Comunidade
ucraniana entregará carta aberta à embaixada brasileira em Lisboa na
sexta-feira, quando Lula chega ao país europeu para visita oficial. Texto
afirma que "neutralidade" não pode ser confundida com
"conivência"
A
comunidade ucraniana em Portugal criticou em uma carta aberta as recentes declarações do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva sobre a invasão russa da Ucrânia, e disse estar "muito preocupada e
apreensiva" com a posição do Brasil sobre o conflito.
A
carta foi obtida pela agência de notícias Lusa nesta quinta-feira (20/04) e
será entregue na sexta-feira à embaixada do Brasil em Lisboa, quando Lula chega
a Portugal para uma visita oficial de quatro dias.
O
documento foi redigido em nome da comunidade ucraniana que vive em Portugal e
nos demais países da União Europeia (UE), e pelos mais de oito milhões de
ucranianos refugiados em todo o mundo devido à guerra.
A
carta cita que o presidente brasileiro têm dito que a culpa pela guerra seria
compartilhada entre a Rússia e a Ucrânia e que a solução para o fim do conflito
passaria pela Ucrânia desistir de parte de seu território – e lembra a recepção em Brasília ao ministro das Relações
Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, na segunda-feira.
Dirigindo-se
a Lula, o documento afirma: "Senhor presidente, se há momentos na história
em que a neutralidade não se pode confundir com a conivência
nem o temor este é, definitivamente, um deles".
O
signatários também reforçam o convite feito pelo presidente ucraniano, Volodimir Zelenski,
para que o brasileiro vá à Ucrânia "para ver in loco e com os
seus próprios olhos, o significado de 'paz russa'".
O que Lula disse
No
início de abril, Lula sugeriu à Ucrânia que cedesse a Crimeia a Moscou a fim de
negociar o fim da guerra. "[O presidente russo, Vladimir] Putin não pode
ficar com o território da Ucrânia. A Crimeia pode ser discutida. Mas o que ele
invadiu de novo, ele tem que repensar", disse o presidente em encontro com
jornalistas no Palácio do Planalto.
A
declaração gerou reação de Kiev, que "deixou claro que a Ucrânia não
faz comércio com os seus territórios". A esmagadora maioria da comunidade
internacional continua a considerar a Crimeia território da Ucrânia, nove anos
depois de, com sua anexação, o presidente russo, Vladimir Putin, começar a
retalhar o território ucraniano.
No
último fim de semana, em visita aos Emirados Árabes Unidos, Lula disse que a
Ucrânia seria corresponsável pelo início do conflito. "A construção da
guerra foi mais fácil do que será a saída da guerra, porque a decisão da guerra
foi tomada por dois países."
O
brasileiro também acusou os EUA e a Europa de prolongarem o conflito no Leste Europeu. A declaração
gerou reação internacional, e a Comissão Europeia e a Casa Branca rebateram na segunda-feira as críticas feitas pelo
brasileiro.
Na
terça-feira, Lula amenizou o tom e disse que seu governo condena a violação do
território ucraniano, ao mesmo tempo que defende "uma solução política
negociada para o conflito". O brasileiro defendeu a criação
"urgente" de um grupo de países capazes de mediar o fim da guerra,
"que tente sentar-se à mesa tanto com a Ucrânia como com a Rússia para
encontrar a paz".
O
que diz a carta
Assinada
pelo presidentes do Congresso Europeu dos Ucranianos, Bogdan Raicinec, e da
Associação dos Ucranianos em Portugal, Pavlo Sadokha, o documento afirma que
"ninguém quer ver o bom nome do Brasil, enquanto nação democrática e
livre, manchado como aliado do regime criminoso do Kremlin, pelo que as
recentes declarações nos deixaram muito preocupados e apreensivos".
"Consideramos
que qualquer tipo de apoio que o Brasil possa entender conferir à Federação
Russa será desprestigiante, levará a uma desconfiança da comunidade
internacional."
O
documento diz que "qualquer acordo de paz justa proposto pela Federação
Russa acabará em campos de concentração para o extermínio da nação ucraniana
com a solução silenciosa 'Z'", uma referência à letra pintada nos veículos
militares russos usados na invasão da Ucrânia.
"Já
vivemos a situação no século passado com a ação de extermínio perpetrada pelos
nazis e que culminou com a organização comunista do Holodomor,
numa tentativa de erradicar qualquer sobrevivente ucraniano. Resistimos e
sobrevivemos", sublinham.
A
carta afirma que os ucranianos vão "continuar a lutar", sobretudo
pelas "crianças que [o presidente russo, Vladimir] Putin deporta para a Rússia ao mesmo tempo que executa os
seus pais". "Permita-nos recordar que a deportação ilegal das nossas
crianças foi, aliás, a base de acusação para a emissão de um mandato de captura contra Vladimir Putin emitido pelo
Tribunal Penal Internacional", acrescenta.
A
carta diz ainda que a guerra da Ucrânia já dividiu o mundo em dois polos,
"um que defende a liberdade, a ordem e o progresso, e outro que põe os
seus interesses imperialistas e oligárquicos acima do bem supremo da vida
humana, da ordem e paz internacionais".
E,
dirigindo-se a Lula, afirma: "Senhor presidente, se há momentos na
história em que a neutralidade não se pode confundir com a conivência nem o
temor este é, definitivamente, um deles"
"Os
ucranianos nunca esquecerão os bravos militares brasileiros que ajudaram a
libertar a Europa do jugo totalitário e, por isso, acreditamos que é chegada a
hora de Vossa Excelência comandar o Brasil na direção do lado certo da história
e alinhada com o mundo livre", conclui o documento.
Fonte: DW
bl
(Lusa, ots)
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