No primeiro semestre de 2023, as forças de segurança da Bahia prenderam 9.019 criminosos. São 50 pessoas envolvidas com atividades ilícitas capturadas diariamente, conforme dados da Secretaria da Segurança Pública do estado. Em números absolutos foram contabilizados 2.523 casos de mortes violentas — homicídio, latrocínio e lesão dolosa seguida de morte. E mais casos se somam a esse ciclo de violência extrema como a chacina que matou 9 pessoas em Mata de São João, na Região Metropolitana de Salvador, e o assassinato da líder quilombola mãe Bernadete, morta dentro do quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho, no dia 17 de agosto. A Reportagem é de Lívia Azevedo do Brasil 61.
Na
opinião do especialista em segurança pública, Elias Miller, os criminosos
precisam estabelecer território. Ele explica que a predominância de facções de
drogas e armas tem levado a violência e a criminalidade para além dos grandes
centros. “Quanto mais existir desigualdade social e ineficiência no aparelho de
justiça, maior será a violência, pois o crime organizado virou uma empresa, um
negócio transnacional”, aponta.
Aliado
a isso, o analista ressalta que ainda existe a ausência do poder público. “Um
governo que não adota políticas públicas preventivas e repressivas favorece e
alimenta o mercado do crime.
O
professor e escritor Leonardo Castro vai além. Ele diz que até o instante em
que a droga era tratada como um problema de saúde pública, não se tinha o que
se tem hoje. “Não havia essas organizações criminosas dedicadas única e
exclusivamente à traficância, que é a grande moeda do mundo crime, a droga. A
partir do momento em que virou um problema de segurança pública, os criminosos
passaram a se organizar melhor, passaram a tratar a traficância como um
verdadeiro negócio”, revela.
A Bahia tem os quatro municípios mais violentos do país — Jequié, Santo Antônio de Jesus, Simões Filho e Camaçari —, segundo dados da 17ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. As estatísticas apontam também que as polícias mataram 1.464 pessoas em intervenções oficiais; com isso, o conjunto de forças de segurança do estado pela primeira vez se consolida como a mais letal do Brasil.
Expansão
no interior do país
Para
Elias Miller, existe ainda um outro cenário para o tráfico e a criminalidade ir
além das áreas metropolitanas. “Os traficantes têm tendência a utilizar a
violência como forma de impor suas regras no território em que se encontram. A
crescente violência urbana tem relação com a expansão das organizações
criminosas e a disputa de traficantes por territórios — e essa luta levou
o tráfico para o interior do país”, avalia.
A
socióloga Camila Galetti acrescenta que a expansão da criminalidade para o
interior se deu por conta da ausência do poder público em determinados locais.
“A gente percebe que num contexto pós-pandemia houve uma maior circulação de
indivíduos o que, concomitantemente, aumentam as violências, os homicídios, os
assaltos, tanto que durante o contexto da Covid-19, as violências se davam mais
no âmbito doméstico, no espaço privado”, enfatiza.
Dados
da Secretaria da Segurança Pública da Bahia mostram que, de janeiro a junho de
2023, foram apreendidos 36 fuzis — número maior que o encontrado em todo o ano
de 2022, quando foram localizados 22. Em uma das ocorrências, no bairro de
Narandiba, de Salvador, por exemplo, a polícia localizou 13 fuzis, número
recorde em apenas um dia. No mesmo período, cerca de 2.570 armas de fogo foram
localizadas no estado.
Histórico
do crescimento da violência l
O
especialista em segurança pública, Elias Miller, acredita que os índices de
violência urbana no Brasil cresceram consideravelmente a partir da segunda
metade do século XX. E a sua ocorrência é registrada em cidades de
todas as regiões do país. “A violência urbana é um fenômeno social que ocorre
nas cidades e tem como causas problemas de ordem estrutural, como as
desigualdades socioeconômicas, a segregação urbana e a falta de oportunidades
para a garantia de uma vida digna no espaço urbano — aliado a fatores de
ordem moral”, salienta.
O
advogado criminalista e professor de direito penal, Carlos Fernando Maggiolo,
diz que, hoje, se vive um momento em que a escalada da criminalidade se dá em
razão da benevolência de todos. “Vieram argumentos de antigamente que fizeram
efeito na legislação, de que não se pode fazer justiça social com o direito
penal e tudo mais — e o Direito Penal foi se tornando cada vez
mais benevolente”, acredita.
Para
o analista, a casa legislativa também foi se tornando mais benevolente com os
autores dos crimes, sobretudo os crimes violentos.
“Hoje
a recomendação é que seja recolhido à prisão apenas os autores de crimes com
violência cuja pena seja acima de 4 anos. Então o crime de furto, que é um
crime que a pena é de 1 a 4 anos, ele nunca vai ter o agente criminoso detido
porque a própria lei já diz que ele não pode ser recolhido”. O advogado
acrescenta que esses autores acabam saindo impunes pela porta da frente da
delegacia. “A gente está vivendo um momento realmente de descalabro no Brasil”,
adverte.
Na
opinião da socióloga Camila Galetti, a violência urbana no Brasil está
relacionada ásas crises econômicas. “Quando os aluguéis ficam caros, as pessoas
vão para as ruas, e quando as pessoas vão para as ruas, há um aumento de
criminalidade, de furtos, enfim. É toda uma cadeia estrutural que vai inflando
essas violências nas cidades”, destaca.
Superpopulação
carcerária
O
professor Carlos Maggiolo acredita que os problemas não são visíveis para a
população e muitos estão relacionados à superpopulação carcerária. “Existe uma
falência do sistema penitenciário brasileiro. Hoje, não se tem vagas para os
presos. Daí a política pública de soltar presos — com os presos até
quatro anos —, é por conta de falta de vaga no sistema”, salienta.
Segundo
Maggiolo, é preciso construir mais presídios. “No lugar de soltar, você tem que
construir presídios. E não se investe, porque preso não traz voto diretamente.
Então acho que o sistema carcerário é meio que órfão, não tem um político para
adotar o sistema carcerário”, lamenta.
E
ainda ressalta: “Existem mil alternativas para isso. Você pode privatizar e aí
o caráter educativo da pena se sobressai porque o preso, o acautelado, ele
acaba recebendo uma formação técnica enquanto encarcerado; sai dali com
diploma, com perspectiva de trabalho. Enfim, você reverteria esse quadro”.
Já
para a socióloga Camila Galetti, faltam incentivos e investimentos
na ressocialização dos indivíduos que cometem crimes. “Essas pessoas cometem
crimes, são presas, aí aumenta o senso de punitivismo entre os indivíduos na
sociedade, mas essas pessoas não têm condições cabíveis para serem
ressocializadas e reinseridas na sociedade em condições melhores”, observa.
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