Por André Amaral
Em
1991, Vladimir Putin deixava
de ser um espião da KGB,
o serviço secreto russo que chegara ao fim com o colapso da União Soviética, em
dezembro daquele ano. A partir dali, a ascensão do ex-agente secreto foi rápida
como um míssil hipersônico. No final daquela década, ele já figurava no
primeiro escalão político do país, ostentando os poderes de primeiro-ministro
durante o governo Boris Yeltsin.
Em
dezembro de 1999, Yeltsin renunciou, e Putin assumiu como presidente interino.
Um importante conflito em curso naquela época foi marcado pelo pulso firme do
novo mandatário, característica que logo chamou a atenção da opinião pública,
que enxergou naquela figura um líder disposto a recolocar sob as ordens de
Moscou os rebeldes chechenos. A reedição da guerra da Chechênia foi uma
ação interpretada por muitos como um ressurgimento do poderio do Estado russo.
De
lá para cá, o chefe do Kremlin consolidou o poder e fortaleceu o papel da Rússia no cenário
mundial, meta atingida à base de violência e autoritarismo. Isso inclui
perseguição a opositores políticos, inclusive com suspeitas de envenenamento,
censura e repressão à imprensa e a ativistas contrários ao regime e mortes,
muitas mortes. Nessa conta entram a guerra devastadora na região do Cáucaso,
ações fatais de suas forças especiais que resultaram em baixas civis, a queda
suspeita de um avião comercial e, em 2022, uma invasão à Ucrânia que colocou o mundo
em alerta.
A
Referência organizou alguns dos principais incidentes nos quais o líder
russo esteve envolvido diretamente ou é forte suspeito de participação, todos
ocorridos nas mais de duas décadas desde que foi elevado ao posto de autocrata.
São dezenas de milhares de pessoas que perderam a vida em função de ações
associadas a Putin, um número que aumentará bastante ao longo da guerra que ele
provocou na Ucrânia.
Segunda
Guerra da Chechênia (1999)
A
segunda guerra da Chechênia ocorreu entre 1999 e 2009. A capital, Grozny, que
já havia sido arrasada pelo primeiro conflito, em 1994, tonou-se praticamente
um buraco no mapa, sendo considerada a cidade mais destruída do planeta pela
ONU (Organização das Nações Unidas). Quase nada ficou em pé.
A
justificativa dada por Putin para a ofensiva foi um atentado a um prédio
residencial no centro de Moscou, que terminou com a morte de dezenas de russos.
O episódio é conhecido como o “1° de Setembro Russo”, e suspeita-se que tenha
sido forjado para legitimar a incursão ao território checheno.
Foram
relatados estupros, incêndios criminosos, tortura e outros crimes cometidos
pelas forças russas. “É uma guerra ‘bespredel’” (sem limites, em tradução do
russo). Não chegaremos a lugar nenhum na Chechênia”, disse um soldado russo de
21 anos ao jornal Los Angeles Times em 2000. “Temos que ser cruéis
com eles. Caso contrário, não conseguiremos nada”.
Mortes
de russos: 4.249
Militantes mortos: 16.299
Crise
dos reféns do Teatro de Dubrovka (2002)
Em
23 de outubro de 2002, a Rússia e o mundo ficaram chocados quando as forças
especiais do país cercaram um teatro onde 921 pessoas eram mantidas reféns por
40 insurgentes chechenos. Na ocasião, ocorria uma apresentação do popular
musical Nord-Ost. O cerco terminou em tragédia.
Três
dias depois do sequestro, os serviços de segurança russos injetaram o chamado
gás do sono no Teatro Dubrovka, invadiram o local e mataram todos os
agressores. Porém, 130 reféns morreram em decorrência dos efeitos do gás.
Muitas perguntas permanecem sem resposta desde então e há o sentimento de que
as vítimas não receberam justiça.
O
médico chefe de saúde pública de Moscou, Andrey Seltsovskiy, e o próprio
presidente Vladimir Putin insistiram que o gás não poderia ter causado a morte,
mas seu nome e fórmula química permanecem em segredo.
As
ações das autoridades durante a crise não foram investigadas. Ninguém foi
responsabilizado pelas mortes de 119 pessoas no hospital após a conclusão da
operação de libertação, ou pela incapacidade dos serviços de inteligência de
impedir o ataque.
