No
dia 7 de março, duas semanas após o início da invasão russa na Ucrânia, uma previsão feita pelo
chefe de uma das maiores empresas de fertilizantes do mundo serviu como um
alerta global: um choque na oferta global e no custo dos alimentos estava por
vir. Svein Tore Holsether, que lidera a Yara International, presente em
mais de 60 países, acertou em cheio, como anteviu sua entrevista à rede
britânica BBC. A
conta, evidentemente, chegou ao Brasil.
O
Índice de Preços ao Consumidor (IPC) de março jogou luz sob o cenário atual da
vida do brasileiro: a inflação acelerou de 0,90% em fevereiro para 1,28% em
março, também pressionada pelos combustíveis. Segundo matéria publicada
no Canal
Rural, o maior índice já registrada para o mês desde 1995 (1,92%), o
segundo ano do Plano Real.
No
grupo alimentação, o aumento foi de 2,26% em fevereiro para 2,43% em março, com
aceleração dos industrializados (1,42% para 1,78%) e semielaborados (0,07% para
2,51%). “O pão francês subiu 3,07%, efeito do aumento do trigo, e o leite
avançou 7,84%, efeito das altas de milho e antibióticos”, afirma o coordenador
do índice na Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), Guilherme
Moreira.
O
índice também foi empurrado pelas elevações nas bombas de combustíveis:
aceleração da gasolina (2,34% para 4,99%) e etanol (-2,18% para 1,13%).
O
conflito iniciado pelo presidente russo Vladimir Putin colaborou
significativamente para intensificar o choque inflacionário, afirmou em seu
boletim macro o IBRE (Instituto
Brasileiro de Economia).
“A
perspectiva era de baixo crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) e de uma
taxa de inflação acima do limite superior do intervalo de tolerância, de 1,5
ponto percentual além da meta de 3,5%”, analisa o documento. “Era também
incerto, em função da realização das eleições em outubro e da perspectiva de
aperto monetário nas principais economias, em especial nos EUA, o que em geral
impacta de forma relevante as economias emergentes. E a guerra na Ucrânia
aumentou ainda mais as incertezas sobre os cenários prospectivos internacional
e doméstico”.
O
primeiro efeito verificado a partir do avanço das tropas russas ao país vizinho
foi a disparada nos preços globais de commodities de energia e
agrícolas, já que Moscou e Kiev respondem por cerca de 20% das exportações
globais de milho e por quase 30% das de trigo. Para piorar, os ataques atingiram
importantes áreas de cultivo na Ucrânia.
Como
uma “tempestade perfeita”, a queda de braço entre Putin e Volodymyr Zelensky ocorre
bem em meio a um período de cortes nas previsões para as safras da América do Sul,
impactadas por intempéries climáticas.
“No
Brasil, a estiagem no Sul do país tem gerado perdas expressivas da produção.
Para tornar as perspectivas ainda mais preocupantes, temos nova rodada de alta
nos custos de insumos, com o aumento dos preços de combustíveis e de
fertilizantes. Pois, também no mercado de fertilizantes, a Rússia é grande
exportadora, respondendo por cerca de 15% do comércio mundial. Com isso, o
risco de escassez de fertilizantes para o plantio brasileiro aumentou, e o
cenário de aumento de preços de alimentos se consolidou, com riscos elevados
para a próxima safra de 2022/23”, observa o boletim.
Pressão
deve continuar, diz economista
Ouvido
por A Referência, André Perfeito, economista-chefe da Necton, observa que,
de forma geral, situações de conflitos jogam as commodities para
cima. “O preço de petróleo tem a ver com as sanções feitas
à Rússia. Sem dúvida alguma a gente tem ainda um cenário bastante desafiador
pela frente”, antecipa.
De
acordo com ele, a guerra em território ucraniano, particularmente, bate em
alguns mercados importantes. Um exemplo? O trigo, o “vilão” da elevação dos
preços no Brasil.
“O
Leste Europeu, particularmente, é um grande produtor de trigo, sendo a Ucrânia
o principal país. E isso tem elevado o preço do trigo em vários mercados,
inclusive no brasileiro”, diz.
Segundo
o economista, além do trigo, fertilizantes também viraram um problema no
cenário da economia brasileira em meio aos ataques russos. “O governo está
tentando contornar esse problema, tentando trazer mais rapidamente [o insumo]
do Canadá“.
Perfeito
também lembrou que a inflação, além de estar sendo levada para cima por commodities,
está mais persistente neste momento, com o índice de difusão mais forte.
“O
índice de difusão é, literalmente, contar quantos itens subiram no mês. Setenta
e cinco por cento dos itens pesquisados pelo IBGE [Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatistica] estão em alta no último mês. Então, essa pressão da
inflação deve continuar elevada”, prevê.
Por
que isso importa?
O
Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (Fida) também alertou, no
dia 4 de março, que o conflito na Ucrânia, iniciado com a invasão
do país pela Rússia, em 24
de fevereiro, poderia limitar o abastecimento mundial de alimentos básicos,
como trigo, milho e óleo de girassol.
O
presidente da entidade, Gilbert F. Houngbo, explica que o problema pode levar a
um aumento de preço dos insumos e gerar uma escalada da fome, ameaçando a
segurança alimentar mundial.
No
alerta, o chefe do Fida explica que o Mar Negro possui um importante papel no
sistema alimentar global, exportando pelo menos 12% das calorias alimentares
comercializadas no mundo.
Ainda
de acordo com ele, 40% das exportações de trigo e milho da Ucrânia vão para
o Oriente
Médio e a África,
que já sofrem com a fome.
Ali, “mais escassez de alimentos ou aumentos de preços podem levar à agitação
social”.
Houngbo
lembra que, atualmente, 10% da população mundial não tem o suficiente
para comer. Além disso, os impactos de eventos
climáticos extremos e da pandemia de Covid-19 levaram outros
milhões à pobreza e à insegurança alimentar.
Para
ele, a continuação do conflito na Ucrânia, além de uma tragédia para os
diretamente envolvidos, será catastrófica para o mundo
inteiro e “particularmente para aqueles que já lutam para alimentar
suas famílias”.
A
agência da ONU afirma que está empenhada em continuar seu trabalho para
aumentar a autossuficiência alimentar e a resiliência dos países mais pobres do
mundo, mas destaca que será difícil mitigar os impactos globais desta crise.
Segundo Houngbo, o fim do conflito é a única solução.
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