De aliados naturais a inimigos declarados: o Partido Comunista da Venezuela (PCV) denunciou, neste sábado (12), um "ataque" à sua organização após a decisão da justiça de nomear uma nova junta diretora, formada por apoiadores do presidente Nicolás Maduro.
O
PCV apoiou o governo do falecido presidente socialista Hugo Chávez (1999-2013)
desde o começo, mas rompeu quando Maduro, também de esquerda, começou a
flexibilizar o controle ferrenho do antecessor para dinamizar a economia.
A
intervenção, anunciada na noite de sexta-feira pela Corte Suprema, de viés
governista, é "um mandato de intervenção, de ataque, de usurpação do
Partido Comunista da Venezuela (PCV)", disse à imprensa o secretário-geral
da formação, Oscar Figuera.
A
sentença, similar a outras proferidas em 2020 contra alguns partidos
opositores, ordena a nomeação de uma "junta diretora ad hoc" para
organizar os "processos democráticos internos que garantam os direitos à
participação política dos associados" ao PCV.
A
nova junta do PCV será presidida por Henry Parra, um dirigente que, em julho
passado, apresentou um recurso contra a diretoria comunista, alegando que
excluía as bases da organização, segundo a sentença.
Figuera
assegura que sequer está inscrito como militante do PCV, que mais cedo, em um
comunicado, tachou a medida de "fraude processual".
"Cria
um grave precedente na história política e jurídica do país, mas deixa em
descoberto o caráter autoritário, antidemocrático e reacionário do
governo", ressaltou o texto.
-
"Neoliberal" -
Figuera
tacha Maduro de "neoliberal" por ter liberado os preços e permitido o
uso do dólar como moeda de fato, depois de anos em que foi considerado um
crime.
Maduro,
por sua vez, tem se referido a uma "esquerda covarde, derrotada,
fracassada" e investido contra dirigentes "ultrapassados" e
"desleais", entre os quais incluem-se ex-ministros e
ex-colaboradores, que romperam sobretudo por esta estratégia econômica.
"Tentam
calar as vozes que enfrentam a política neoliberal", insistiu Figuera.
"Tentam criar uma falsa polarização para impedir que surja uma opção
verdadeira do campo popular, do campo dos trabalhadores".
As
diferenças também têm a ver com a "cúpula" que chefia o Partido
Socialista Unido da Venezuela (PSUV), fundado por Chávez em 2008 com o objetivo
de reunir em uma única organização política todos os grupos que apoiavam seu
governo.
O
PCV se manteve autônomo, ainda que apoiando o chavismo.
"Há
uma diferença ideológica importante", explicou à AFP o cientista político
Nicmer Evans. "Um partido socialista como o PSUV pode ter uma visão
não privilegiada sobre a classe trabalhadora, como tem o Partido Comunista, que
a coloca em primeiro lugar".
-
"Incômodo eleitoral" -
O
consultor político Pablo Andrés Quintero avaliou que a intervenção atende a uma
"estratégia del governo" por "razões político-eleitorais".
Maduro
tentará um terceiro mandato de seis anos nas eleições presidenciais de 2024,
embora o próprio presidente tenha insinuado a possibilidade de antecipá-las
para este ano.
O
PCV, afirmou Quintero, representa "um problema para as eleições no médio
prazo". "É um partido que esteve muito próximo do governo, conhece
todos os seus movimentos, sua capacidade de resposta, conhece cada figura
política à perfeição".
"É
um partido com experiência e o que o governo está buscando simplesmente é
eliminar estes incômodos eleitorais", acrescentou.
Em
2020, a Corte Suprema já tinha intervindo no Pátria Para Todos (PPT) que, assim
como o PCV, era aliado do chavismo em seus primórdios, e em outros grupos
opositores tradicionais, como o Ação Democrática (AD), o Vontade Popular (VP) e
o Primeiro Justiça (PJ).
Embora seja crítico a Maduro, o PCV não se somou à aliança opositora que quer escolher um candidato único para enfrentar Maduro em eleições primárias repletas de obstáculos.
"Isto é uma escalada que se inicia nesta nova etapa com a intervenção do Partido Comunista da Venezuela e que vai terminar, sem dúvida alguma, na suspensão das primárias e na antecipação das eleições presidenciais como estratégia de governo", antecipou Evans.
Fonte: AFP
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