Putin,
por um decreto que nunca foi publicado oficialmente, concedeu ao vice-diretor
da FSB (Agência Federal
de Segurança, da sigla em inglês), Vladimir Pronichev, que administrou a
operação, o título de “Herói da Rússia”. Os esforços do deputado Sergey
Yushenkov para realizar audiências parlamentares foram bloqueados pela maioria
pró-Kremlin.
Mortes:
de 130 a 274
Dissidentes
russos (a partir de 2003)
A
rede portuguesa TSF relacionou
mais de 15 casos em que suspeitas recaíram sobre o Kremlin por mortes ou
tentativas de assassinato de dissidentes russos. Saiba quais são os mais
conhecidos (e quem sobreviveu):
Yuri
Shchekochikhin (2003)
Yuri
Shchekochikhin, jornalista e membro do parlamento russo, morreu em 3 de julho
de 2003, vitimado por uma doença rara, apontaram especialistas. No entanto,
parentes e colegas de Shchekochikhin acreditam que ele tenha sido envenenado
como uma manobra para impedi-lo de descobrir a verdade sobre um caso de
corrupção de alto nível envolvendo funcionários da FSB e do Ministério Público.
Entre
a data da morte dele e 2008, colegas e amigos pediram incessantemente a
abertura de um processo criminal para investigar as circunstâncias reais da
morte. Mas a Justiça russa recusou-se duas vezes a fazê-lo, alegando não ter
encontrado indícios de crime.
Anna
Politkovskaya (2006)
Em
2006, a vítima foi a jornalista Anna
Politkovskaya, de 48 anos. Ela foi encontrada morta com quatro tiros, um
deles na cabeça, junto ao elevador do prédio onde morava. Politkovskaya vinha
sendo ameaçada pelo trabalho investigativo que fazia na Chechênia, denunciando
abusos de poder e também por suas críticas endereçadas a Putin, a quem acusava
de transformar o país em um Estado policial.
Ela
foi assassinada no dia de aniversário de Vladimir Putin e dois dias depois das
comemorações do aniversário de Ramzan Kadyrov, líder checheno pró-Moscou. As
coincidências levantaram suspeitas de que alguém teve a intenção de dar um
“presente de aniversário” a ambos.
Alexander
Litvinenko (2006)
Em
2006, tiveram início as mortes de dissidentes russos no estrangeiro. O primeiro
foi Alexander
Litvinenko, um membro da FSB que, em 1998, acusou seus superiores de terem
ordenado a morte do oligarca Boris
Berezovsky.
Depois
de ter sido detido duas vezes na Rússia, ele fugiu para a Inglaterra, onde
recebeu asilo. Durante o tempo em que viveu em Londres, Litvinenko escreveu
dois livros, nos quais acusou os serviços secretos russos de terem encenado os
atentados à bomba contra apartamentos em diversas cidades russas e outros atos
terroristas, como as crises de reféns da escola de Beslan e do teatro de
Dubrovka. Segundo ele, tudo foi feito para levar Putin ao poder e justificar a
guerra na Chechênia. Ele também acusou o chefe de Estado de ter ordenado o
assassinato de Politkovskaya.
Segundo
análises médicas, Litvinenko foi envenenado com Polonium 210, que demorou
22 dias para matá-lo. Antes de morrer, ele teve tempo de garantir à policia que
uma morte como a dele só podia ter sido ordenada por uma pessoa: Vladimir
Putin.
Serguei
Magnitsky (2006)
A
morte seguinte foi a de Serguei Magnitsky, 37 anos, um advogado e auditor
tributário de Moscou que trabalhava para a maior empresa de investimento
estrangeiro no país quando se deparou com um caso de corrupção que envolvia um
grupo de membros do Ministério do Interior. Divulgado o escândalo, Serguei
Magnitsky foi o único envolvido nas investigações que não quis fugir.
Ele
foi preso e espancado quase até à morte. Acabou por não resistir aos ferimentos
depois de lhe ter sido negada assistência médica.
O
chefe de Magnitsky, o investidor britânico Bill Browder, ficou horrorizado com
o assassinato de seu funcionário. Sabendo que os responsáveis eram altos
funcionários do regime e dificilmente seriam punidos, ele decidiu atacar outro
ponto doloroso para Putin: conseguiu a aprovação em vários países da “Lei
Magnitsky”, que prevê i congelamento de bens e a proibição de viagens ao
estrangeiro de quem viole os direitos humanos.
