Foto reprodução
Por:
Rogério Tadeu Romano
Segundo
o que foi disto pelo site de notícias do Jornal do Brasil, em 22.4.2023, guarda
Civil Metropolitana não tem poder ostensivo ou de investigação, e sua atuação
se restringe à proteção do patrimônio da cidade em que atua. Sob esse
entendimento, o ministro Rogerio Schietti Cruz, do Superior Tribunal de
Justiça, anulou provas obtidas ilegalmente e emitiu alvará de soltura em
benefício de um homem preso por tráfico de drogas em São Paulo.
O
magistrado afirma que a mera "fundada suspeita" não pode justificar
atuação ostensiva por parte de Guardas Civis, já que esta não é sua atribuição.
Ele cita entendimento recente do próprio STJ que detalhou as regras para
atuação da GCM, que tem de ter relação clara, direta e imediata com a tutela
dos bens municipais.
Prosseguiu
o site aqui reportado:
“Outra
delimitação da atuação do órgão é a de que a prisão, como no caso relatado,
deve ter como base "estado flagrancial visível", o que não aconteceu
na ação da Guarda Municipal, conforme exposto nos autos.
"Os guardas municipais apenas visualizaram duas pessoas na posse de duas sacolas, as quais supostamente empreenderam fuga ao avistar a viatura, sem a prática de nenhum ato concreto que evidenciava, de antemão e com certeza, a prática do tráfico de drogas. Só depois da revista pessoal e dos questionamentos direcionados a ele e ao adolescente, seguidos da localização das sacolas indicadas por este, que se configurou a situação flagrancial que ensejou a prisão", argumentou o magistrado.”
....
"Não
é das guardas municipais, mas sim das polícias, como regra, a competência para
patrulhar supostos pontos de tráfico de drogas, realizar abordagens e revistas
em indivíduos suspeitos da prática de tal crime ou ainda investigar denúncias
anônimas relacionadas ao tráfico e outros delitos cuja prática não atinja de
maneira clara, direta e imediata os bens, serviços e instalações
municipais", escreveu o mesmo ministro em decisão da 6ª Turma do STJ no
ano passado, em que balizou as regras para a atuação da GCM."
A
matéria foi discutida no HC 804044 –
SP.
A
respeito da atuação das guardas municipais, em recente julgamento, a Sexta
Turma do Superior Tribunal de Justiça traçou algumas diretrizes sobre o tema,
especialmente no que concerne à realização de busca pessoal por tais agentes.
Confiram-se: RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. ATUAÇÃO DAS GUARDAS
MUNICIPAIS. BUSCA PESSOAL. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO CLARA, DIRETA E IMEDIATA COM A
TUTELA DOS BENS, SERVIÇOS E INSTALAÇÕES MUNICIPAIS. IMPOSSIBILIDADE. PROVA
ILÍCITA. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 157 E 244 DO CPP. RECURSO
PROVIDO. 1. A Constituição
Federal de 1988 não atribui à guarda municipal atividades ostensivas
típicas de polícia militar ou investigativas de polícia civil, como se fossem
verdadeiras “polícias municipais”, mas tão somente de proteção do patrimônio
municipal, nele incluídos os seus bens, serviços e instalações. A exclusão das
guardas municipais do rol de órgãos encarregados de promover a segurança
pública (incisos do art. 144 da Constituição)
decorreu de opção expressa do legislador constituinte – apesar das investidas
em contrário – por não incluir no texto
constitucional nenhuma forma de polícia municipal. 2. Tanto a Polícia
Militar quanto a Polícia Civil – em contrapartida à possibilidade de exercerem
a força pública e o monopólio estatal da violência – estão sujeitas a rígido controle
correcional externo do Ministério Público (art. 129, VII, CF) e do
Poder Judiciário (respectivamente da Justiça Militar e da Justiça Estadual). Já
as guardas municipais – apesar da sua relevância – não estão sujeitas a nenhum
controle correcional externo do Ministério Público nem do Poder Judiciário. É
de ser ver com espanto, em um Estado Democrático de Direito, uma força pública
imune a tais formas de fiscalização, a corroborar, mais uma vez, a decisão
conscientemente tomada pelo Poder Constituinte originário quando restringiu as
balizas de atuação das guardas municipais à vigilância do patrimônio municipal.
