Após a ação que deixou ao menos 22 mortos na Vila
Cruzeiro, uma das favelas do Complexo da Penha, na zona norte do Rio de
Janeiro, a Polícia Militar fluminense culpou o Supremo Tribunal Federal (STF)
pela migração de criminosos ao estado. As informações são de Júlia Barbon/Folha de São Paulo.
"A
gente começou a reparar essa movimentação, essa tendência deles de migração
para o RJ, a partir da decisão do STF [que limitou operações policiais em
favelas durante a pandemia de Covid-19]", disse em entrevista o secretário
da corporação, coronel Luiz Henrique Marinho Pires.
"Isso
vem acentuando nos últimos meses. Esse esconderijo deles nas nossas comunidades
é fruto basicamente dessa decisão do STF. É o que a gente entende, a gente está
estudando isso, mas provavelmente deve ser fruto dessa decisão do STF",
continuou.
A
incursão ocorrida na madrugada desta terça (24) não visava cumprir mandados de
prisão, segundo o comandante do Bope (Batalhão de Operações Especiais),
tenente-coronel Uirá do Nascimento Ferreira. Ele esclareceu que a ação era de
inteligência.
Ferreira
diz que uma equipe de vigilância à paisana foi identificada e atacada por volta
das 4h, quando estava na proximidades da entrada da favela aguardando um
comboio de mais de 50 traficantes da facção criminosa Comando Vermelho. Eles se
deslocariam para a favela da Rocinha, na zona sul da cidade.
A
intenção da polícia era surpreender esse comboio com um aparato policial que já
estava montado fora da comunidade para prender em flagrante os criminosos
armados, parte deles vindos de outros estados como Alagoas, Amazonas, Bahia,
Ceará, Pará e Rio Grande do Norte.
A
ação, porém, foi frustrada quando a primeira equipe foi atacada. A partir daí,
a PM decidiu fazer uma operação de emergência com cerca de 80 agentes e mais 26
da Polícia Rodoviária Federal (PRF), além de helicópteros e veículos blindados,
segundo ele para cessar os ataques.
Conforme
os criminosos recuavam, os confrontos iam "entrando" na comunidade,
até chegar a uma área de mata que liga a Vila Cruzeiro ao Complexo do Alemão.
Foi ali que um grupo de homens foi baleado e depois levado ao Hospital Estadual
Getúlio Vargas, de acordo com o Bope. Dez deles morreram.
Com
os baleados e próximo a essa região de mata, a Polícia Militar afirmou que
apreendeu 13 fuzis, 12 granadas, 4 pistolas, 10 carros e 20 motos que fariam
parte do comboio.
"O
número de munições disparadas pelos criminosos foi excessivo, então não restou
outra alternativa às equipes de operações especiais e da PRF de fazer frente à
força imposta pelos criminosos. Eles realmente montaram emboscadas, haja vista
que nosso helicóptero blindado sofreu três disparos", justificou o
coronel.
Mais
cedo, durante os tiroteios, a moradora Gabrielle Ferreira da Cunha, 41, também
foi atingida dentro de sua casa na Chatuba, uma comunidade distante da área da
operação, e morreu no local. A Delegacia de Homicídios da Capital fez perícia
na residência para investigar de onde partiu o tiro.
Ao
menos outras sete pessoas ficaram feridas, segundo as últimas informações
concedidas na porta do Hospital Estadual Getúlio Vargas, incluindo um policial
civil que foi à comunidade para fazer uma das perícias do caso.
"Essa
facção é responsável por 80% dos confrontos que acontecem no estado do RJ, uma
facção muito atuante, e que em determinado momento passou a abrigar, esconder e
treinar elementos de outros estados. Tudo isso está sendo mapeado,
monitorado", declarou ainda o secretário da PM.
Questionado
sobre por que a PRF participou da operação, o superintendente Rômulo Silva
respondeu que a corporação participa de ações integradas fora de rodovias
federais sempre que demandada por algum outro órgão.
"Essas
organizações criminosas são responsáveis por inúmeros crimes que ocorrem em
rodovias federais e assolam a economia carioca e nacional, roubos de carga,
veículos e em coletivos", disse ele, afirmando que a troca de informações
é importante para o sucesso das operações.
DECISÃO
DO STF
Em
junho de 2020, o ministro do STF Edson Fachin restringiu as operações no Rio de
Janeiro a casos excepcionais enquanto durasse a pandemia da Covid-19, no âmbito
da chamada ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental) das
Favelas.
Desde
então, as polícias ficaram obrigadas a informar ao Ministério Público a
ocorrência de operações e o que justificou a excepcionalidade. Nos primeiros
meses, as incursões e mortes por agentes de segurança despencaram no estado,
mas depois os números voltaram a subir.
Em
fevereiro deste ano, a Corte então determinou que o Governo do Rio de Janeiro
apresentasse um plano para reduzir a letalidade e as violações de direitos
humanos por policiais. Isso foi feito por meio de um decreto, assinado pelo
governador Cláudio Castro (PL) no mês seguinte.
Em
5 de abril, porém, o PSB e entidades de defesa dos direitos humanos pediram que
a Corte desconsidere o documento e que uma nova proposta seja apresentada em
até 60 dias, afirmando que as medidas são genéricas e não têm cronograma ou
previsão de recursos financeiros. O pedido ainda não foi julgado.
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