Por: Volgane Oliveira Carvalho é servidor da Justiça
Eleitoral, mestre em Direito pela PUC-RS e secretário-geral da Academia
Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP).
As
mulheres estão cada vez mais organizadas em busca do reconhecimento e da
efetivação dos seus direitos básicos. Militares, principalmente aqueles de
baixa patente, estão agitados buscando maior participação política e mais
espaço na administração pública. Temos um presidente odiado por muitos e amado
por outros tantos, que chegou ao poder depois de um processo eleitoral
turbulento, marcado por um atentado. Este é um pequeno resumo do Brasil de
1932, quando o nosso primeiro Código Eleitoral entrou em vigor.
O
documento é a concretização de um acordo firmado anos antes, no Castelo de
Pedras Altas, entre Assis Brasil e Getúlio V argas. Assis era um tradicional
político gaúcho que perdera sucessivas eleições em decorrência de diferentes
manobras fraudulentas, e este seu histórico fez com que condicionasse a adesão
ao governo varguista a uma completa reestruturação do sistema eleitoral
brasileiro.
O
presidente concordou com a elaboração da norma depois de realizar um cálculo
político bastante cuidadoso, pois, além de aliados importantes, a lei poderia
angariar simpatizantes na classe média urbana, especialmente nos Estados do
Sudeste. É difícil, portanto, de identificar nessa equação qualquer apreço pela
democracia ou genuína defesa da ampliação do direito de participação política.
O
próprio Assis Brasil comandou a comissão responsável pela elaboração do
documento. A inovação que serviu de impulso inicial do texto foi a criação da
Justiça Eleitoral e do voto secreto. Durante a Primeira República, a
organização dos pleitos e a contagem dos votos eram tarefas dos governos
locais, e a confirmação dos resultados era exercida por comissão do Poder
Legislativo. Além disso, o voto era aberto e exercido com cédulas que eram
levadas de casa pelo próprio eleitor. Essa fórmula constituía-se em terra
fértil para toda espécie de trapaça.
A
péssima fama das eleições brasileiras não irritava apenas os candidatos
prejudicados pela fraude, mas também o eleitorado dos centros urbanos. Eram
pessoas da nascente classe média, profissionais liberais, tenentes,
funcionários públicos, pessoas que tinham um nível de escolaridade acima da
média nacional, um senso crítico mais apurado e que não concordavam com a
continuidade do modelo de eleições decididas com base na fraude eleitoral.
A
comissão responsável pela elaboração do código, entretanto, não se fechou a
outros pleitos da sociedade e cuidou de implementar mais alguns avanços
notáveis. Por insistência de João Cabral, experiente jurista piauiense e futuro
ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o texto incluiu o reconhecimento
do direito de voto às mulheres. É de reconhecer, entretanto, que o Rio Grande
do Norte já admitia o alistamento feminino em 1927 e assistira no ano seguinte
à eleição de Alzira Sariano como prefeita de Lajes, a primeira mulher a
comandar um município na América do Sul.
O
reconhecimento do direito de voto às mulheres era uma luta antiga das
sufragistas brasileiras, grupo no qual se destacou Bertha Lutz. Cabe destacar
que alguns dos avanços alcançados pelo código de 1932 foram posteriormente
anulados, mas o voto feminino permaneceu como regra desde então.
Outra
grande novidade da norma foi a criação do sistema proporcional para a eleição
de parlamentares. Tratava-se de um sistema mais justo do que o modelo
majoritário, que era
adotado
desde o Império. As novas regras passaram a privilegiar as escolhas dos
eleitores, contemplando nos órgãos legislativos todos os ideários políticos na
proporção dos votos amealhados. No modelo antigo, apenas os mais votados eram
vitoriosos, desprezando-se completamente todos os sufrágios que não foram
destinados a eles.
A
memória dos 90 anos do nosso primeiro Código Eleitoral não é apenas uma
efeméride, na verdade, trata-se de uma grande oportunidade para que sejam
revisitadas as lutas pela democracia e regularidade das eleições brasileiras.
Lembremos
da luta para a criação da Justiça Eleitoral, inclusive com a morte de muitos na
Revolução Gaúcha de 1923, o que poderá ser valoroso para apascentar aqueles que
gritam pela sua extinção. Falemos sobre as dificuldades em torno da criação do
voto secreto, o que poderá ser importante para desnudar verdades desprezadas
por quem deseja um voto impresso.
Compreendamos
o processo de criação do modelo de eleições proporcionais e a incrível luta
para que todos os eleitores pudessem ver seu pensamento representado no
Parlamento, o que poderá reduzir os ímpetos dos defensores do distritão, modelo
imperial e excludente para a escolha de parlamentares. Por fim, recordemos a
luta feminina pelo direito ao voto, o que poderá ser essencial para que
possamos agir criando medidas inclusivas que estimulem cada vez mais a
participação das mulheres na política e o seu acesso aos cargos eletivos.
Comemorar
os 90 anos do nosso primeiro Código Eleitoral é, em suma, uma oportunidade para
gozar, com sabedoria, dos benefícios que ele introduziu no nosso modelo
eleitoral, sem descansar no trabalho contínuo em busca do seu aperfeiçoamento e
da sua concretização.
Artigo publicado pela Revista Consultor Jurídico
Para ler mais acesse, www: professortacianomedrado.com
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