Desde
novembro de 2021, tornaram-se comuns nos jornais controlados pelo governo
militar de Mianmar os
anúncios de famílias informando que filhos, filhas e outros parentes foram
informalmente deserdados ou renegados porque se uniram a grupos que fazem
oposição à junta militar que assumiu o poder no país em fevereiro
do ano passado. As informações são da agência Reuters.
Os
anúncios tornaram-se comuns a partir do momento em que o exército ameaçou tomar
as propriedades de seus oponentes políticos e prender todos aqueles que dessem
abrigo a manifestantes contrários
ao governo.
“Declaramos
que deserdamos Lin Lin Bo Bo porque ele nunca ouve a vontade dos pais”, diz um
anúncio postado por San Win e Tin Tin Soe. O filho deles, que antes era
vendedor de carros usados, juntou-se a um grupo armado de resistência e hoje
vive em uma cidade fronteiriça da Tailândia. A decisão de San e Tin foi tomada
após soldados invadirem a casa deles em busca de Lin.
“Meus
camaradas tentaram me assegurar que era inevitável que as famílias fizessem
isso sob pressão”, disse Lin. “Mas eu estava com o coração partido”, afirmou o
jovem de 26 anos, que admitiu ter chorado ao ler o anúncio postado pelos pais e
que torce para poder reencontrá-los no futuro. “Quero que essa revolução acabe
o mais rápido possível”.
A
perseguição a parentes de dissidentes não
é nova e já ocorreu em outros governos militares do país, em 2007 e no final
dos anos 1980. Já a decisão de deserdar membros da família é parte da cultura
local, segundo Wai Hnin Pwint Thon, advogada do grupo de direitos humanos Burma
Campaign UK, que usa o antigo nome da ex-colônia britânica.
“Os
membros da família estão
com medo de serem implicados em crimes”, disse ela. “Eles não querem ser presos
e não querem ter problemas”. Ainda assim, o governo já afirmou que deserdar
dissidentes não basta. Se houver indícios de que a família ainda dá qualquer
apoio aos oposicionistas, a perseguição não cessará.
O jornalista So
Pyay Aung também foi deserdado pelo pai em novembro do ano passado. Ele
filmou a ação violenta da polícia contra manifestantes e publicou as imagens em
um site de notícias local, o Democratic Voice of Burma (Voz
Democrática de Burma, em tradução literal). Perseguido pelos militares devido
ao registro jornalístico, decidiu fugir para a Tailândia com a mulher e a
filha.
“Declaro
que estou renegando meu filho porque ele fez atividades imperdoáveis contra a
vontade de seus pais. Não terei nenhuma responsabilidade relacionada a ele”,
diz um aviso publicado por Tin Aung Ko, pai do jornalista.
“Quando
vi o jornal que mencionava cortar os laços comigo, fiquei um pouco triste”,
disse So. “Mas eu entendo que meus pais tinham medo da pressão. Eles podem ter
medo de que sua casa seja confiscada ou apreendida”.
Segundo
uma mãe que deserdou a filha através dos jornais e pediu para não ser
identificada, a decisão serve essencialmente para tentar afastar o governo.
“Minha filha está fazendo o que acredita, mas tenho certeza de que ficará
preocupada se tivermos problemas”, disse a mãe. “Eu sei que ela pode entender o
que eu fiz com ela”.
De
acordo com a advogada Wai, a medida é mesmo um mero recado aos militares, para
que os familiares sejam eventualmente deixados em paz. Juridicamente, a ação
não gera efeitos de deserdação. “A menos que eles façam isso corretamente, com
advogados e um testamento, essas coisas não contam legalmente”, disse ela.
“Depois de alguns anos, eles podem voltar a ser família”.
Por
que isso importa?
Mianmar
enfrenta “uma campanha
de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das
Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo já causou a morte de ao
menos 1,5 mil desde o golpe de 1º de fevereiro de 2021, que sucedeu as
eleições presidenciais de novembro de 2020.
Na
ocasião, o NLD venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia
obtido no pleito de 2015. Em fevereiro, então, a junta militar, que já havia
impedido o partido de assumir o poder antes, derrubou e prendeu a presidente
eleita Aung San Suu Kyi.
O
golpe deu início a protestos no país, respondidos com violência pelas forças de
segurança nacionais. Cerca de 12 mil pessoas já foram presas, invariavelmente
sem indiciamento ou julgamento prévio, e muitas famílias continuam à procura de
parentes desaparecidos. Jornalistas e
ativistas são atacados deliberadamente, e serviços de internet têm sido
interrompidos.
No
início de dezembro, tropas da junta
militar foram acusadas de assassinar 11 pessoas em uma aldeia no
noroeste do país. De acordo com uma testemunha, as vítimas, algumas delas
adolescentes, teriam sido amarradas e queimadas na rua. Fotos e um vídeo
chocantes que viralizaram nas redes sociais à época mostravam corpos
carbonizados deitados em círculo no vilarejo de Done Taw, região de Sagaing.
A
ação dos soldados seria uma retaliação a um ataque de rebeldes contra um
comboio militar. Uma liderança local da oposição afirmou que os civis foram
queimados vivos, evidenciando a brutalidade da repressão à população que tenta
resistir ao golpe de Estado orquestrado em fevereiro deste ano.
Em
meio à violenta repressão por parte do exército, alguns manifestantes fugiram
para o exterior ou se juntaram a grupos armados em partes remotas do país.
Conhecidos como Forças de Defesa do Povo, esses grupos estão amplamente
alinhados com o governo
civil deposto.
Para
ler mais acesse, www: professortacianomedrado.com
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