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Por Tiago Mali
A Câmara dos Deputados ganhou neste ano 9 projetos de lei, de 9 autores diferentes, tentando proibir nas escolas o uso de palavras como “todes“, utilizado pelo governo Lula durante a posse de ministros. Eles foram juntados a projetos anteriores, que já somam 22 propostas contra a linguagem neutra.
A
movimentação se dá depois de o STF invalidar um esforço concentrado em
assembleias legislativas para tentar criar a proibição. Levantamento do Poder360 mostrou que na legislatura que terminou em 2022 houve
58 tentativas de deputados estaduais e distritais de proibir o uso em escolas e
documentos oficiais.
3
dessas propostas foram aprovadas nas câmaras estaduais: em Rondônia, no Paraná
e no Maranhão. Ao analisar o caso de Rondônia, no entanto, o STF (Supremo
Tribunal Federal) derrubou em fevereiro a proibição, sob o argumento de
que compete à União estabelecer as regras da educação.
Os
novos projetos em tramitação na Câmara tentam, portanto, reavivar a discussão e
estabelecer a proibição de forma federal em todo o Brasil.
Os
autores das novas propostas em 2023 são Eli
Borges (PL-TO), Sargento
Gonçalves (PL-RN), Delegado
Marcelo Freitas (União-MG), Coronel
Fernanda (PL-MT), Dani
Cunha (União-RJ), Coronel
Chrisóstomo (PL-RO), Roberto
Duarte (Republicanos-AC), Rodrigo
Valadares (União-SE) e Kim
Kataguiri (União-SP).
Os
novos textos foram juntados ao PL 5198, de 2020, do deputado Junio
Amaral (PL-MG). Ao todo, são 21 textos juntados ao projeto de Junio para
tentar proibir esse tipo de comunicação em escolas e documentos oficiais.
Há
também uma proposta, da deputada Erika Kokay (PT-DF) para obrigar o uso de linguagem
inclusiva na administração pública – o que não significa usar “todes”, mas sim
“todas e todos”, por exemplo.
O Poder360 preparou
um texto e um infográfico que explica de forma alentada o que envolve a
discussão. Acesse a explicação detalhada neste link.
Cultura woke
Críticos
do movimento pelo uso da linguagem neutra nos Estados Unidos a relacionam com a
cultura woke. O significado literal de “woke” é “acordei”. O uso do termo
pela comunidade negra dos EUA remete a estar alerta para a injustiça racial.
Na
última década, o termo também ganhou o sentido de “consciência sobre temas
sociais e políticos, especialmente racismo“, como define o dicionário Oxford. Pessoas passaram a se
autodefinir como woke para se identificar como parte de uma cultura
liberal.
Por
outro lado, a palavra também passou a ser usada por quem desaprova integrantes
dessa cultura e considera seus integrantes “pessoas que falam demais sobre esse
temas [sociais], de uma forma que não muda nada“, também segundo o dicionário
Oxford.
A
desaprovação mira métodos de coerção usados para desestimular o uso de
expressões consideradas homofóbicas, misóginas ou racistas. Um dos pontos
criticados é o “cancelamento”, um tipo de boicote a quem faz uso desse tipo de
termos.
De
um lado, defensores da abordagem woke dizem que esse tipo de protesto
não violento dá visibilidade a grupos historicamente oprimidos e corrige
comportamentos de setores privilegiados que nunca haviam refletido sobre o
assunto. Do outro, há a acusação de que sejam “policiais da linguagem”.
Os
críticos do woke não estão apenas entre os conservadores. Políticos
mais identificados com a esquerda nos Estados Unidos, como o ex-presidente
Barack Obama, já se pronunciaram sobre o assunto. Em 29 de outubro de 2019,
durante encontro anual da Fundação Obama, o ex-presidente teceu críticas ao
movimento:
“Eu
tenho a impressão que alguns jovens, especialmente nas redes sociais, pensam
que a forma de mudar as coisas é julgar outras pessoas o máximo possível. E que
isso basta. Se eu posto no Twitter ou coloco uma hashtag sobre como você errou
numa palavra ou usou o verbo incorreto, eu posso me sentar e me sentir bem
porque ‘cara, viu como eu fui woke’? Eu te chamei a atenção! Isso não é
ativismo, não trará mudança“, disse Obama. Vídeos desta
fala ficaram virais na internet.
Alguns
embates recentes evidenciam como essa disputa política continua pelo mundo:
“field” – a palavra em inglês significa “campo” e pode remeter a “trabalho de campo”, “campo de atuação” e “ir a campo pesquisar”. Algumas faculdades de serviço social, como a ligada à Universidade do Sul da California e a do Smiths College resolveram remover o termo do seu programa dizendo que ele pode ser percebido com uma conotação racista, aludindo a campos de trabalho;eliminação de termos nocivos – a Universidade Stanford (EUA) teve recentemente de recuar da sua Iniciativa de Eliminação de Linguagem Nociva (leia aqui a lista de palavras que seriam alvo da ação).A ideia era incentivar as pessoas a suprimir termos considerados ofensivos a grupos específicos, mas houve muitas reações à lista de palavras “malditas”, e a sugestão de erradicá-las foi considerada censura;
bandeira
de Utah – uma mudança aprovada em março no design da bandeira local levou
parte dos conservadores a considerarem ela “woke”. A mudança foi proposta por um
representante do partido republicano. Mesmo assim, a nova bandeira foi acusada
de “marxista”, “nazista” e sinal da cultura do cancelamento por outros
conservadores radicais. Opositores estão colhendo assinaturas para fazer um
referendo que reverta as mudanças. Como é possível ver abaixo nas duas versões,
a alteração deu mais destaque à colmeia e às montanhas, símbolos do Estado,
retirando uma águia e a bandeira dos EUA.
“Latinx” –
o termo é uma palavra cunhada para se referir a membros da comunidade latina
nos Estados Unidos de forma neutra, sem masculino nem feminino. Ele é motivo,
no entanto, de controvérsia. Alguns argumentam que “latin” e “latino” já são
palavras de gênero neutro. A governadora republicana do Arkansas, Sarah
Huckabee, baniu em 12 de janeiro o uso do termo em documentos
oficiais. Legisladores do partido Democrata (mais identificado com a
esquerda) propuseram o mesmo em Connecticut em janeiro de 2023;
Igreja
– um cântico tradicional de natal em inglês, “God Rest Ye Merry
Gentlemen”, foi modificado para uma versão mais inclusiva à comunidade LGBTQIA+
e virou motivo de disputa em uma igreja na região de Loughborough, no
Reino Unido no fim de 2022. A versão modificada trazia os versos “Deus abençoe
também vocês, mulheres, que foram apagadas pelos homens durante a história,
ignoradas e desprezadas” e “Deus abençoe você, queer [que não se
encaixa em definições tradicionais de gênero] e questionador, seu coração
ansioso ficará quieto”.
O Poder360 não
faz uso da linguagem neutra em seus textos. “A
política editorial do jornal digital busca sempre de maneira obsessiva
a neutralidade na apuração dos fatos. O uso dessa forma de comunicação está,
hoje, ainda fortemente associado a um dos campos políticos. O código de conduta deste
jornal digital exige, ao tratar de temas complexos, respeito aos mais diversos
pontos de vista”, diz Fernando Rodrigues, diretor de Redação do Poder360.
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