Boris Berezovsky (2013)
Boris
Berezovsky foi um oligarca russo que ajudou Putin a atingir o poder, mas que se
desentendeu com o líder russo posteriormente e passou a ser crítico feroz do
regime. Empresário e político, ele se beneficiou do período de liberalização
econômica pós-soviético. Chegou a ser um dos homens mais ricos da Rússia, mas o
mal-estar com o sucessor de Yeltsin o obrigou a fugir para a Inglaterra.
Beresovsky
foi vítima de várias tentativas de assassinato, mas nunca se calou. Mesmo no
exílio, continuou a atacar Putin e alguns dos parceiros do presidente, como
Roman Abramovich, dono do Chelsea. Aos 67 anos, ele foi encontrado morto em sua
casa no condado de Surrey, nos arredores de Londres.
Alexander
Perepilichny (2012)
Alexander
Perepilichny foi um empresário e denunciante russo que morreu enquanto
praticava exercícios físicos em Londres em 2012. Ele havia deixado a Rússia em
2009 após brigar com um grupo de clientes poderosos.
Um
cardiologista britânico nomeado pelo tribunal concluiu que a morte foi
decorrente de causas naturais. No entanto, o inquérito sobre a morte continua,
e perguntas e especulações se espalharam. A principal dúvida que recai é se ele
teria sido envenenado por causa de seu status de denunciante, que ajudou a
expor uma fraude de vários milhões de libras na Rússia.
No
Reino Unido, Perepilichny denunciou o suposto crime organizado em Moscou e
transmitiu detalhes às autoridades suíças. O inquérito descobriu que ele tinha
sido “banqueiro privado” de Vladlen Stepanov, marido de uma alta funcionária do
fisco de Moscou e supostamente envolvido na fraude.
Massacre
de Beslan (2004)
No
dia 1° de setembro de 2004, em Beslan, na Ossétia do Norte, uma manhã de escola
que deveria ser normal para as crianças acabou virando um filme de horror.
Um
grupo de 30 terroristas invadiu o educandário e fez 1,3 mil pessoas como
reféns, entre famílias, professores e crianças entre 7 e 18 anos. Apenas 50
conseguiram escapar da escola no momento da invasão. Quem ficou foi submetido a
três dias de inferno no ginásio da escola, sob ameaça constante de explosivos e
em meio a um calor sufocante. Os terroristas se recusaram a dar água e comida
aos detidos.
Sem sucesso nas tentativas de negociação, no dia 3 de setembro as autoridades coordenaram uma invasão à escola. Após duas horas de combate, o ginásio explodiu. Morreram 344 pessoas no interior do prédio, sendo 331 civis, 186 deles crianças.
Mortes:
334
Guerra
russa-georgiana (2008)
O
conflito ocorrido em agosto de 2008 teve início quando as tropas georgianas
tentaram recuperar, sem sucesso, o controle da província separatista da Ossétia
do Sul, apoiada por Moscou. A Rússia enviou unidades que derrotaram os
militares da Geórgia em
cinco dias de combate.
A
Geórgia acusou os russos de violarem a Convenção Europeia de Direitos Humanos
durante e depois da guerra, mas o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos aceitou
apenas as queixas relacionadas ao período posterior aos combates.
Mais
tarde, o tribunal decidiu que a Rússia foi responsável por atos de tortura
contra prisioneiros de guerra, detenções arbitrárias e “tratamento desumano e
degradante” de 160 civis georgianos em agosto de 2008.
Mortos georgianos: 180
Mortos russos: 218
Civis mortos: 589
Insurgência
no Cáucaso Norte (2009)
A
insurgência no Norte do Cáucaso, também conhecida como Frente Cáucaso, foi uma
continuação da violência política, étnica e religiosa naquela região, apesar do
fim oficial das operações armadas na Chechênia em 15 de abril de 2009.
A
violência se concentrou principalmente nas repúblicas do Cáucaso Norte da
Chechênia, Dagestan, Inguchétia e Kabardie-Balkaria, incluindo confrontos e
ataques ocasionais em outros lugares (como Moscou e Ossétia do Norte). Também
trouxe preocupações com a segurança dos Jogos Olímpicos de Inverno Sochi 2014.
