Alexandre de Moraes - O censor - foto reprodução
Com urgência, o País precisa de uma lei que reconfigure os limites e as responsabilidades das plataformas digitais. A experiência dos últimos anos mostrou que o marco legal vigente é insuficiente para prover um ambiente virtual que respeite as liberdades e os direitos de todos os cidadãos. O cenário atual é de desequilíbrio: as plataformas desfrutam de muitos direitos, mas têm pouquíssimos deveres. Além do mais, o fenômeno não é uma exclusividade nacional. Há, no mundo inteiro, a percepção da necessidade de aperfeiçoar a regulação das redes. E, ainda que venha causando muito barulho, o tema não deveria a rigor estranhar ninguém: novos setores da economia e novas realidades sociais sempre demandam ajustes e reformas na legislação.
Na
tarefa de prover um marco jurídico adequado para o mundo digital, existe um
ponto politicamente importante. Não basta que a proposta de lei seja
equilibrada e tecnicamente bem redigida. A tramitação no Legislativo deve
proporcionar à população a segurança de que a nova regulação não reduzirá a
liberdade de expressão. De forma concreta, não deve pairar dúvida de que a nova
lei não criará nenhum censor da verdade, por parte do governo ou de quem quer
que seja. Nesse sentido, o texto do Projeto de Lei (PL) 2.630/2020 é muito
prudente, assegurando à sociedade o direito de debater livremente as ideias.
O
debate público sobre o PL 2.630/2020 vem sendo, no entanto, enormemente
dificultado pela atuação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal
Federal (STF). Repetindo o que fez no início do mês, quando determinou a
exclusão de publicações contrárias ao PL 2.630/2020, Alexandre de Moraes
expediu, na quarta-feira passada, ordem para que o Telegram retirasse as
mensagens críticas ao projeto que foram enviadas aos usuários do aplicativo. O
manifesto do Telegram é profundamente equivocado (ver editorial Noção infame de democracia, de 11/5/2023), mas isso não
autoriza que um juiz ordene sua exclusão. Não é assim que funciona no Estado
Democrático de Direito.
Não
é de hoje que Alexandre de Moraes manifesta uma compreensão expandida de suas
competências e poderes. Em abril de 2019, no mesmo Inquérito 4.781/DF em que
agora proferiu decisão arbitrando o debate público sobre projeto de lei, ele
expediu ordem de censura contra a revista Crusoé. Na ocasião, lembrou-se
neste espaço que, no regime democrático, a informação é livre. “Não cabe à
Justiça determinar o que é e o que não é verdadeiro, ordenando retirar –
ordenando censurar, repita-se – o que considera que não corresponde aos fatos”
(ver editorial O
STF decreta censura, de 17/4/2019).
No
episódio de 2019, Alexandre de Moraes reconheceu rapidamente seu erro e
levantou a ordem de censura. Foi uma decisão corajosa, que fortaleceu a
autoridade do STF, ao mostrar que a Corte não tinha compromisso com o erro.
Infelizmente, no entanto, parece que o ministro voltou a sucumbir à pretensão
de definir o que pode e o que não pode ser dito.
“A
mensagem enviada pelo Telegram tipifica flagrante e ilícita desinformação
atentatória ao Congresso Nacional, ao Poder Judiciário, ao Estado de Direito e
à democracia brasileira, pois, fraudulentamente, distorceu a discussão e os
debates sobre a regulação dos provedores de redes sociais e de serviços de
mensageria privada”, disse o ministro na quarta-feira, como justificativa para
determinar a exclusão do manifesto do Telegram. Ora, suas atribuições
jurisdicionais não o autorizam a definir o que é ou não é desinformação,
tampouco a dizer se determinado argumento distorce a discussão pública – o que
está na esfera de debate da sociedade, e não na alçada de um juiz ou de
qualquer outro funcionário público. O Estado tem de respeitar o espaço livre de
discussão da sociedade.
O mais estranho é que a decisão de Alexandre de Moraes afronta até mesmo o PL 2.630/2020. Estivesse já vigente, o novo marco só corroboraria a ilegalidade da ordem do ministro. O colegiado do STF tem de reagir prontamente. Censura no debate público é intolerável.
Texto editorial do Estadão
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