As políticas rígidas de quarentena para combater a
Covid-19 na cidade de Xangai, coração financeiro e maior cidade da China,
despertaram um movimento incomum na internet chinesa: grupos organizados para
criticar as políticas adotadas pelo governo local.
Nesta
semana, o Weibo, espécie de Twitter chinês, exibiu por horas em seus assuntos
mais comentados (nos trending topics, na analogia com a rede social americana),
a hashtag "Por que pessoas infectadas com Covid-19 não podem quarentenar
em casa?".
Depois
de a campanha ser derrubada pelo regime, os internautas chineses adotaram outra
estratégia: passaram a substituir a palavra "China" por "Estados
Unidos" para escapar da censura. Assim, levaram de novo aos assuntos mais
comentados campanhas criticando as políticas anti-Covid no país.
O
movimento chama especial atenção por escapar da censura na hipercontrolada
internet chinesa, em meio à frustração da população de Xangai com o rígido
lockdown que vem desde 28 de março para controlar a pandemia na cidade --só nesta
quinta, foram 27 mil novos casos, quase todos assintomáticos.
O
regime adotou uma série de medidas polêmicas para combater o surto, sendo a
mais ruidosa delas a separação de pais e bebês infectados, depois
flexibilizada. A revolta mais recente é com a conversão de condomínios
residenciais em centros de quarentena.
Vídeos
divulgados também no Weibo viralizaram ao mostrar moradores de um condomínio em
Pudong, a parte leste da cidade, reagindo ao aviso de que os prédios seriam
usados como centros de isolamento. As imagens mostram policiais vestindo roupas
brancas de proteção, máscaras e escudos faciais detendo de forma violenta
moradores que se recusavam a sair do local.
A
chegada da variante ômicron do coronavírus cruzou as rígidas barreiras que
Pequim construiu ao longo de mais de dois anos de pandemia, que permitiram que
o país pudesse levar uma vida relativamente normal enquanto o Ocidente fechava
escolas e proibia a abertura de comércios.
O
fato de manter a política restrita, no entanto, enquanto quase todo o planeta
já reabriu as fronteiras, é o que tem provocado a revolta de moradores. O
receio do regime é que a China passe por um movimento parecido com o da Coreia
do Sul, que controlou a pandemia com sucesso até dezembro do ano passado, mas
chegou a registrar dias com mais de 600 mil contaminações em março em meio ao
avanço da ômicron.
Outro
tópico que furou a bolha da censura foi o artigo de uma blogueira, identificada
apenas como Lady Moye, intitulado "A paciência do povo de Xangai chegou ao
limite", que viralizou no WeChat, uma espécie de WhatsApp local. O texto
foi excluído horas depois, por violar as regras da plataforma.
Também
foi apagado o relato de uma escritora, Liu Liu, que afirmava que um colega
morreu após não conseguir ir a um hospital. "Essa é uma tragédia que não
teria acontecido se a cidade estivesse funcionando normalmente. Nós não
deveríamos reavaliar a situação e fazer alguns ajustes?"
A
mesma rede bloqueou um vídeo com uma ligação entre um homem e um trabalhador da
área da saúde que dizia que não suportaria a situação por muito tempo e que
poderia se demitir logo. "Não tenho ideia de por que as autoridades não
conseguem tomar conta adequadamente de pessoas mais velhas e mulheres
grávidas", dizia o profissional de saúde. "Não tenho ideia de por que
Xangai está assim."
Os
moradores reclamam também das condições dos próprios centros de quarentena e
relatam uma série de casos de desorganização, em que pessoas foram isoladas
nesses locais dias após terem sido contaminadas, em alguns casos mesmo após a
recuperação e um teste negativo.
A
revolta, que já vem de semanas, rendeu frutos nos últimos dias, com a permissão
para moradores circularem em determinadas áreas de condomínios após dias de
gritaria pelas janelas.
Na
quarta-feira (13), o Centro de Controle e Prevenção de Doenças da China chegou
a publicar no Wechat um guia com orientações para isolamento em casa,
recomendando salas bem ventiladas, estoque de máscaras e álcool em gel, o que
elevou as esperanças de mais relaxamento em vista.
Mas
as expectativas caíram por terra quando, no mesmo dia, o líder do regime
comunista, Xi Jinping, afirmou que "o trabalho de prevenção e controle não
pode relaxar". Em visita à ilha de Hainan, no sul do país, ele disse que a
situação da pandemia pelo mundo "continua muito séria" e que a
persistência da população vai fazer com que os chineses cheguem ao fim dessa
crise.
Para
diminuir o impacto das regras rígidas na economia do país, a China adotou em
meados do ano passado o que chama de "política dinâmica de Covid
zero", que propõe fechar bairros ou regiões antes de impor lockdown sobre
uma cidade inteira --o que aconteceu com Xangai ao longo de fevereiro e março.
Mas
já há repercussões nas cadeias de produção. A Quanta, que fabrica computadores
Macbook, notificou a bolsa de valores de Taiwan na quarta-feira que "as
operações na área de Xangai foram suspensas temporariamente em resposta às
medidas de prevenção da Covid". Um dia antes, a taiwanesa Pegatron, que
produz iPhones, também anunciou a suspensão temporária de atividades na cidade.
Fonte ;FolhaPress
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