ARTIGO: O incômodo que você me causa é minha responsabilidade

© Fornecido por Estadão - O incômodo que você me causa é minha responsabilidade


Psicóloga, colunista, blogueira, escritora

Quando nos incomodamos com outras pessoas é preciso compreendermos o que precisamos aprender, afinal nunca é à toa. Eu imagino que talvez isso não faça muito sentido para você que está lendo esse texto, mas o meu convite é para que você saia das justificativas que você já previamente pensou em me responder e abra espaço para o novo.

Se pararmos para pensar sobre a palavra incômodo com um pouco mais de atenção entenderemos que somos nós que nos sentimos desconfortáveis diante dos comportamentos de outras pessoas. Ontem, por exemplo, eu estava participando de um workshop e uma pessoa sentou perto de mim, mas não era qualquer pessoa e sim uma daquelas que não param quietas. Se mexia sem parar, abria e fechava a garrafinha de água, entrava mensagens no celular pois não colocou no silencioso, falava com o amigo que chegou junto com ela em voz alta o que de início me fez perder o foco, até eu lembrar que eu deveria ignorar tais ruídos.

Eu querendo prestar a atenção e ela servindo como um desafio para mim. Sério, isso sempre acontece comigo, parece que eu tenho um para-raio que atrai o barulho. Desde muito nova os barulhos me incomodavam e não me deixavam dormir, hoje sei que me incomodam sempre que dou atenção a eles. Esse foi somente um exemplo, pois todas as pessoas com as quais nos relacionamos nos trazem diversas aprendizagens, e normalmente a situação que mais se repete é justamente aquela que devemos olhar com carinho.

Te convido a lembrar dos seus amigos ou colegas de trabalho, sempre terá o chato, o inconveniente, aquele que vai falar alto, os que fazem piadas o tempo todo, podemos até nos incomodar com os que são felizes demais. Cada um irá se incomodar com os aspectos que precisa curar em si mesmo, afinal o outro é somente um espelho na nossa vida. Eu tenho amigas maravilhosas, umas mais fáceis de lidar, outras menos, porém entendo que as mais difíceis me fazem crescer mais, exige de mim mais paciência, a ser menos reativa ao que falam, a pensar muito antes de contar algumas coisas.

Meus pacientes também trazem em sessão aspectos meus, passagens de vida me lembram a minha infância, meu relacionamento com meus pais, com a época de escola. Preciso sempre estar bem trabalhada para não me misturar na história deles. Esse é o melhor exemplo que posso dar, pois esse exercício não deveria ser realizado somente por terapeutas com os seus clientes e sim em todas as formas de relacionamento. É preciso ficar claro que o outro manifesta o mundo mental dele, que vão projetar em nós como pacientes, como amigos, como parceiros, as suas próprias dores e expectativas, que não são necessariamente as nossas verdades e necessidades. Quando separamos o que é nosso e o que não é, os relacionamentos de todas as ordens fluem melhor, podemos respeitar o que o outro pensa e manifesta, mas sabemos que é do outro. Não nos magoamos com o que nos dizem, entendemos que não nos diz respeito, então deixamos passar e está tudo bem.

Olhar para o que acontece ao nosso redor como se estivéssemos nos bastidores é muito edificante, vamos transitando em nossas relações sem expectativas, entendemos que queremos do outro coisas que eles não podem nos dar, pois os nossos desejos são nossos, é preciso sair do pensamento infantil de que a outra pessoa tem que querer o mesmo que nós, e assim quando conseguimos tudo fica mais leve.

Pode ser que nessa jornada algumas pessoas saiam de nossa vida, afinal somente errando é que aprenderemos a viver de de maneira mais assertiva. É uma pena que aprendemos isso tão tarde, perdemos muitas pessoas especiais porque não enxergamos os tesouros que ela carregava por trás de alguns comportamentos que nos incomodavam. Mas aos poucos, vamos integrando essas experiências e acordando para o que de fato tem importância, pois o outro é um ser maravilhoso que nos ajuda a crescer a partir do que é, basta estarmos atentos e aproveitar essa experiência nas nossas vidas.

Fonte: Artigo publicado originalmente pelo Estadão

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