Dizem que, certa vez, depois de conquistar a Pérsia, há quase 2,3 mil anos, Alexandre Magno chegou às margens do Rio Indo e encontrou um gimnosofista – um sábio nu – sentado sobre uma rocha, olhando para o céu.
"O
que você está fazendo?", perguntou Alexandre.
"Experimentando
o nada", respondeu o gimnosofista.
"E
você, o que está fazendo?”
"Conquistando
o mundo", respondeu Alexandre.
Os
dois riram, cada um achando que o outro era um tolo que estava desperdiçando sua
vida.
O
renomado mitólogo indiano Devdutt Pattanaik relembra esta história para
ilustrar as diferenças entre a cultura indiana e a ocidental — e também para
mostrar como a Índia estava filosoficamente aberta para o conceito do nada,
muito antes de ser escrito o primeiro número zero.
Fogo
As
três grandes religiões da Índia antiga — o budismo, o hinduísmo e o jainismo —
mantinham um extraordinário enfoque sobre os números.
A
matemática indiana remonta ao período védico (perto do ano 800 a.C.), quando a
prática religiosa exigia cálculos bastante sofisticados.
Naquela
época, os rituais eram parte importante da vida das pessoas. E a construção de
altares de fogo era regida por especificações precisas, detalhadas nos Śulbasūtras,
os textos científicos mais antigos da Índia.
Escritos
entre 800 a.C. e 200 a.C., os Śulbasūtras contêm, entre outras
coisas:
-
Conversões de figuras geométricas, como do quadrado para o círculo ou do
retângulo para o quadrado, mantendo as mesmas áreas. Para isso, foi preciso
calcular o valor do número pi (π);
-
O cálculo da raiz quadrada de 2 (√2), o número irracional que viria a ameaçar a
filosofia pitagórica;
-
E, falando em Pitágoras, os escritos indianos já incluíam o teorema que leva
seu nome, 200 anos antes do nascimento do filósofo e matemático grego.
Gigantes
Além
de estarem adiantados na geometria, os indianos desenvolveram uma obsessão
única no mundo antigo por números gigantescos.
Na
Grécia, o número mais alto era a miríade, que representava 10 mil. Mas a Índia
chegou aos trilhões, quatrilhões e mais além. E vestígios dessa antiga paixão
pelo inviavelmente grande permanecem vivos até hoje.
"Números
muito grandes fazem parte das conversas", diz o matemático indiano
Shrikirshna G. Dani.
"Por
exemplo, se falo em 'padartha' sem explicar, quase todo mundo entende.”
Padartha?
"É
10¹⁷ — 1 seguido por 17 zeros [100.000.000.000.000.000, ou 100 quatrilhões] — e
significa literalmente 'a meio caminho do céu'", esclarece o professor.
"E,
na tradição budista, os números iam muito mais além: 10⁵³ é um deles."
Mas
qual o motivo desses números? Eles eram usados para alguma coisa?
"Não
existe nenhuma razão prática óbvia", afirma Dani.
"Acredito
que exista um certo tipo de satisfação que as pessoas obtêm quando pensam neste
tipo de número."
E que razão melhor do que a satisfação!
Os
jainistas também não ficavam para trás. Raju, por exemplo, é a distância
percorrida por um deus em seis meses, depois de percorrer 100 mil yojanas a
cada abrir e fechar de olhos.
Provavelmente
essa explicação não te diz nada, mas fazendo um cálculo aproximado, se um deus
piscar os olhos 10 vezes por segundo, ele percorre cerca de 15 anos-luz.
Nenhum
texto religioso ocidental menciona nenhum valor próximo a esse.
E,
como se não bastasse, os indianos contemplaram e classificaram diversas
variedades de infinito, o que foi fundamental para desenvolver o pensamento
matemático abstrato dois milênios depois.
Do
nada para o zero
É
claro que, para imaginar tamanha quantidade de zeros, era preciso inventá-lo
primeiro.
A
noção de vazio já era presente em diversas culturas. Os maias e os babilônios,
por exemplo, usavam marcadores de ausência de quantidade. Mas os indianos foram
os que transformaram essa ausência em 0, chamando-a de shunya (“vazio”,
em sânscrito).
Dar
um símbolo para o nada, dizendo, em outras palavras, que nada era alguma coisa,
talvez tenha sido o maior salto conceitual da história da matemática.
Mas
quando esse salto aconteceu?
Até
poucos anos atrás, o zero mais antigo já encontrado era o que aparece em uma
parede do templo do forte de Gwalior, no centro da Índia. Ele data de 875 a.C.
Mas, naquela época, o zero já era de uso comum na região.
Desde
2017, a menção mais antiga do zero já registrada é um antigo pergaminho indiano
conhecido como manuscrito Bhakshali. Ele foi datado por carbono como sendo dos
séculos 3 ou 4 — mas alguns especialistas não aceitam esta datação.
De
qualquer forma, até onde sabemos, os astrônomos e matemáticos indianos
Aryabhata, nascido em 476, e Brahmagupta, nascido em 598, foram os primeiros a
descrever formalmente as casas decimais modernas e as regras atuais que regem o
uso do número zero, demonstrando sua incrível utilidade.
Superior
a todos os demais pela forma como facilitava os cálculos, o sistema numérico
indiano se espalhou, primeiro pelo Oriente Médio, para depois chegar à Europa e
ao resto do mundo, até se tornar o sistema dominante.
Mas por que o zero se originou na Índia? Foi só para escrever grandes números, ou havia outras forças espirituais em jogo?
E
existe ainda outra ideia relacionada ao zero e ao vazio que teve um impacto
profundo no mundo moderno.
Os
computadores funcionam segundo o princípio de dois estados possíveis: ligado e
desligado. Ao ligado, atribui-se o valor 1; e, ao desligado, 0.
"Talvez
não surpreenda que o sistema de números binários também tenha sido inventado na
Índia, nos séculos 2 ou 3 antes de Cristo, por um musicólogo chamado Pingala,
apesar de seu uso ser para a métrica", afirmou o historiador de ciência e
astronomia Subhash Kak à jornalista Mariellen Ward, da BBC Travel.
E
pensar que tudo nasceu na Índia... do nada!
Fonte: BBC News
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