Mortos russos: 1.189
Insurgentes mortos: 2.247
Voo
MH17 (2014)
Foram
298 pessoas que perderam a vida após embarcarem no voo
MH17, da Malaysian Airlines, que caiu em 2014 enquanto sobrevoava a
Ucrânia. De acordo com investigadores internacionais que analisaram o caso, o
Boeing 777, que viajava de Amsterdã para Kuala Lumpur, foi abatido por um
míssil russo disparado de uma base russa em Kursk, próxima da fronteira com o
território ucraniano, zona do conflito separatista armado.
Mortos:
298
Boris
Nemtsov (2015)
Por
um longo período, Boris Nemtsov foi membro das principais forças do partido
União das Forças de Direita. Após a primeira eleição do presidente Vladimir
Putin, em 2000, ele se tornou um dos maiores críticos do chefe do Kremlin.
Nemtsov
denunciou a ineficiência e a corrupção e expressou fortes críticas da política
russa na Ucrânia. Ele foi morto poucas horas após conceder uma entrevista em
que disparou inúmeras acusações ao governo. Ele também trabalhou em um
relatório sobre a participação da Rússia no conflito na Ucrânia.
Mikhail
Yuryevich Lesin (2015)
Foi
um político russo, executivo de mídia e conselheiro de Putin. Em 2006, ele foi
condecorado com a Ordem “Por Mérito à Pátria”, uma das mais altas condecorações
estatais da Rússia para civis. Lesin foi apelidado de Bulldozer (escavadeira) devido
à capacidade de colocar praticamente todos os meios de comunicação russos sob o
controle do Kremlin e por ser um personagem combativo.
Lesin
morreu em um Washington, nos EUA, em circunstâncias incomuns. Sua família
inicialmente disse que a causa da morte foi um ataque cardíaco. Mas, após uma
investigação de um ano, o legista-chefe de Washington e as autoridades federais
divulgaram um comunicado conjunto dizendo que Lesin morreu de traumatismo
contundente na cabeça, induzido por quedas em meio à intoxicação aguda por
etanol.
Um
relatório vazado posteriormente ao FBI afirma que Lesin foi espancado até a
morte por homens que trabalhavam para um oligarca próximo a Putin.
Sobreviventes
a tentativas de assassinatos
Alexey
Navalny
Em
agosto de 2020, durante viagem à Sibéria, o principal opositor político de
Putin, Alexey Navalny,
foi envenenado e passou meses se recuperando em Berlim. Ele voltou a Moscou em
17 de janeiro de 2021 e foi detido ainda no aeroporto. Um mês depois, foi
julgado e condenado a dois anos e meio de prisão por violar uma sentença
suspensa de 2014, sob acusação de fraude. Promotores alegaram que ele não se
apresentou regularmente à polícia em 2020, justamente quando estava em coma
pela dose tóxica.
Sergei
Skripal
Dois
supostos agentes russos foram acusados de atacar o ex-oficial de inteligência
do Kremlin Sergei Skripal,
em 2018. Os mesmos homens teriam tentado envenenar Skripal e sua filha, Yulia,
em Salisbury, no Reino Unido, com uma dose tóxica de novichok. O agente
nervoso, também usado contra Navalny, era comum na perseguição a inimigos da
era soviética. A Rússia nega qualquer envolvimento no ataque.
Viktor
Yushchenko
Em
26 de dezembro de 2004, o líder da Revolução Laranja, o opositor pró-Ocidente
Viktor Yushchenko, sofreu um misterioso envenenamento durante a campanha. Ele
foi o responsável por abrir uma nova era política no país, pondo fim aos dez
anos de Presidência de Leonid Kuchma na Ucrânia, que pendulava entre União
Europeia (UE) e Moscou. Yushchenko reiterou a vontade da Ucrânia de
aderir à UE, apesar das objeções de Bruxelas e da Otan (Organização do Tratado
do Atlântico Norte).
Invasão
à Ucrânia (2022)
Segundo
a ONU (Organização das Nações Unidas), foram confirmadas as mortes de 406 civis
ucranianos, mas é provável que o número real seja muito maior. Em Mariupol, por
exemplo, uma das cidades mais afetadas, o vice-prefeito Serhiy Orlov diz que
mais de 1,2 mil corpos foram recolhidos das ruas e começaram a ser enterrados
em valas comuns. O governo da Ucrânia alegou no domingo que 11 mil soldados
russos haviam sido mortos até então desde o início da invasão em 24 de
fevereiro.
Fonte: artigo publicado originalmente pelo site de noticias internacionais A Referência
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