O
cultivo da Cannabis Sativa para extração do princípio ativo é conduta
típica apenas se desconsiderada sua motivação e sua finalidade. A norma penal
mira o uso recreativo, a destinação para terceiros e o uso, visto que nesses
casos se coloca em risco a saúde pública. A relação de tipicidade não existe na
conduta de cultivá-la para extrair óleo para uso próprio medicinal.
Com
esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu
salvo-condutos em dois processos julgados na tarde desta terça-feira (14/6)
para permitir que pessoas com prescrição médica para o uso do canabidiol
cultivem plantas de maconha e dela façam a extração do óleo.
O
salvo-conduto visa a impedir que essas pessoas sejam investigadas, denunciadas,
presas, julgadas e condenadas pelo crime do artigo 33 da Lei de Drogas (Lei
11.343/2006), como se fossem traficantes. Até então, o STJ só tinha um
precedente sobre o tema, um julgado de abril de 2021 em que a 5ª Turma negou o privilégio.
Por
todo o país, juízos de primeiro grau, de Juizados Especiais e até Tribunais de Justiça com
posicionamento, em regra, penalmente rigoroso, como o de São Paulo, têm entendido que não cabe a
persecução penal quando o plantio de maconha, nos limites da lei e sob
fiscalização de órgãos sanitários, destina-se à extração do óleo do canabidiol.
A
própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), embora não tenha
registrado o remédio, tem deferido autorizações excepcionais para a importação
— como é o caso dos autores dos processos julgados pelo STJ. O problema é o
custo elevado, o que leva as pessoas a buscarem a produção caseira para
tratamento de suas doenças.
A
conclusão da 6ª Turma, nesse contexto, é de que a conduta não tem a tipicidade
penal de enquadramento na Lei de Drogas, visto que a finalidade do plantio é a
realização de direito à saúde, garantido pela Constituição e baseado em
prescrição médica. A votação foi unânime.
Fim do moralismo
Relator do REsp 1.972.092, o ministro Rogerio Schietti fez um apelo para
que todos os agentes estatais envolvidos nessa temática cumpram seu dever civil
e civilizatório de, senão regulamentar a questão do canabidiol, ao menos
promover uma definição legislativa e, até lá, uma solução jurisdicional.
Destacou
que processos como esse só surgem quando o Estado passa a tratar como criminal
uma questão que, na verdade, é de saúde. E apontou a existência de uma
reiterada negativa do poder público, quando pelo mundo todo os benefícios do canabidiol
são reconhecidos e regulamentados.
“O
discurso contrário a essa possibilidade é moralista, tem até cunho religioso,
baseado em dogmas, em falsas verdades, em estigmas. Quando se fala o nome
maconha, parece que tudo que há de pior advém desta palavra. Ela é uma planta
medicinal como qualquer outra. Se produz alguns malefícios, produz muitos
benefícios”, afirmou.
“Paremos
com preconceito, paremos com esse moralismo que atrasa desenvolvimento do tema
no âmbito do Legislativo e que obnubila [perturbação da consciência
caracterizada pela ofuscação da vista] o pensamento de juízes brasileiros
que não enxergam a possibilidade de preencher essa omissão do Estado”,
reforçou.
No RHC
147.169, o relator, ministro Sebastião Reis Júnior, concordou. Exaltou a postura
dos integrantes da 3ª Seção, de oferecer uma constante atualização da leitura
do Direito Penal e do Direito Processual Penal e avisou que chegou a hora da
questão das drogas.
“Não
podemos mais ficar no estado em que nos encontramos, de inércia total. A
doutrina discute, o Judiciário de medo de enfrentar e o Legislativo,
infelizmente... Há um projeto de lei feito por uma comissão presidida pelo
ministro Rogerio Schietti e com participação do ministro Marcelo Navarro que
infelizmente está encostado no Congresso. Esse silêncio não pode mais ocorrer”,
disse.
Afirmou,
ainda, que “simplesmente taxar de maldita uma planta porque há preconceito com
ela, sem um cuidado maior e sem verificar os benefícios que seu uso pode
causar, é de uma irresponsabilidade total”.
Ao
acompanhar os relatores, o ministro Antonio Saldanha Palheiro afirmou que
existe no país uma ação deliberadamente retrógrada em relação ao caso do
canabidiol. “Isso nos ameaça o tempo todo, e somos chamados a nos pronunciar.
Aí está a respota”, pontuou. Também votaram com eles a ministra Laurita Vaz e o
desembargador convocado Olindo Menezes. Com informações da Revista Consultor Jurídico
Clique aqui para ler o voto do ministro Sebastião Reis Júnior
RHC 147.169
Clique aqui para ler o voto do ministro Rogerio Schietti
REsp 1.972.092
Para
ler mais acesse, www: professortacianomedrado.com / Siga o blog do
professorTM/EJ no Facebook, e no Instagram. Ajude a aumentar a
nossa comunidade.
AVISO: Os
comentários são de responsabilidade dos autores e não representam a opinião do
Blog do professor Taciano Medrado. Qualquer reclamação ou
reparação é de inteira responsabilidade do comentador. É vetada a postagem
de conteúdos que violem a lei e/ ou direitos de terceiros. Comentários postados
que não respeitem os critérios podem ser removidos sem prévia notificação
Postar um comentário