A
descriminalização do porte da maconha para consumo próprio começou a ser
votada na semana passada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sob o
argumento de que a pessoa conduzir quantidades mínimas não atingiria a
saúde pública. Quatro dos 11 ministros da corte já votaram a favor do recurso,
que não apresenta, no entanto, como seria aferido o peso da maconha em casos de
abordagens policiais — ou se a decisão beneficiaria o tráfico, nos casos
em que o condutor não seja um usuário, mas um transportador da droga.
Para
o psiquiatra Jorge Jaber, especialista no tratamento de dependentes químicos há
mais de 35 anos, a descriminalização levará ao aumento de doenças ligadas ao
uso de drogas. Segundo ele, o STF não dispõe de conhecimento técnico suficiente
para prevenir as consequências desse tipo de decisão, “que afetará
principalmente os jovens”.
Confira
a entrevista:
Brasil
61: O Supremo Tribunal Federal (STF) tenta, nesse momento, legislar sobre um
assunto relacionado ao porte e uso de drogas, especialmente sobre a maconha,
abrindo caminho para a descriminalização no Brasil. Qual é a sua
opinião a respeito disso?
Jorge
Jaber: Em primeiro lugar, a liberação de substâncias químicas no Brasil, como
em qualquer parte do mundo, vai levar a um aumento, do seu ponto de vista
médico, de casos de doenças ligadas ao uso de drogas. Essas doenças são
detectadas em curto, médio e longo prazo. Me parece que, mesmo já estando
em deliberação desde 2011, o Supremo Tribunal Federal ainda não dispõe de um
conhecimento técnico suficiente capaz de prevenir doenças ligadas ao uso de
drogas.
Brasil
61: O senhor acha que ao descriminalizar o uso individual da droga, o Estado
pode estar incentivando o aumento do consumo no Brasil e agravando ainda mais a
situação atual de dependência dos usuários, principalmente entre os jovens?
JJ:
Um dos problemas graves, ligado ao uso de drogas, são os acidentes. A maior
causa de internação em emergências médicas em grandes hospitais e
pronto- socorros são os acidentes de trânsito. Geralmente, cerca de 70%
dos acidentes de trânsito têm alguma substância, alguma droga, ou álcool ou
cocaína, ou maconha ou anfetamina — alguma substância envolvida.
Portanto, a liberação de mais drogas tenderá, sob o ponto de vista médico, a
produzir maiores acidentes ou maior quantidade de acidentes. Por outro lado, me
parece que o interesse, objetivo melhor dizendo do Supremo Tribunal Federal, é
evitar a prisão precoce de pessoas que usam em pequena quantidade.
Brasil
61: O senhor pode sintetizar quais são os principais efeitos da maconha em
relação à saúde dos usuários, sobretudo aqueles que são viciados na droga e
acabam a consumindo misturada com outras drogas?
JJ:
Há uma certa ideia de que a maconha acalma a pessoa. Isso acontece durante um
pequeno período, no início do uso. Posteriormente, a pessoa se torna levemente
dependente da maconha, pelo menos levemente dependente, de maneira que quando
falta a substância aumenta a ansiedade. É mais ou menos aquela fissura, que na
linguagem popular, substitui a compulsão. A pessoa vai chegando à noite
vai ficando um pouco irritadiça e sente que tem que fumar um pouquinho para dar
uma acalmada. Na verdade, a pessoa não se acalma com o uso. É que a falta da
substância leva a um aumento da irritação, do mal-estar. Então a pessoa já está
ficando dependente. Então, uma das coisas que acontecem é o aumento da
ansiedade da irritação. Segundo, é aumento de questões ligadas aos transtornos
de humor, depressão, transtorno maníaco. Ou seja, a pessoa começa a ter
dificuldade, principalmente os jovens, começam a ter dificuldades com o
pensamento e começa, às vezes, a ouvir vozes, a ver imagens.
Brasil
61: Os principais problemas são causados ao cérebro?
JJ:
Um jovem que ainda não tendo amadurecido suficientemente o cérebro, o uso da
droga leva a uma dificuldade de aprendizado. Então, o jovem vai ficando com a
mente um pouco prejudicada, com dificuldade de aprender. Isso a gente observa
com dificuldade nos estudos, dificuldades na linguagem, a pessoa tem uma
dificuldade de concentração. Então... E finalmente, a dependência química. E
mesmo a maconha, que é uma droga mais leve, pode levar a pessoa a ter uma
dependência, aquilo que popularmente se diz um vício.
Brasil
61: Algumas pessoas entendem que o álcool também é uma droga perigosa pelo
motivo de o seu consumo ser liberado. Isso é verdade?
JJ:
Bom, em primeiro lugar, é verdade: álcool é uma droga perigosíssima. Ela causa
mais problemas de saúde pública do que as outras drogas todas juntas, porém,
ela não é liberada para menores de 18 anos. Ela é liberada somente para
adultos. E já a liberação da maconha não vai seguir a mesma orientação.
Ou seja: mesmo o álcool sendo proibido para menores de 18 anos, essa proibição
não vigora na prática. Então a criança ou adolescente acaba tendo acesso a uma
substância que é fortemente tóxica, o álcool. Agora, ela vai ter acesso também.
A outras substâncias que venham a ser liberadas.
Brasil
61: Doutor, é verdade que o consumo do cigarro da planta cannabis sativa,
popularmente conhecida por maconha, representa uma porta de entrada para outras
drogas?
JJ: Olha, a nossa cultura, ela é uma cultura adictiva. O que que significa isso? Nós tendemos a achar que é preciso adicionar alguma coisa material a nossa vida, para que nós tenhamos felicidade, isso é, não só ligado ao uso de drogas e que a pessoa acha que é preciso tomar um drink para se sentir melhor, é preciso “fumar unzinho” para se sentir melhor. Então, na verdade, nós já temos essa cultura, que vem desde a hora que a gente nasce, que a gente precisa de oxigênio, a gente precisa respirar.
Então o ser humano, precisa de algumas substâncias químicas para sobreviver. O
que acontece é que, inicialmente, a maconha e outras drogas, inclusive o álcool
e o tabaco, trazem uma certa sensação de prazer, que ao longo do tempo, vai
levando a uma dependência. Portanto, nós temos que ter cuidado com qualquer
substância química. Porque se nós temos que cuidar do planeta, nós devemos evitar
intoxicação do planeta, intoxicação dos mares das águas, nós também temos que
evitar a intoxicação do ser humano.
Brasil
61: Quais são as soluções disponíveis para as pessoas, principalmente as
famílias que enfrentam este problema, para tratamento de dependência de
drogas?
JJ:
É muito importante deixar aqui uma informação: para quem tem um problema de
droga na família. Tem um problema de álcool e que não tem recursos, às vezes
não encontra, hoje nem ouvi alguém querendo uma vaga num CAPS, Centro de Assistência
Psicossocial, e estava com dificuldade de conseguir, procure alcoólicos
anônimos e narcóticos anônimos, basta entrar aí na internet você encontra
endereço, telefone, comunicação em todos os lugares do Brasil que eles oferecem
ajuda gratuita. Não há nenhum interesse material, financeiro ou político — são
pessoas que conseguiram se recuperar e que se dedicam a recuperar
outros Alcoólicos anônimos e narcóticos anônimos salvam vidas quando
não há recurso de um psicólogo psiquiatra ou um médico.
Fonte: Brasil 61
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