O
direito e o interesse de a sociedade se informar livremente está em risco,
segundo o presidente da ANJ (Associação Nacional de Jornais), Marcelo Rech.
Para o empresário, a recente decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de
condenar o Diário de Pernambuco em virtude de o jornal ter publicado
declaração de um entrevistado, acusando de crimes outra pessoa, colocou em
risco a liberdade de expressão e pode levar jornalistas e donos de veículos de
comunicação à autocensura. Uma medida que provoca tensão entre os
comunicadores, incluindo os jornalistas profissionais, que trabalham no
cotidiano divulgando declarações alheias.
A
sentença da Suprema Corte foi decidida em plenário virtual no dia 8 de agosto
passado, por 9 votos a 2, acatando a ação proposta apresentada por um
ex-deputado do Partido dos Trabalhadores, segundo a qual o veículo de Imprensa
é responsável pelas opiniões do entrevistado (veja a decisão, ao fim desta
reportagem).
Para
o presidente da ANJ, “a decisão é preocupante porque cria um ambiente de
insegurança em relação ao que pode ou não ser publicado”. Rech entende que a
sentença representa “uma ameaça à liberdade de Imprensa".
Ele ressalta o clima de insegurança que deve prejudicar o trabalho de
jornalistas, daqui pra frente.
“É
importante que, no momento da definição da redação do voto do STF, fique claro
como devem proceder jornais e outros veículos de comunicação, no interesse
maior da liberdade de Imprensa com responsabilidade, mas no interesse sim,
é claro, da sociedade poder se informar livremente”, afirmou o presidente da
ANJ (veja a nota oficial da entidade, mais abaixo).
Além
de ouvir a ANJ, o portal Brasil 61 procurou repercutir a decisão do STF com
juristas e entidades representativas da Imprensa e do jornalismo profissional,
como a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) – além da Associação
Brasileira de Imprensa (ABI) e da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e
Televisão (ABERT).
“Decisão
desproporcional”
O
professor e jurista Antonio Carlos de Freitas Junior — advogado e
mestre em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo (USP) —,
considerou a decisão do Supremo desproporcional. Conforme o especialista, “a
sentença é desproporcional, na medida em que o direito à liberdade de Imprensa
foi demasiadamente diminuído para garantir o direito individual de um único
cidadão”.
Para
Freitas Junior, a decisão não revoga de forma completa a liberdade de Imprensa,
mas viola profundamente esse direito:
“O
direito à liberdade de Imprensa é fundamental para o acesso à informação e para
a formação da livre convicção e do livre pensamento pela população”, lembrou o
professor, acrescentando que, de acordo com a Constituição, “devem ser
integralmente garantidas as liberdades de manifestação do pensamento, criação,
expressão e informação”.
Ele
lembra que “o STF, enquanto Estado, não poderia atuar de forma a tolher direito
tão relevante para a construção de uma sociedade democrática, que busca a
liberdade e a justiça entre todos os seus integrantes”.
Decisão
absurda
No
caso do jornal Diário de Pernambuco, segundo o especialista, o Supremo baseou
sua decisão em inibir crime de calúnia (quando é falsamente imputado fato
criminoso a outrem) por parte de um entrevistado. O especialista destacou que a
sentença, na realidade, “gerou o dever a todos os meios de comunicação de
ficarem obrigados a pesquisar de forma aprofundada todas as informações
mencionadas por seus entrevistados, sob pena de serem responsabilizados caso
haja alguma inverdade”.
O
mestre em Direito pela USP afirmou que isso “é um verdadeiro absurdo, uma vez
que o papel da Imprensa é de divulgar as informações recebidas, não de fazer
juízo de legalidade destas”.
“Nem
o Congresso poderia mudar a Lei”
De
acordo com o constitucionalista, nem mesmo o Poder Legislativo, materializado
no Congresso Nacional através da escolha de parlamentares eleitos pelo povo
para ocupar as cadeiras da Câmara e do Senado Federal, poderia retirar o
direito à liberdade de Imprensa garantido pela Constituição de 1988.
