O
governo russo não vai poder usar as reservas financeiras que mantém nos Estados
Unidos, na União Europeia, no Reino Unido e no Canadá, segundo confirmou neste
domingo a Comissão Europeia. Isto é, o Banco Central da Rússia (BCR) não vai
poder "sacar" recursos ou vender ativos financeiros que mantém nesses
países: depósitos e títulos de dívida pública ou privada. As informações são de Vinicius Torres Freire/FolhaPress.
Das
sanções anunciadas até agora pelo "Ocidente" contra a economia russa,
é a mais grave. É na prática um calote. É um ato de guerra. Mal comparando, mas
não muito, é como se, em tempos mais antigos, um país invadisse seu inimigo e
saqueasse quase todas as suas reservas em ouro (o padrão ou o lastro dos
pagamentos internacionais antigos).
De
imediato, pode ocorrer uma grande desvalorização da moeda russa e disparada nas
taxas de juros. Na sexta-feira, o dólar era vendido a 84 rublos. Horas antes da
abertura do mercado em Moscou, a cotação em alguns bancos era de até um dólar
por 150 rublos.
As
consequências para a Rússia vão muito além --leia mais abaixo neste texto. Para
a economia mundial também.
Se
algum país pode ter suas reservas congeladas ou confiscadas por um outro (como
os EUA), todos vão pensar muito antes de colocar seus ovos de ouro nessa cesta.
Quer dizer, vários deles podem querer criar um sistema financeiro e de reservas
alternativo. É o que China e Rússia já vinham pensando em fazer antes da
guerra. No final de 2021, a China tinha cerca de US$ 3,3 trilhões em reservas,
a maior do mundo. Disso, pelo menos US$ 1 trilhão estava emprestado para o
governo dos EUA (estava em títulos da dívida americana. O Brasil tem US$ 244
bilhões em títulos americanos).
Em
termos mais precisos, o "Ocidente" vai bloquear o acesso do BCR às
reservas internacionais do país, embora ainda não tenham sido divulgados
detalhes técnicos e documentos legais das sanções. Reservas internacionais são
uma poupança financeira de um governo em moedas "fortes", aceitas no
mercado internacional (dólar, euro, libra, iene, aos poucos o renminbi chinês).
Em geral, são compostas na maior parte de aplicações em títulos da dívida
americanos ou europeus (são "empréstimos" para esses governos).
Quando
um país fica com poucas reservas ou sem acesso a tais recursos, diminui ou
acaba a confiança de que possa fazer pagamentos internacionais (como
importações de mercadorias, pagamentos de dívidas). O governo fica também com
pouca ou nenhuma capacidade de intervir no câmbio: isto é, de comprar moeda
local com moeda "forte" a fim de evitar desvalorizações exageradas,
disparadas de taxas de juros, pânicos e possíveis quebras decorrentes desse
tumulto.
Fazer
comércio com tal país depauperado de reservas ou investir por lá é, pois, um
risco. Se as reservas são escassas ou também tal país não tem outro meio de
conseguir moeda forte, pode ser que não seja possível tirar dinheiro de lá ou
se tire menos (por causa da desvalorização). Pode ser que um banco russo fique
sem dólares ou euros para pagar compromissos externos, sob risco de quebrar
(não teria ajuda do governo). São casos limite, que já aconteceram no Brasil
dos anos 1980, aliás. Mas o exemplo dá uma ideia do tamanho do problema.
No
final de janeiro, a Rússia tinha o equivalente a US$ 630 bilhões em moedas
"fortes" ou ativos financeiros geralmente aceitos É terceira ou
quarta maior reserva do mundo (as do Brasil eram de US$ 358 bilhões).
Cerca
de 38% do total estava aplicado em títulos de dívidas de governos estrangeiros,
24% eram depósitos no exterior, 21,7% em ouro e pouco mais de 10% em títulos de
dívida que não eram de governo. São reservas enormes, mas é preciso ter acesso
a tais recursos.
O
ouro está na Rússia. Em junho de 2021, dado mais recente do BCR, 13,8% do total
dos ativos financeiros estava na China, 12,2% na França, 10% no Japão, 9,5% na
Alemanha, 6,6% nos EUA, 4,5% no Reino Unido, para citar as maiores fatias.
Em
termos de moedas dos ativos, 32,3% estavam em euro, 16,4% em dólares, 6,5% em
libras. Na média mundial, os países mantinham 59% de seus haveres em ativos
denominados em dólares e 20,5% em euros, no terceiro trimestre de 2021, segundo
o FMI. A Rússia é um caso excepcional e já se precavia.
Note-se
que pelo menos um terço dos recursos da Rússia em "moeda forte"
estavam nos países que vão boicotá-la (a Comissão Europeia dizia no domingo que
era quase metade), pelo menos em junho de 2021.
É
possível que o governo russo tenha transferido seus haveres para outros países
ou para instituições neutras desde meados do ano passado. De resto, ainda entra
"moeda forte". A Rússia tem um grande superávit externo (no balanço
de pagamentos): entre os ganhos de comércio exterior e o fluxo de capitais e
rendas, teve um saldo recorde de US$ 120 bilhões no ano passado, basicamente
devido a exportações. Apenas em janeiro, entraram US$ 19 bilhões.
Por
fim, a Rússia pode ter ajuda da China, por meios normais ou com operações
heterodoxas entre os dois países. Mas isso é mera especulação.
Isto
é, a Rússia pode se virar, em uma situação de emergência, para o básico do
básico, no curtíssimo prazo: apagar parte do incêndio. Pelo menos até
sexta-feira, de resto, o país ainda podia fazer e receber pagamentos relativos
à produção e comércio de energia, de produtos agrícolas etc.
Mas
o problema vai além. Como se disse, a Rússia vai se tornar um pária financeiro
internacional, como Irã ou Venezuela. O investidor não coloca dinheiro em um
país se não sabe se vai poder tirá-lo de lá (desinvestir, remeter lucros). Pode
haver ainda mais congelamento de recursos russos. Ninguém sabe até onde vai a
desvalorização da moeda. Várias empresas cortavam laços com a Rússia no
domingo. A asfixia financeira vai arruinar lentamente a economia russa (que já
vai sofrer um grande impacto imediato, um meteoro financeiro). A Rússia se
tornou um negócio de altíssimo risco.
Para ler mais acesse, www: professortacianomedrado.com
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