3. Não é preciso ser dotado de grande criatividade para imaginar – em um país com
suas conhecidas mazelas estruturais e culturais – o potencial caótico de se
autorizar que cada um dos 5.570 municípios brasileiros tenha sua própria
polícia, subordinada apenas ao comando do prefeito local e insubmissa a
qualquer controle externo. Ora, se mesmo no modelo de policiamento sujeito a
controle externo do Ministério Público e concentrado em apenas 26 estados e um
Distrito Federal já se encontram dificuldades de contenção e responsabilização
por eventuais abusos na atividade policial, é fácil identificar o exponencial
aumento de riscos e obstáculos à fiscalização caso se permita a organização de
polícias locais nos 5.570 municípios brasileiros. 4. A exemplificar o patente
desvirtuamento das guardas municipais na atualidade, cabe registrar que muitas
delas estão alterando suas denominações para “Polícia Municipal”. Ademais,
inúmeros municípios pelo país afora – alguns até mesmo de porte bastante
diminuto – estão equipando as suas guardas com fuzis, equipamentos de uso
bélico, de alto poder letal e de uso exclusivo das Forças Armadas. 5. A
adequada interpretação do art. 244 do CPP é a de que
a fundada suspeita de posse de corpo de delito é um requisito necessário, mas
não suficiente, por si só, para autorizar a realização de busca pessoal, porque
não é a qualquer cidadão que é dada a possibilidade de avaliar a presença dele;
isto é, não é a todo indivíduo que cabe definir se, naquela oportunidade, a
suspeita era fundada ou não e, por consequência, proceder a uma abordagem
seguida de revista. Em outras palavras, mesmo se houver elementos concretos
indicativos de fundada suspeita da posse de corpo de delito, a busca pessoal só
será válida se realizada pelos agentes públicos com atribuição para tanto, a
quem compete avaliar a presença de tais indícios e proceder à abordagem do
suspeito. 6. Ao dispor no art. 301 do CPP que “qualquer
do povo poderá [...] prender quem quer que seja encontrado em flagrante
delito”, o legislador, tendo em conta o princípio da autodefesa da sociedade e
a impossibilidade de que o Estado seja onipresente, contemplou apenas os
flagrantes visíveis de plano, como, por exemplo, a situação de alguém que, no
transporte público, flagra um indivíduo subtraindo sorrateiramente a carteira
do bolso da calça de outrem e o detém. Diferente, porém, é a hipótese em que a
situação de flagrante só é evidenciada após realizar atividades invasivas de
polícia ostensiva ou investigativa como a busca pessoal ou domiciliar, uma vez
que não é qualquer do povo que pode investigar, interrogar, abordar ou revistar
seus semelhantes. 7. Da mesma forma que os guardas municipais não são
equiparáveis a policiais, também não são cidadãos comuns. Trata-se de agentes
públicos com atribuição sui generis de segurança, pois, embora não elencados no
rol de incisos do art. 144, caput, da Constituição,
estão inseridos § 8º de tal dispositivo; dentro, portanto, do Título V,
Capítulo III, da Constituição,
que trata da segurança pública em sentido lato. Assim, se por um lado não podem
realizar tudo o que é autorizado às polícias, por outro lado também não estão
plenamente reduzidos à mera condição de “qualquer do povo”; são servidores
públicos dotados do importante poder-dever de proteger o patrimônio municipal,
nele incluídos os seus bens, serviços e instalações. 8. É possível e
recomendável, dessa forma, que exerçam a vigilância, por exemplo, de creches,
escolas e postos de saúde municipais, de modo a garantir que não tenham sua
estrutura física danificada ou subtraída por vândalos ou furtadores e, assim, permitir
a continuidade da prestação do serviço público municipal correlato a tais
instalações. Nessa esteira, podem realizar patrulhamento preventivo na cidade,
mas sempre vinculados à finalidade específica de tutelar os bens, serviços e
instalações municipais, e não de reprimir a criminalidade urbana ordinária,
função esta cabível apenas às polícias, tal como ocorre, na maioria das vezes,
com o tráfico de drogas. 9. Não é das guardas municipais, mas sim das polícias,
como regra, a competência para patrulhar supostos pontos de tráfico de drogas,
realizar abordagens e revistas em indivíduos suspeitos da prática de tal crime
ou ainda investigar denúncias anônimas relacionadas ao tráfico e outros delitos
cuja prática não atinja de maneira clara, direta e imediata os bens, serviços e
instalações municipais. Poderão, todavia, realizar busca pessoal em situações
absolutamente excepcionais – e por isso interpretadas restritivamente – nas
quais se demonstre concretamente haver clara, direta e imediata relação de pertinência
com a finalidade da corporação, isto é, quando se tratar de instrumento
imprescindível para a tutela dos bens, serviços e instalações municipais. Vale
dizer, só é possível que as guardas municipais realizem excepcionalmente busca
pessoal se houver, além de justa causa para a medida (fundada suspeita de posse
de corpo de delito), relação clara, direta e imediata com a necessidade de
proteger a integridade dos bens e instalações ou assegurar a adequada execução
dos serviços municipais, o que não se confunde com permissão para realizarem
atividades ostensivas ou investigativas típicas das polícias militar e civil
para combate da criminalidade urbana ordinária. 10. Na hipótese dos autos, os
guardas municipais estavam em patrulhamento quando depararam com o recorrente
sentado na calçada, o qual, ao avistar a viatura, levantou-se e colocou uma
sacola plástica na cintura. Por desconfiar de tal conduta, decidiram abordá-lo
e, depois de revista pessoal, encontraram no referido recipiente certa
quantidade de drogas que ensejou a prisão em flagrante delito. 11. Ainda que
eventualmente se considerasse provável que a sacola ocultada pelo réu
contivesse objetos ilícitos, não estavam os guardas municipais autorizados,
naquela situação, a avaliar a presença da fundada suspeita e efetuar a busca
pessoal no acusado. Caberia aos agentes municipais, apenas, naquele contexto
totalmente alheio às suas atribuições, acionar os órgãos policiais para que
realizassem a abordagem e revista do suspeito, o que, por não haver sido feito,
macula a validade da diligência por violação do art. 244 do CPP e, por
conseguinte, das provas colhidas em decorrência dela, nos termos do art. 157 do CPP, também
contrariado na hipótese. 12 . Recurso especial provido. ( REsp n. 1.977.119/SP,
Rel. Ministro Rogerio Schietti, 6ª T., DJe 23/8/2022).