“A
liberdade de Imprensa de fato é um direito fundamental, consubstanciado nos
direitos à liberdade de manifestação, ao exercício de profissão e ao acesso à
informação, não podendo ser objeto de proposta de emenda constitucional que
tenda a aboli-los — e não podendo ser modificados nem mesmo pelo Congresso
Nacional”, declarou Freitas Junior. Segundo ele, a única forma de alterar este
cenário seria através da elaboração de uma nova constituição no país.
“Decisão
desproporcional”
O
especialista explicou que, no sistema constitucional brasileiro, pode haver
colisão entre direitos fundamentais. Portanto, “cabe ao Poder Judiciário atuar
para ponderar os direitos e apresentar decisão que ampare ao máximo possível os
direitos em conflito”.
No
caso decidido recentemente, o professor explica que “observa-se o conflito
entre o direito à liberdade de Imprensa do jornal e o direito à imagem e honra
do cidadão” que foi alvo das declarações. Conforme Freitas Junior, isso
explica, portanto, o motivo de o especialista entender que a decisão é
desproporcional, pois o direito à liberdade de Imprensa foi muito diminuído
para garantir o direito de uma única pessoa.
Como
Imprensa se adaptará
O
mestre em Direito Constitucional pela USP alertou que, depois da decisão da
suprema corte brasileira, veículos e profissionais de Imprensa deverão agir com
muita cautela.
“O
STF abriu a possibilidade de que qualquer indivíduo que sinta que teve a imagem
ou a honra feridos por falas veiculadas pela Imprensa (mesmo aquelas apenas
repassadas, que não são de autoria do próprio veículo ou jornalista) possam
ingressar com ações na Justiça, pedindo indenização por tal ocorrência”,
observou. “É possível a condenação dos veículos de Imprensa e, a depender do
caso, até mesmo do profissional responsável pela matéria”, alertou Freitas
Junior.
Entidades
silenciam
A reportagem do Brasil 61 procurou saber a opinião das principais entidades do país que defendem os interesses de veículos de comunicação e também a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) – principal entidade de classe que reúne os profissionais que exercem o jornalismo no Brasil.
Apenas
a ANJ (Associação nacional de Jornais) se pronunciou. Nem a ABI (Associação
Brasileira de Imprensa), nem a Abert (Associação Brasileira de Emissoras de
Rádio e Televisão) e nem a Fenaj deram continuidade às ligações telefônicas ou
responderam as mensagens encaminhadas por e-mail.
Nota
oficial da ANJ
A decisão do STF
O
STF decidiu, no dia 8 de agosto passado, que um veículo de comunicação pode ser
responsabilizado por injúrias, difamações ou calúnias proferidas por um ou mais
de um entrevistado. No caso concreto, a corte condenou o Diário de Pernambuco
pelo fato de o veículo ter divulgado declarações nas quais um entrevistado
imputou crimes a outra pessoa.
O
caso envolve o ex-deputado federal Ricardo Zarattini (PT-SP), acusado de ser um
dos autores do atentado a bomba no aeroporto de Guararapes, em Recife (PE), em
julho de 1966. Zarattini sempre negou participação no caso.
Em
1995, o Diário de Pernambuco entrevistou o ex-delegado da Polícia Civil
Wandenkolk Wanderley, que disse que o petista era o autor intelectual do crime.
A inocência de Zarattini viria a ser confirmada apenas em 2013, o que motivou
sua ação contra o veículo por ter veiculado a declaração do ex-policial.
“Não
é censura”
Prevaleceu
no STF o voto do ministro Alexandre de Moraes, que defendeu fixar a tese de que
a liberdade de Imprensa deve ser consagrada a partir de um binômio: “liberdade
com responsabilidade”. De acordo com Moraes, “não se trata de censura prévia”,
mas da possibilidade posterior de análise e responsabilização por informações
comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas e, em relação a
eventuais danos, materiais e morais”.
Fonte: Brasil 61
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