Por: Lilian Matsuura editora da revista Consultor Jurídico.
*Reportagem publicada no Anuário da Justiça Brasil 2023, lançado na quarta-feira, dia 10 de maio, no Supremo Tribunal Federal. A publicação está disponível gratuitamente na versão online (clique aqui para acessar o site) e à venda na Livraria ConJur, em sua versão impressa (clique aqui para comprar)
O
Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de 67% das leis,
normas administrativas e decisões judiciais analisadas no mérito em 2022, no
todo ou em parte. Desde que o Anuário da Justiça iniciou o
levantamento, em 2007, o maior índice foi registrado em 2011: 83% das ações
foram julgadas procedentes. Naquele ano, o número de ações de controle
concentrado de constitucionalidade era quase seis vezes menor: 65 casos foram
decididos no mérito; em 2022, foram 382. Só a ministra Rosa Weber, presidente
do STF, foi relatora de 65 dessas ações em 2022 – 77% delas procedentes.
Para
o ministro Dias Toffoli, é simples a explicação para o alto índice de
inconstitucionalidade das leis. A qualidade das normas não está entre os
motivos, afirma. Em primeiro lugar, o fato de a Constituição ser detalhista,
tratar dos mais diversos temas, “e não é à toa que ela faz isso”. Em segundo, o
populismo das assembleias legislativas. E dá como exemplo isenções garantidas
por leis estaduais, competência que, no geral, seria da União.
O
Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de 67% das leis,
normas administrativas e decisões judiciais analisadas no mérito em 2022, no
todo ou em parte. Desde que o Anuário da Justiça iniciou o
levantamento, em 2007, o maior índice foi registrado em 2011: 83% das ações
foram julgadas procedentes. Naquele ano, o número de ações de controle
concentrado de constitucionalidade era quase seis vezes menor: 65 casos foram
decididos no mérito; em 2022, foram 382. Só a ministra Rosa Weber, presidente
do STF, foi relatora de 65 dessas ações em 2022 – 77% delas procedentes.
Para
o ministro Dias Toffoli, é simples a explicação para o alto índice de
inconstitucionalidade das leis. A qualidade das normas não está entre os
motivos, afirma. Em primeiro lugar, o fato de a Constituição ser detalhista,
tratar dos mais diversos temas, “e não é à toa que ela faz isso”. Em segundo, o
populismo das assembleias legislativas. E dá como exemplo isenções garantidas
por leis estaduais, competência que, no geral, seria da União.
Também
chama a atenção no ranking de inconstitucionalidade de 2022 o número
de ações contra decisões judiciais e normas administrativas editadas por
diferentes órgãos do Poder Judiciário. Se fosse um ente da Federação, estaria
em segundo lugar (ao lado do Rio de Janeiro) entre aqueles que mais
responderam a ações. Ao todo foram 19 ADIs (ação direta de
inconstitucionalidade) e ADPFs (arguição de descumprimento de preceito fundamental);
13 delas procedentes. Em maio, o Plenário do STF declarou a
inconstitucionalidade da Súmula 277 do Tribunal Superior do Trabalho, segundo a
qual são válidos os direitos estabelecidos em cláusulas coletivas com prazo já
expirado (princípio da ultratividade) até que seja firmado novo acordo ou nova
convenção coletiva.
Na decisão, o STF também considerou inconstitucionais interpretações e decisões judiciais que entendam que o artigo 114, parágrafo 2º, da Constituição, na redação dada pela Emenda Constitucional 45/2004, autoriza a aplicação do princípio da ultratividade de normas de acordos e convenções coletivas.
Em outra ADPF, contra 11 varas cíveis e trabalhistas de diferentes estados, o Supremo entendeu serem inconstitucionais sentenças judiciais que determinam a penhora ou o bloqueio de receitas públicas destinadas à execução de contratos de gestão para o pagamento de despesas estranhas aos seus objetos.
O
argumento foi de violação aos princípios da separação de poderes, da legalidade
orçamentária, da eficiência administrativa e da continuidade dos serviços
públicos. As decisões contestadas determinaram bloqueio de recursos do
estado do Pará para pagamento de dívidas da organização Pró-Saúde, responsável
pela gestão de cinco hospitais paraenses.
