Em
mais um capítulo da novela do Censo 2022, o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) adiou, novamente, a divulgação dos resultados finais da
pesquisa demográfica. O levantamento, iniciado em agosto, deveria ter sido
concluído em outubro, mas foi estendido para abril em razão dos muitos
obstáculos que surgiram ao longo do processo, que se somaram à tradicional
resistência de parte da população em receber os recenseadores e responder ao
questionário. Esse atraso gerou agora sua primeira consequência prática.
Em
vez do levantamento definitivo, o IBGE teve de apresentar uma prévia das
informações ao Tribunal de Contas da União (TCU), órgão responsável por
calcular quanto cada município tem direito a receber na divisão do Fundo de
Participação dos Municípios (FPM). Há diversos critérios para definir esse
coeficiente, mas um deles é justamente o número de habitantes. Assim, o Partido
Comunista do Brasil (PCdoB) apelou ao Supremo Tribunal Federal (STF) para
suspender o novo rateio, alegando que os dados incompletos causariam um
prejuízo de R$ 3 bilhões para 702 municípios nos quais a população teria
diminuído.
Como
definiu o ex-presidente do IBGE Roberto Olinto à Folha de S.Paulo, é uma
“tragédia absoluta”, mas o pior é que se trata de uma tragédia anunciada e,
portanto, evitável. A única decisão acertada do governo Jair Bolsonaro
envolvendo o Censo foi o adiamento da realização da pesquisa em razão da
pandemia de covid-19. Seria, de fato, inviável fazer o levantamento em 2020.
Parecia cautela, mas era puro boicote a algo que é a base para todas as demais
políticas públicas de Estado.
Entre
as várias incompetências crônicas do País, o Censo figurava como exceção. Foi
realizado pela primeira vez em 1872 e tornou-se uma tradição em 1940, quando o
IBGE o assumiu formalmente e passou a fazê-lo a cada 10 anos. O primeiro golpe
do governo Bolsonaro contra essa bem-sucedida política foi o corte de 90% de
sua verba no Orçamento, impossibilitando sua realização em 2021. Uniu-se,
então, o útil ao agradável: o Legislativo queria apenas defender suas emendas
parlamentares e o Executivo não tinha qualquer interesse em fazer uma pesquisa
ampla – desde o início, tudo que o governo queria era reduzir o questionário e
interferir no conteúdo das perguntas.
O
STF acabou por obrigar a União a reservar recursos para realizar o Censo, mas o
governo alocou menos dinheiro que o necessário para executá-lo, contribuindo de
forma definitiva para criar um clima de descrédito sobre a pesquisa. Os
recenseadores, que já teriam de enfrentar a hostilidade de parte da população,
saíram a campo em meio a uma disputa eleitoral polarizada e com uma remuneração
defasada. Quando os pagamentos começaram a atrasar, metade abandonou o trabalho
– razão pela qual o levantamento não pôde ser concluído. A extensão do prazo é
o que enseja dúvidas sobre a validade dos dados. Diante das críticas, o IBGE e
os ex-presidentes da instituição saíram em defesa da credibilidade e da
qualidade das informações coletadas.
O
questionamento sobre o Censo é mais uma das heranças que Bolsonaro legou ao
País, e o governo de Lula da Silva precisa enfrentar o tema com a prioridade
que ele merece. Para isso, o primeiro passo é escolher alguém que esteja à
altura dos desafios que a presidência do IBGE apresenta neste momento. A
prioridade deve ser concluir a coleta de dados e, em paralelo, adotar
procedimentos de controle que garantam a fidedignidade das informações
levantadas – somente isso evitará novos questionamentos judiciais por parte dos
municípios.
Encerrada
essa fase, é preciso mapear todos os erros cometidos nos últimos três anos para
impedir que eles não se repitam no futuro. É fundamental proteger o IBGE,
assegurando ao órgão os recursos e o corpo técnico para a execução do Censo,
bem como de todas as outras pesquisas pelas quais é responsável. Resgatar a
credibilidade do trabalho da instituição é essencial não apenas para a
formulação das políticas públicas, mas para o fortalecimento da própria
democracia.
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