Pena de Flordelis deve ser cumprida em regime inicialmente fechado - Mauricio Almeida/W9 Press/Estadão conteúdo - 7.11.2022
Após seis dias de julgamento, o Tribunal do Júri da Comarca de Niterói (RJ)
condenou a ex-deputada federal Flordelis dos Santos Souza a 50 anos e 28 dias
de reclusão, em regime fechado, por ser mandante do homicídio triplamente
qualificado -motivo torpe, emprego de meio cruel e de recurso que
impossibilitou a defesa da vítima- do pastor Anderson do Carmo.
Ela
também foi considerada culpada pela tentativa de homicídio com uso de veneno,
falsificação de documento e associação criminosa armada.
Sua
filha, Simone Rodrigues, foi condenada a 31 anos, 4 meses e 20 dias de
reclusão, em regime fechado, por homicídio triplamente qualificado, tentativa
de homicídio e associação criminosa armada.
Seus
filhos André Luiz Oliveira e Marzy Teixeira, além da neta Rayane dos Santos,
foram considerados inocentes de participação no homicídio triplamente
qualificado, tentativa de homicídio e associação criminosa armada.
O
pastor, marido de Flordelis, foi assassinado a tiros na garagem de casa, em
junho de 2019. Os disparos ocasionaram 33 ferimentos em seu corpo, entre
fraturas e entradas e saídas dos projéteis. Ele tinha 42 anos e morava com
Flordelis e mais 35 filhos.
Flordelis,
61, está presa desde agosto do ano passado e não quis estar presente na leitura
da sentença. Seu namorado, o produtor musical Allan dos Santos, chorou e foi
amparado após a condenação, assim como filhos presentes no plenário.
A
sentença foi proferida pela juíza Nearis Carvalho Arce, após quase 24 horas do
início do último dia de julgamento, no sábado (12), com início às 9h da manhã.
Por conta da hora avançada, a juíza fez a leitura somente das condenações.
Ao
longo do julgamento, foram ouvidas 23 testemunhas, sendo 13 de acusação.
Entre
as testemunhas de defesa, duas filhas e duas netas de Flordelis relataram que
presenciaram ou sofreram abusos sexuais de Carmo. Em seu depoimento, a pastora
afirmou que sofria constantes agressões físicas e sexuais do marido.
A
principal linha da defesa foi tentar convencer os jurados de que o crime fora
cometido por Flávio dos Santos Rodrigues, filho biológico da ex-deputada, como
forma de defesa contra supostos sexuais de Carmo contra os irmãos. Na tese,
Rodrigues teria tomado a decisão por conta própria, sem mandante.
Rodrigues
foi julgado em novembro de 2021 e condenado a 33 anos de prisão por ter
realizado os disparos.
Em
sua sustentação, a promotora Mariah Paixão disse que essa foi "mais uma
tese de conveniência, extremamente violadora da memória da vítima, na tentativa
de colocar Anderson do Carmo no banco dos réus, quando ele é a vítima".
Para
caracterizar a materialidade da tentativa de envenenamento, negada pelos réus,
a Promotoria mostrou diálogos entre os irmãos Marzy e Oliveira. Na conversa,
ocorrida cerca de dois meses antes do crime, Marzy pede para Oliveira comprar
chumbinho (veneno para matar ratos) e indica onde poderia adquiri-lo.
Oliveira
responde que "está chovendo, engarrafado" e pergunta se poderia ser
outro dia. Marzy retruca: "A mãe [Flordelis] está pedindo para comprar,
para hoje, para hoje. Esse é o único que funciona, os outros têm cor".
Quando Oliveira responde ter achado, Marzy escreve: "Aleluia".
A
Promotoria também mostrou uma série de buscas feitas por Simone na internet com
as palavras "cianeto comprar" e "cianeto nos alimentos". Já
sua filha, Rayane, não respondeu por esse crime.
A
investigação apontou que Carmo procurou o hospital por pelo menos seis vezes,
com fortes dores no estômago. Apesar de não terem sido feitos exames no corpo,
peritos afirmaram que os sintomas são compatíveis com quadros de envenenamento.