Foi
reconhecida pela corte a possibilidade de o corregedor nacional de Justiça
requisitar, sem prévia autorização judicial, dados bancários e
fiscais para apurar infração em processo administrativo devidamente
instaurado. E, ainda, a Resolução 184/2013 do CNJ, que determina, aos Tribunais
de Justiça, o encaminhamento de cópia de anteprojetos de lei de criação de
cargos, funções comissionadas e unidades judiciárias.
Entendimento
de repercussão no próprio Supremo se deu em questão de ordem nas ADIs 5.399 e 6.191.
A corte concluiu serem válidos os votos dos ministros aposentados ou que
deixaram a corte nos casos iniciados no plenário virtual e concluídos
presencialmente.
A
decisão altera a Resolução 642/2019, que disciplina os julgamentos de processos
em lista nas sessões virtuais e presenciais. De acordo com a norma, o pedido de
destaque interrompe o julgamento no ambiente virtual e o leva para a sessão
presencial, onde seria retomado do início. O ministro André Mendonça, o mais
novo no tribunal, se opôs à maioria no julgamento.
Apesar
da grande quantidade de processos contra decisões e normas do Poder Judiciário,
de longe a líder no ranking continua a ser a União. Das 87 ações
julgadas contra a Presidência da República, o Senado, a Câmara dos Deputados e
agências reguladoras, 46 reconheceram a inconstitucionalidade de leis federais
e atos administrativos.
Diferentes
decisões da corte corrigiram os rumos da atuação do Estado brasileiro em
relação ao meio ambiente. A concessão automática de licença ambiental para
empresas que exercem atividades de risco médio, autorizada por medida
provisória, foi descartada pelo Plenário da corte.
O
ministro Roberto Barroso relatou a ação na qual definiu-se que o Poder
Executivo não pode contingenciar os recursos do Fundo Clima e tem o dever usar
esses valores para mitigar as mudanças climáticas. Já a ministra Cármen Lúcia
puxou os votos dos colegas ao entender que decreto presidencial não pode
extinguir a participação da sociedade civil no Conselho do Fundo Nacional
do Meio Ambiente e nem de governadores no Conselho Nacional da Amazônia
Legal.
O
porte de armas de fogo, tema caro ao ex-presidente Jair Bolsonaro em todo o seu
mandato, foi discutido em seis ADIs. A flexibilização dos critérios para
compra, feita por decreto presidencial, foi derrubada. A corte entendeu ainda
que o porte para procuradores estaduais, concedida por lei de Alagoas, é
incompatível com a Constituição Federal. E que norma estadual viola a
competência da União ao reconhecer a necessidade de porte de armas para
atiradores desportivos e vigilantes de empresa de segurança privada.
Já
no dia 1º de janeiro de 2023, dia de sua posse, o presidente da República, Luiz
Inácio Lula da Silva, assinou o Decreto 11.366, que suspendeu os registros para
aquisição e transferência de armas e munições de uso restrito por caçadores,
colecionadores, atiradores e particulares. Desde então, o decreto tem sido
questionado no Judiciário, especialmente por meio de mandados de
segurança. Em fevereiro, o ministro Gilmar Mendes suspendeu o andamento desses
casos até que o Plenário da corte se manifeste.
Ainda
em 2022, o compartilhamento de dados pessoais entre órgãos e entidades da
administração pública federal foi legitimado pelo STF, desde que respeitada a
Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Já os atos do Ministério da Justiça
que permitiram a produção de dossiês contra servidores públicos e professores
universitários identificados como integrantes de “movimento antifascismo” foram
invalidados.
Segundo
a decisão, os órgãos do Sistema Brasileiro de Inteligência devem operar com
vinculação ao interesse público, observância aos valores democráticos e
respeito aos direitos e às garantias fundamentais. O ministro André Mendonça,
ministro da Justiça à época, declarou-se suspeito no julgamento.
A
covid-19 continuou na pauta do tribunal em 2022. Em novembro, a corte decidiu
ser necessário um regime de transição para a retomada das reintegrações de
posse, suspensas por causa da epidemia. A determinação foi de que os tribunais
instalassem comissões para mediar despejos antes de qualquer decisão judicial,
com o objetivo de reduzir os impactos habitacionais e humanitários em casos de
desocupação coletiva.
