O debate
sobre a população em situação de rua é antigo. Para muitos especialistas, o
maior desafio é como evitar que essa situação piore. Na opinião do doutor e
mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
(USP), Matheus Falivene, a discussão não é primariamente uma questão de
segurança pública, ela é uma questão muito mais de urbanismo e de acolhimento
social.
“A cidade
tem que ser pensada nos ambientes urbanos, ambientes de socialização para serem
melhores, serem mais acolhedores. E isso é uma questão urbanística, é uma
questão de arquitetura. E essa questão urbanística tem que ser pensada também
no acolhimento dessas pessoas”, analisa.
Recentemente,
o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu proibir que estados, o Distrito
Federal e os municípios façam a remoção e o transporte compulsório de pessoas
em situação de rua às zeladorias urbanas e aos abrigos.
A decisão
também impede o recolhimento forçado de bens e pertences desse público, bem
como o emprego de técnicas de arquitetura hostil. Para Matheus Falivene, a
partir de agora, as prefeituras e os governos estaduais e federal vão ter que
adotar medidas mais eficientes para essas intervenções. “Pela própria decisão,
essas intervenções vão ter que ser informadas para que eles possam decidir se
ficam ou não no local. A ideia da decisão é trazer um aspecto mais humanizado
para essa questão”, avalia.
O
especialista em segurança pública, Ricardo Bandeira, diz que estavam ocorrendo
muitos abusos das autoridades no trato com essa população. “São pessoas que
estão nas ruas por diversos problemas — problemas financeiros, problemas
mentais, problemas de uso abusivo de álcool e drogas —, mas são seres humanos
que precisam ter a sua dignidade preservada e seus direitos humanos também
preservados”, destaca.
A
advogada especialista em direito urbanístico e ambiental, Daniela
Libório, explica que a medida está lastreada no decreto federal 7053 de 2009,
que estabelece a política nacional da população em situação de rua.
“Veja,
desde 2009 não se usa mais o termo moradores de rua. Então essa é a primeira
questão. Ninguém é morador de rua. Rua não é moradia. O que se constata é que
nas mais de uma década houve baixíssima adesão e esforço do poder público em
esfera federal, estadual e municipal, em adesão a essa política”, ressalta.
O
especialista em segurança pública, Cássio Thyone, lamenta apenas que isso tenha
sido imposto pela justiça. “Se esperava que os governos já tivessem essa
preocupação. Independente de serem obrigados judicialmente a fazerem, é preciso
desenvolver políticas voltadas não só para a segurança pública, mas também para
assistência, criação de empregos, educação e saúde”, pontua.
Urbanizar
para melhorar
De acordo
com o doutor e mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo (USP), Matheus Falivene, muitas vezes, as prefeituras
concentram o acolhimento dessas pessoas em determinadas áreas que acabam
provocando a degradação do local permitindo, eventualmente, a entrada de
traficantes para atender essa população. “É um problema que não é fácil de
resolver. É um problema que tem várias variáveis que precisam ser pensadas
pelos gestores públicos”, observa.
A
arquiteta Marcela Carneiro explica que o planejamento da cidade é feito
justamente porque existem questões para serem resolvidas. Para ela, os
moradores de rua não dificultam o planejamento, eles são somente algo que
precisa ser levado em consideração ao planejar.
“É
necessário pensar em soluções permanentes, o que não é o caso de um acampamento.
Pensando na lojística da cidade, se criarmos um local afastado do centro da
cidade para que essas pessoas tenham um local afastado apenas de acampamento,
elas não vão pra lá. Elas vivem no Centro porque é onde possui o movimento,
conseguem pedir para mais pessoas, pegar papelão, arrumar um jeito de conseguir
um dinheiro”, conta.
Sobre o
diagnóstico da população de rua, dados do Instituto de Pesquisa e
Estatística do Distrito Federal (IPEDF) dão conta de 2.938 pessoas em situação
de rua só no DF. Também existem 70 unidades de acolhimento institucional
destinadas à população em situação de vulnerabilidade social, com 2.032 vagas,
segundo informações da Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes). Dois
Centros Pop funcionam diariamente a partir das 7 horas e servem como ponto de
apoio durante o dia para quem vive ou sobrevive nas ruas. Mais de 400 pessoas
são atendidas todos os dias em cada uma dessas unidades.
Jonatas
Duarte Soares é idealizador e fundador do projeto Para o Reino, que atende
pessoas em situação de vulnerabilidade desde 2010. Ele conta que, entre outros
problemas, ajuda muita gente que foi parar nas ruas por causa de algum vício.
“Geralmente
90%, 80% das pessoas que estão nas ruas são levadas a ficar em situação de rua
por causa do vício do álcool ou da droga. Principalmente crack. E a gente tenta
direcioná-las para um tratamento. O que seria mais interessante para ela, se
seria fazer um tratamento no CAPS ou um tratamento em uma comunidade
terapêutica para que, após esse tratamento, essa pessoa tenha condições de dar
um sentido, um direcionamento para a vida”, revela.
Criminalidade
e vulnerabilidade
A
advogada Daniela Libório acrescenta que a vulnerabilidade é um “prato cheio”
para a criminalidade. “Diante das situações de desestrutura, as pessoas se
submetem de maneira indigna e muito dolorida a quem quer que seja”. A
especialista também reforça a necessidade de serem criados novos repasses
financeiros como apoio, mas com cautela e transparência.
“Transparência
protege de desvios, protege de corrupção, protege o dinheiro público levado
para isso. Então, uma profunda transparência é um elemento de proteção
estrutural numa situação de emergência para poder fazer o auxílio necessário”,
salienta.
O
especialista em segurança pública, Cássio Thyone, entende que ao estabelecer
uma política pública para retirar essas pessoas ou melhorar as condições para
que elas busquem ajuda, certamente vai colaborar para a redução da
criminalidade.
“Nas
condições de aglomerações da população em situação de rua, ela acaba
favorecendo delitos, pequenos delitos, às vezes até alguns delitos mais graves,
relacionados a tráfico de droga, furtos, roubos e outras perturbações
patrimoniais”, aponta.
A
arquiteta Marcela Carneiro também mostra preocupação. “Essas estruturas podem
colaborar para a criminalidade. Se forem realojadas para esse local apenas de
acampamento, esses locais com certeza serão rejeitados pelo resto da população.
Além disso, hoje o perfil dos moradores de rua são família, pessoas que com
certeza estão ali por dificuldades financeiras”, acredita.
Na
opinião do especialista em segurança pública, Ricardo Bandeira, a solução
depende de um esforço conjunto. “Somente com a união dos três entes
federativos, o Estado, o município e o governo federal, a gente conseguirá ter
êxito para um melhor tratamento à população marginalizada, à população em
situação de rua”, desabafa.
Segundo
Cássio Thyone, tudo é possível no campo da gestão. “É uma questão, eu diria, de
vontade política. Os governos, os gestores, eles têm que considerar essa
questão uma questão prioritária. Ao considerá-la uma questão prioritária, eles
vão encontrar recursos e vão encontrar soluções que consigam reduzir e amenizar
a situação desses moradores de rua”, ressalta.
Fonte: Brasil 61
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