Flordelis
também teria escrito, de acordo com o programa de recuperação de mensagens
apresentado pela Promotoria a um dos filhos: "Vamos sofrer pra caramba,
mas vai passar. Só essa ajuda que preciso, que você faça ele comer ou beber alguma
coisa, um arroz fresquinho com um franguinho que não faz mal. Só isso".
Testemunhas
de acusação também disseram que souberam que veneno era colocado na comida de
Carmo.
Paula
do Vôlei e louvores
A
Promotoria também afirmou que Paula Barros, ex-jogadora de vôlei da seleção
brasileira e formada em psicologia, conhecida como Paula do Vôlei, poderia ter
auxiliado a manipular depoimentos de familiares de Flordelis.
Os
promotores mostraram depoimentos de filhas menores de idade ao Conselho
Tutelar. Neles, elas afirmaram terem sido treinadas por Paula para prestar
relatos à polícia e evitar incriminar Flordelis.
Procurada
pela reportagem a comentar o caso, Paula Barros respondeu que foi abordada por
assessor de Flordelis para ajudar no caso, após os familiares realizaram
depoimentos na delegacia. "Nunca preparei ninguém para depoimento
algum", afirmou.
"Vou
processar as pessoas que fizeram esses tipos de declarações com intuito de
difamar e descredenciar a minha conduta como pessoa e profissional", disse
também.
Paula
do Vôlei acompanhou quase todos os dias do julgamento. Na madrugada deste
domingo (13), às 3h, cantava louvores no corredor que dá acesso ao tribunal, ao
lado de filhos de Flordelis, durante as alegações finais.
Ainda
durante a fase de depoimentos, chamou à atenção os relatos de possíveis
incestos. A delegada Bárbara Lomba afirmou que "não havia o amor de pai e
mãe, eles conviviam e as pessoas tinham relações com elas de cunho
sexual", sobre o relacionamento de Flordelis e Carmo com os filhos
afetivos.
Já
a advogada de defesa de Flordelis, Janira Rocha, disse aos jurados que a mídia
e a Promotoria construíram uma imagem sobrenatural de sua cliente. "Falam
que ela fazia rituais satânicos, passam uma ideia de bruxa, de algo demoníaco
[mostra depoimento de um homem que relata ter visto Flordelis virar uma
serpente]. Isso aparta ela do mundo real, a coloca no sobrenatural e tira seus
direitos. E, no campo do sobrenatural, na luta do bem contra o mal, vale tudo,
inclusive não respeitar a constituição", afirmou a advogada.
Flordelis:
vida retratada no cinema
Antes
da morte do marido, Flordelis tinha uma carreira de sucesso na política. Ela
chegou à Câmara dos Deputados em 2018 como a mais votada do Rio. Eleita pelo
PSD-RJ, ela foi afastada do cargo em fevereiro de 2021, mais de um ano e meio
depois, portanto, do homicídio.
"Saímos
para namorar, curtimos bastante. Uma noite, assim, muito boa", a deputada
disse em coletiva, sobre a noite do assassinato, quando ainda não era suspeita
do crime.
Flordelis
e Carmo se conheceram na favela do Jacarezinho, no Rio, quando ela,
recém-divorciada, tinha 30 anos, ele, 14. Quando adolescente, Anderson chegou a
na morar Simone Rodrigues, filha biológica da futura esposa. Segundo Simone,
ela tinha 11 anos quando namorou com Carmo e a mãe não soube do relacionamento.
Flordelis
e Carmo passaram a liderar a igreja evangélica Ministério Cidade do Fogo, em
São Gonçalo (RJ). Também antes de migrar para o noticiário policial, Flordelis
foi convidada para programas de TV como os de Ana Maria Braga e Marília
Gabriela, exaltada como um exemplo de mãe, uma vez que, além de quatro filhos
biológicos, ela adotou mais 51 (nem todos pela via formal).
Um
filme sobre sua trajetória foi realizado, em 2009, com elenco de famosos, que
incluiu Bruna Marquezine, Cauã Reymond, Reynaldo Gianecchini e Deborah Secco.
Flordelis interpretou a si mesma, e os atores-celebridades fizeram papéis de
pessoas salvas por ela ao longo de sua trajetória como missionária evangélica.
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