O
Supremo julgou constitucional a lei federal que transferiu recursos da União
aos estados e ao Distrito Federal para garantir acesso à internet a alunos e
professores da educação básica em virtude da calamidade pública. A compensação
financeira paga pela União por incapacidade permanente para o trabalho ou morte
de profissionais da saúde decorrente do atendimento a pacientes com covid-19
também foi validada.
Pelo
quarto ano consecutivo o Rio de Janeiro ficou em segundo lugar no ranking de
inconstitucionalidade. O estado teve 19 leis questionadas e 14 delas retiradas
do ordenamento jurídico, no todo ou em parte. Algumas delas eram diretamente
relacionadas à vida dos consumidores do estado, como a que autorizava planos de
saúde a limitar consultas e sessões para tratamento de pessoas com deficiência.
Duas
outras normas fluminenses, editadas por causa da epidemia, foram invalidadas
pelos ministros: a que permitia a matrícula de alunos inadimplentes em
faculdades e a que impedia a cobrança de multa por quebra de fidelidade
por parte de empresas de telefonia, internet e serviços semelhantes. Nesses
casos, por invadir competência da União para tratar do assunto. Já a lei do
estado que obrigou prestadoras de serviços de TV por assinatura a oferecer
atendimento telefônico gratuito aos seus clientes teve a sua constitucionalidade
reconhecida.
O
STF entendeu, ainda, que lei estadual não pode criar sanções processuais para
litigância de má-fé diferentes daquelas previstas na legislação federal. Com
isso, outra norma do Rio de Janeiro foi julgada inconstitucional.
A
Procuradoria-Geral da República foi a maior autora das ADIs e ADPFs julgadas no
mérito, seguida por partidos políticos e associações empresariais. Somados, os
estados responderam a 270 ações, enquanto a União foi polo passivo em 87 casos.
Em
março de 2022, a PGR propôs 25 ADIs ao mesmo tempo contra leis estaduais que
previam alíquota de ICMS sobre energia elétrica e serviços de comunicação mais
elevada do que a incidente sobre as operações em geral. Ao longo do ano, 24
ações foram julgadas e tiveram o mesmo desfecho: a procedência.
No
julgamento do Tema 745, em 2021, o STF fixou a seguinte tese de repercussão
geral: “Adotada pelo legislador estadual a técnica da seletividade em relação
ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), discrepam do
figurino constitucional alíquotas sobre as operações de energia elétrica e
serviços de telecomunicação em patamar superior ao das operações em geral,
considerada a essencialidade dos bens e serviços”. A partir daí, a PGR propôs
as ações e os ministros aplicaram a tese fixada.
Já
as 22 ações propostas pela Procuradoria-Geral da República contra o poder de
requisição da Defensoria Pública foram julgadas improcedentes. De acordo com o
entendimento da corte, a Defensoria detém a prerrogativa de requisitar, de
quaisquer autoridades públicas e de seus agentes, certidões, exames, perícias,
vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e
demais providências necessárias à sua atuação.
O
procurador-geral da República também pediu ao Supremo a declaração de
inconstitucionalidade de 24 leis estaduais que disciplinavam a cobrança do
Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e de Doação de Quaisquer Bens
ou Direitos (ITCMD) nas doações e heranças instituídas no exterior. A corte
atendeu ao pedido e reiterou entendimento de que os estados e o Distrito
Federal não podem instituir a cobrança do tributo, em razão da ausência da lei
complementar nacional que regulamente a matéria. Apenas a ação referente à lei
do estado de Mato Grosso não foi julgada.
Outro
pacote apresentado pela PGR questionou 17 leis estaduais que concediam foro por
prerrogativa de função a autoridades não previstas na Constituição Federal,
como defensores públicos, delegados, procuradores, presidentes de entidades
estaduais e reitores de universidade. Cinco delas foram julgadas em 2022, com
resultado favorável ao pedido do Ministério Público. De acordo com o
entendimento do STF, as normas violaram o princípio da simetria.
ANUÁRIO DA JUSTIÇA BRASIL 2023
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Edição: 2023
Número de Páginas: 261
Editora: Consultor Jurídico
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