O
ministro apontou que o poder constituinte originário excluiu propositalmente a
guarda municipal do rol dos órgãos da segurança pública ( artigo 144, caput) e estabeleceu suas atribuições e
seus limites no parágrafo 8º do mesmo dispositivo.
O
ministro Schietti observou que, apesar de estar inserida no mesmo capítulo
da Constituição,
a corporação tem poderes apenas para proteger bens, serviços e instalações do
município, não possuindo a mesma amplitude de atuação das polícias.
Conforme
o ministro, as polícias civis e militares estão sujeitas a um rígido controle
correcional externo do Ministério Público e do Poder Judiciário, que é uma
contrapartida do exercício da força pública e do monopólio estatal da
violência. Por outro lado, as guardas municipais respondem apenas,
administrativamente, aos prefeitos e às suas corregedorias internas.
Para
ele, seria potencialmente caótico" autorizar que cada um dos 5.570
municípios brasileiros tenha sua própria polícia, subordinada apenas ao comando
do prefeito local e insubmissa a qualquer controle externo ".
O
ministro explicou que a guarda municipal não está impedida de agir quando tem
como objetivo tutelar o patrimônio do município, realizando, excepcionalmente,
busca pessoal quando estiver relacionada a essa finalidade. Essa exceção,
entretanto, não se confunde com permissão para realizar atividades ostensivas
ou investigativas típicas das polícias no combate à criminalidade.
Em
seu voto, Schietti assinalou que a fundada suspeita mencionada pelo artigo 244 do Código de Processo Penal (CPP) é
um requisito necessário para a realização de busca pessoal, mas não suficiente,
porque não é a qualquer cidadão que é dada a possibilidade de avaliar sua
presença.
Para
o caso em discussão havia mera desconfiança de que o acusado estivesse na posse
de algo ilícito; só depois da revista pessoal e dos questionamentos
direcionados a ele e ao adolescente, seguidos da localização das sacolas
indicadas por este, que se configurou a situação flagrancial que ensejou a
prisão.
O
STJ, naquele HC 804.044 –
SP, entendeu “não haver sido demonstrada concretamente a existência de relação
clara, direta e imediata com a proteção do patrimônio municipal, não estavam os
guardas municipais autorizados, naquela situação, a avaliar a presença da
fundada suspeita, efetuar a busca pessoal no acusado e, além disso, interrogar
o paciente e o menor que o acompanhava, com a prática de outras diligências
para localizar as sacolas que inicialmente avitaram em poder deles, em
verdadeira atividade investigativa.”
Passo
ainda ao julgamento no RE 1.281.774.
Ali
se disse que a Guarda municipal pode e deve agir em caso de suspeito que
se encontre em flagrante delito. Todavia, ultrapassando os limites próprios de
uma prisão em flagrante, os guardas não podem efetuar diligências típicas de
uma investigação criminal.
Com
esse entendimento, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu afastar a
condenação a pena de 6 anos, 9 meses e 20 dias de reclusão pela prática de
tráfico de drogas imposta a um homem preso pela atuação de guardas municipais.
Na
hipótese, guardas municipais da cidade de São Paulo receberam informação
anônima indicando a prática de tráfico de drogas e, ao chegar ao local,
abordaram e revistaram uma pessoa. Nada foi encontrado.
Na
sequência, rumaram para um terreno próximo, onde avistaram o suspeito. Eles
entraram no local e revistaram os arredores e a casa. Encontraram 128 porções
de maconha, 13 pinos vazios, R$ 10 reais, rolo de plástico filme e documentos.
As provas levara à prisão do homem e sua posterior condenação.
Ora,
guarda municipal não é polícia investigativa.
O
ministro Dias Toffoli concordou, ao destacar que as Guardas Municipais, embora
exerçam funções de proteção ao patrimônio local e de prevenção, não constam no
rol do artigo 144 da Constituição Federal,
que lista os órgãos responsáveis pela segurança pública.
"No
caso, é notório que os guardas municipais agiram como polícia investigativa.
Afinal, ao atender à denúncia anônima, localizaram o indivíduo, mas, ao não
encontrarem drogas em posse do réu, decidiram investigar na residência do
recorrido, a fim de dar continuidade à busca por substâncias ilícitas, o que
extrapola, sobremaneira, as atribuições legais e constitucionais conferidas
pelo ordenamento jurídico aos guardas municipais", disse.
Fonte: JusBrasil
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