é
adotado.
Paulo
Woo Jin Lee, sócio da área trabalhista do Chiarottino e Nicoletti Advogados,
chama a atenção para o direito de imagem, à intimidade e privacidade dos
empregados — segundo ele, muitas vezes violado nas reuniões virtuais que
se tornaram comuns no teletrabalho.
As
normas coletivas também são objeto de controvérsia. Pelas regras vigentes,
aplicam-se aos empregados, em tese, as negociações feitas pelos sindicatos do
local da prestação de serviços. "Ocorre que a escolha dos locais onde o
teletrabalho será executado é realizada livremente pelo empregado, o que gera
profundos impactos nos benefícios que serão concedidos e pode distorcer todo o
planejamento realizado pelas empresas na gestão e pagamento de seus
colaboradores", ressalta Paulo.
"Um
empregado que reside no Rio de Janeiro e cuja empresa é do Rio Grande do Sul: a
qual sindicato ele estaria vinculado?", exemplifica a advogada Laís
Gattai, coordenadora da área trabalhista do Vezzi, Lapolla e Mesquita Sociedade
de Advogados.
Para Joana
Duha Guerreiro, juíza do trabalho da 1ª Região e associada da Associação
Brasileira de Magistrados do Trabalho (ABMT), "o legislador não teve a
intenção de esgotar a matéria, até porque se trataria de missão verdadeiramente
impossível, ante o dinamismo da evolução das relações de trabalho ocasionado
pela rápida evolução tecnológica".
Sugestões legislativas
Diante da falta de legislação adequada, Ricardo Calcini considera necessária a
aprovação de projetos de lei que estão há tempos em tramitação no Congresso.
Ele próprio esteve envolvido na criação de uma proposta legislativa com regras
para o home office. O PL 5.581/2020, de autoria do deputado federal Rodrigo
Agostinho (PSB-SP), foi elaborado por um grupo de estudos técnicos com cerca de
70 especialistas de todo o país, conduzidos pelo professor.
O
texto "disciplina, em sua integralidade, essas novas relações de trabalho
à distância, alterando a CLT para que as atuais diretrizes sejam adequadas para
atender a real necessidade de patrões e empregados", explica Calcini.
O
documento sugere que o empregador deve adotar medidas para garantir o bem-estar
físico e psicossocial dos teletrabalhadores e reduzir os riscos à sua saúde e
segurança. Para isso, seria necessário, por exemplo, fornecer equipamentos de
proteção individual ou coletiva e a infraestrutura mínima necessária.
Além
disso, seria função do empregador instruir os funcionários quanto às precauções
para evitar doenças e acidentes de trabalho na modalidade remota. As
orientações deveriam abordar aspectos como o uso adequado dos aparelhos de
exibição visual, iluminação, ruído, postura e pausas recomendadas.
Segundo
o PL, o tempo de desconexão é essencial para a saúde mental do trabalhador. Por
isso, o empregador deveria incentivar momentos de integração social,
presenciais ou à distância, para minimizar o isolamento dos teletrabalhadores.
O direito à desconexão é outra grande lacuna da
legislação atual, ressaltada pelos especialistas. José Roberto Dantas Oliva diz
que o trabalhador não pode ser acionado a qualquer hora do dia ou da noite:
"Há que se estabelecer limites, inclusive para o envio de e-mails fora da
jornada de trabalho, pois isso, ainda que não se obrigue o trabalhador a
acessar a correspondência eletrônica, pode gerar ansiedade e provocar
perturbações mentais e comportamentais diversas".
Paulo
Woo Jin Lee lembra que a recuperação física e mental já é prevista em alguns
países, "tendo em vista que a vinculação diuturna e ininterrupta às
atividades profissionais se demonstrou prejudicial aos trabalhadores".
O
projeto de lei em questão está apensado a outro, o PL
3.915/2020, que busca aplicar no home office as normas do trabalho
presencial. As propostas, no entanto, estão paradas na Comissão de Trabalho, de
Administração e Serviço Público da Câmara desde março do último ano.
Enquanto
a aprovação pelo Legislativo não ocorre, Calcini conta que o PL 5.581/2020 vem
sendo fonte de consulta para a criação de convenções e acordos coletivos de
trabalho, além de regulamentos internos empresariais.
Há
também um projeto para regulamentação do home office em tramitação no Senado.
De autoria do senador Confúcio Moura (MDB-RO), o PL 612/2021 ressalta a responsabilidade do empregador
pelo fornecimento do suporte material e tecnológico, bem como pela orientação e
capacitação dos empregados para uso dos instrumentos de trabalho à distância.
De acordo com a proposta, o trabalho remoto seria previsto em contrato
específico ou por meio de aditivo, que contemplasse a atividade a ser feita, a
duração do vínculo, o tempo de jornada e intervalos e o reembolso das despesas
feitas pelo empregado para o trabalho. O PL também está parado, desde fevereiro
do último ano.
Com
informações de José
Higídio repórter da revista Consultor Jurídico.
Para ler mais acesse, www:
professortacianomedrado.com
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