Rosa Weber, presidente do STF, foi a campeã de monocráticas nos últimos 5 anos
Da Redação
Ainda
faltam quase dois meses para o vice-presidente da República, Hamilton Mourão
(Republicanos-RS), assumir a sua cadeira no Senado Federal, eleito que foi pelo
Rio Grande do Sul na eleição do mês passado. Ele, porém, já anunciou que
apresentará propostas de mudanças no Poder Judiciário. Uma delas é o fim das
decisões monocráticas de ministros do Supremo Tribunal Federal, alteração que
só pode ser feita por meio de uma emenda à Constituição.
Mourão
não é o primeiro a apresentar essa ideia, e dificilmente será o último. Já há,
inclusive, uma PEC tramitando no Congresso sobre o tema. Segundo o
vice-presidente, "uma decisão que vai impactar toda a nação não pode ser
tomada por apenas um ministro" e o STF deve "priorizar as
decisões colegiadas".
Um
argumento que, sem dúvidas, desfruta de grande popularidade, especialmente nos
tempos atuais, em que o Supremo é mais questionado do que nunca. O problema é
que ele não se sustenta.
Conforme
levantamento feito pela revista eletrônica Consultor Jurídico, nos últimos
cinco anos a Suprema Corte proferiu 202 decisões monocráticas (excluindo
despachos). E apenas quatro delas não foram posteriormente chanceladas pelo
colegiado. Ou seja, só 2% das decisões tomadas por um ministro acabaram sendo
derrubadas pelos colegas.
A
ministra Rosa Weber, presidente do STF, foi a campeã de decisões monocráticas
no período: 48, todas confirmadas posteriormente. Em seguida, aparece o
ministro Ricardo Lewandowski, com 29, e também 100% de aproveitamento. As
únicas quatro monocráticas que não foram referendadas pelo colegiado foram de
autoria dos ministros Alexandre de Moraes e Luis Roberto Barroso (duas de
cada).
De
acordo com Denis Camargo Passerotti, advogado, professor universitário e
doutor pela Universidade de São Paulo, "a análise envolvendo as críticas
lançadas sobre as decisões monocráticas proferidas pelo STF não se limitam à
aplicação do princípio da colegialidade. Há de se questionar se a crítica que
recai sobre as decisões monocráticas proferidas por nossos tribunais, entre
eles o Supremo Tribunal Federal, refere-se ao instrumento em si ou ao seu
conteúdo".
Passarotti
ressalta que, embora impere o princípio da colegialidade em nossos tribunais,
as decisões monocráticas foram legitimamente instituídas no sistema processual.
As decisões monocráticas estão previstas no Código de Processo Civil, no seu
artigo 932:
"Artigo
932. Incumbe ao relator:
III - não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha
impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida;
IV - negar provimento a recurso que for contrário a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do
próprio tribunal;
b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de
Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de
assunção de competência;
V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao
recurso se a decisão recorrida for contrária a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do
próprio tribunal;
b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de
Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de
assunção de competência".
Em
outras palavras, o Código de Processo Civil estabelece as hipóteses nas quais o
relator pode decidir monocraticamente. No caso do Supremo, o regimento da corte
ainda prevê outra atribuição ao relator:
"Artigo
21. São atribuições do Relator:
IV – submeter ao Plenário ou à Turma, nos processos da competência respectiva,
medidas cautelares necessárias à proteção de direito suscetível de grave dano
de incerta reparação, ou ainda destinadas a garantir a eficácia da ulterior
decisão da causa;
V – determinar, em caso de urgência, as medidas do inciso anterior, ad
referendum do Plenário ou da Turma".
Passarotti
ressalta que tal sistemática "reduz o tempo de tramitação dos processos
nas cortes, atendendo aos princípios da celeridade e da economia
processual, como apontam as estatísticas da corte, na medida em que as
decisões monocráticas têm superado, em quantidade, as colegiadas".
Desse
modo, segundo Passaroti, "a redução da possibilidade de aplicação das
decisões monocráticas implicaria em um verdadeiro retrocesso, podendo
citar como exemplo o procedimento adotado para o julgamento dos recursos
repetitivos, em que uma decisão colegiada acaba por autorizar que casos
semelhantes sejam posteriormente resolvidos por decisão monocrática".
Plenário
Virtual
O constitucionalista Georges Abboud ressalta que a utilização do
Plenário Virtual tem colaborado para garantir a celeridade da apreciação das
decisões liminares. "Veja bem: as decisões liminares são fundamentais para
garantir a celeridade no andamento dos processos. É evidente que os
ministros devem seguir as hipóteses previstas em lei e, logo que
publicarem a decisão, já remetê-la ao Plenário Virtual."
Recentemente,
as liminares que trataram do piso da enfermagem; da resolução que aumentou o
poder do TSE nas eleições; e da suspensão de despejos e desocupações em razão
da Covid-19 foram confirmadas em julgamentos eletrônicos.
Implementado
em 2015, o Plenário Virtual é um ambiente no site do STF no qual os ministros
depositam seus votos. Ocorre que é necessário que o ministro relator remeta o
processo para apreciação do colegiado após conceder a liminar, o que nem sempre
ocorre.
Liminar que faz aniversário
Conforme destaca Abboud, quando uma liminar não é remetida ao colegiado, há um
problema. É o caso daquela que suspendeu o juiz de garantias, proferida pelo
ministro Luiz Fux em janeiro de 2020.
"Nesse
tipo de caso, um juiz concede uma decisão e a segura, então abre espaço para
críticas. Esse, sim, eu vejo que é um caso para críticas."
Por
causa dessa liminar concedida por Fux, a criação e a implementação do juiz de garantias encontram-se suspensa por tempo indeterminado. O tema expôs uma
divergência interna, uma vez que a decisão de Fux suspendeu outra, proferida
uma semana antes, pelo então presidente da corte, ministro Dias Toffoli. Nessa
primeira liminar, a implementação do juiz de garantias ficaria suspensa por
apenas seis meses.
Há
casos semelhantes a esse, como o da manutenção do auxílio-moradia para
membros do Judiciário, que ficou parado por quatro anos. No entanto, segundo
Abboud, trata-se de casos isolados. "A regra é remeter a decisão logo
para o Plenário Virtual, como ocorre. Esses casos são pontuais, mas devemos
sempre lembrá-los para evitar que ocorram novamente."
Com
informações de Karen Couto correspondente da revista Consultor Jurídico em
Brasília
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