Quando
nos incomodamos com outras pessoas é preciso compreendermos o que precisamos
aprender, afinal nunca é à toa. Eu imagino que talvez isso não faça muito
sentido para você que está lendo esse texto, mas o meu convite é para que você
saia das justificativas que você já previamente pensou em me responder e abra
espaço para o novo.
Se
pararmos para pensar sobre a palavra incômodo com um pouco mais de atenção
entenderemos que somos nós que nos sentimos desconfortáveis diante dos
comportamentos de outras pessoas. Ontem, por exemplo, eu estava participando de
um workshop e uma pessoa sentou perto de mim, mas não era qualquer pessoa e sim
uma daquelas que não param quietas. Se mexia sem parar, abria e fechava a
garrafinha de água, entrava mensagens no celular pois não colocou no
silencioso, falava com o amigo que chegou junto com ela em voz alta o que de
início me fez perder o foco, até eu lembrar que eu deveria ignorar tais ruídos.
Eu
querendo prestar a atenção e ela servindo como um desafio para mim. Sério, isso
sempre acontece comigo, parece que eu tenho um para-raio que atrai o barulho.
Desde muito nova os barulhos me incomodavam e não me deixavam dormir, hoje sei
que me incomodam sempre que dou atenção a eles. Esse foi somente um exemplo,
pois todas as pessoas com as quais nos relacionamos nos trazem diversas
aprendizagens, e normalmente a situação que mais se repete é justamente aquela
que devemos olhar com carinho.
Te
convido a lembrar dos seus amigos ou colegas de trabalho, sempre terá o chato,
o inconveniente, aquele que vai falar alto, os que fazem piadas o tempo todo,
podemos até nos incomodar com os que são felizes demais. Cada um irá se
incomodar com os aspectos que precisa curar em si mesmo, afinal o outro é
somente um espelho na nossa vida. Eu tenho amigas maravilhosas, umas mais
fáceis de lidar, outras menos, porém entendo que as mais difíceis me fazem
crescer mais, exige de mim mais paciência, a ser menos reativa ao que falam, a
pensar muito antes de contar algumas coisas.
Meus
pacientes também trazem em sessão aspectos meus, passagens de vida me lembram a
minha infância, meu relacionamento com meus pais, com a época de escola.
Preciso sempre estar bem trabalhada para não me misturar na história deles.
Esse é o melhor exemplo que posso dar, pois esse exercício não deveria ser
realizado somente por terapeutas com os seus clientes e sim em todas as formas
de relacionamento. É preciso ficar claro que o outro manifesta o mundo mental
dele, que vão projetar em nós como pacientes, como amigos, como parceiros, as suas
próprias dores e expectativas, que não são necessariamente as nossas verdades e
necessidades. Quando separamos o que é nosso e o que não é, os relacionamentos
de todas as ordens fluem melhor, podemos respeitar o que o outro pensa e
manifesta, mas sabemos que é do outro. Não nos magoamos com o que nos dizem,
entendemos que não nos diz respeito, então deixamos passar e está tudo bem.
Olhar
para o que acontece ao nosso redor como se estivéssemos nos bastidores é muito
edificante, vamos transitando em nossas relações sem expectativas, entendemos
que queremos do outro coisas que eles não podem nos dar, pois os nossos desejos
são nossos, é preciso sair do pensamento infantil de que a outra pessoa tem que
querer o mesmo que nós, e assim quando conseguimos tudo fica mais leve.
Pode
ser que nessa jornada algumas pessoas saiam de nossa vida, afinal somente
errando é que aprenderemos a viver de de maneira mais assertiva. É uma pena que
aprendemos isso tão tarde, perdemos muitas pessoas especiais porque não
enxergamos os tesouros que ela carregava por trás de alguns comportamentos que
nos incomodavam. Mas aos poucos, vamos integrando essas experiências e
acordando para o que de fato tem importância, pois o outro é um ser maravilhoso
que nos ajuda a crescer a partir do que é, basta estarmos atentos e aproveitar
essa experiência nas nossas vidas.
Fonte: Artigo publicado originalmente pelo Estadão
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