Foto reprodução
Três
ministros do STF (Supremo
Tribunal Federal) constam como acompanhantes em pelo menos 14 voos da FAB (Força Aérea
Brasileira) requisitados por ministros do governo de Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) no 1º semestre de 2023.
Os dados constam de levantamento do Poder360 com todos os ministérios via Lei de Acesso à Informação (leia mais sobre a metodologia ao fim deste texto).
A
política de “boa vizinhança” com os ministros contrasta com o que se passou
durante o governo Bolsonaro. De 2019 a 2022 foram identificadas 10 caronas dadas a juízes do
Supremo. É menos do que nos primeiros 6 meses do atual governo.
O
campeão de voos em 2023 é Alexandre de Moraes, que fez 8 viagens. Foram 7
partindo de Brasília (DF) para São Paulo (SP), sua cidade natal, e uma de São
Paulo para Brasília. Ricardo Lewandowski fez 4 voos. Gilmar Mendes, 2.
O Poder360 encontrou
4 ocasiões em que os voos levaram os juízes do STF para compromissos oficiais
com os ministros que solicitaram o avião. Nos 8 voos de Moraes e em 2 de
Lewandowski não foi encontrado nenhum compromisso.
Não
há ilegalidade nos voos. Há dispositivos no decreto presidencial que
disciplina o assunto que permitem esse tipo de carona. Os registros de
acompanhantes, no entanto, não são divulgados ativamente pela FAB. Foram
necessários 37 pedidos de Lei de Acesso à Informação, além de recursos em
diversas instâncias, para obter os dados desta reportagem.
Em
geral, os ministérios demoram a informar, informam de modo incompleto ou até se
negam a fornecer os documentos.
Ministros
do Supremo têm sido hostilizados em aeroportos por apoiadores do
ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL). O Poder360 apurou que eles tentam evitar a
situação requisitando ao governo assento em aviões da FAB. As solicitações tem
sido feitas especialmente ao Ministério da Defesa, o único que negou
acesso às informações deste levantamento.
VOO
DEPOIS DE JULGAMENTO
Em
30 de junho, Moraes viajou de Brasília a São Paulo em um avião da FAB com 2
ministros do TSE (Tribunal
Superior Eleitoral): Floriano Marques e André Ramos Tavares. Tiveram a
companhia de Fernando Haddad (Economia), que solicitou a viagem.
O
horário de partida do voo que consta nos registros da FAB é 16h25. Duas horas
antes, o TSE havia determinado a inelegibilidade de Bolsonaro, com votos
dos 3 ministros que estariam a bordo daquele avião. Alexandre de Moraes já
presidia a Corte na época, posto que continua ocupando. Todos votaram a favor
da punição do ex-presidente.
Questionado
sobre a coincidência de datas, o MF (Ministério da Fazenda) afirmou que “não
há impedimento legal para viagens compartilhadas entre autoridades dos Três
Poderes”.
O Poder360 entrou
em contato com o STF e o TSE, mas não houve manifestação dos ministros até a
publicação deste texto. O espaço segue aberto e será atualizado caso enviem um
posicionamento.
MAIORIA
COM A FAZENDA
Das
8 viagens de Moraes, 5 foram em voos requisitados pelo ministro Fernando
Haddad. A 1ª viagem foi realizada em 12 de janeiro, 4 dias depois dos ataques extremistas às sedes dos Três Poderes em Brasília.
Em
todas as viagens, o MF apresenta como justificativa compromissos de trabalho de
Haddad na capital paulista.
Não
há compromissos registrados na agenda virtual de Moraes, disponível no site do STF. Poucos dos compromissos dos
ministros são registrados na plataforma.
As
outras 3 viagens do presidente do TSE foram como acompanhante da ministra da
Saúde, Nísia Trindade, em 9 de março, e do ministro de Portos e Aeroportos,
Márcio França, em 16 de maio.
Em
resposta enviada à reportagem, o Ministério dos Portos e Aeroportos disse que
Moraes ocupou um assento ocioso no voo e citou a proximidade do magistrado com
França, chefe da pasta, uma vez que foram “colegas de secretariado no
governo de São Paulo na gestão do atual vice-presidente, Geraldo Alckmin”.
Das
7 viagens feitas pelo ministro no trecho Brasília – São Paulo, 5 foram na 5ª
feira. Segundo a grade horária do 1º semestre da Fadusp (Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo), na qual Moraes é professor associado,
suas aulas aconteceram às segundas-feiras.
VOO
PÓS-APOSENTADORIA
O
ex-ministro do STF Ricardo Lewandowski pegou carona em 4 voos, com 3 ministros
diferentes. Em 1 deles, em 10 de maio, quando já não ocupava mais uma cadeira
na Corte Superior, ele voltou de São Paulo para Brasília com a ministra do Meio
Ambiente, Marina Silva.
Lewandowski
havia deixado oficialmente seu cargo no STF em 11 de abril.
Marina
estava em São Paulo por causa de uma emergência médica. Ela foi diagnosticada com covid e estava internada no Incor (Instituto
do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP) desde 6 de
maio. Recebeu alta no dia 10 de maio, data de seu retorno a
Brasília.
O
magistrado pegou carona no voo de volta da ministra. Segundo o MMA (Ministério do
Meio Ambiente), o assento no voo foi solicitado pelo próprio Lewandowski.
As
outras viagens de Lewandowski foram:
22.mar –
pegou carona com Jorge Messias (AGU) em voo da FAB de Brasília para Recife.
Foram à cerimônia de assinatura da homologação do Acordo de Gestão
Compartilhada, entre a União e o Estado de Pernambuco, do arquipélago de
Fernando de Noronha. Lewandowski foi convidado por ter sido responsável
pela homologação do acordo;
31.mar
– um dia depois de anunciar a antecipação da sua aposentadoria, pegou
carona com o ministro Alexandre Padilha, da Secretaria de Relações
Institucionais, de Brasília para São Paulo.
GILMAR
NA POSSE DE MERCADANTE
Os
2 voos de Gilmar Mendes foram durante uma viagem de ida e volta do ministro de
Brasília para o Rio de Janeiro. Ele integrou a comitiva de Jorge Messias, da
AGU, para o evento de posse de Aloizio Mercadante como presidente do BNDES (Banco
Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social).
OUTRO
LADO
Os
ministérios que cederam lugares a ministros foram contatados. Com exceção da
Saúde, todos responderam. Leia aqui a íntegra das respostas (91 KB).
O Poder360 questionou
o STF e o TSE sobre o uso de aeronaves da FAB pelos ministros, e se houve algum
impedimento para que as autoridades usassem voos comerciais para o
deslocamento, mas não obteve resposta. O espaço segue aberto para futuras
manifestações.
O
QUE DIZ A REGRA?
As
prerrogativas para uso de voos da FAB por autoridades de Estado, com exceção ao
Presidente da República, são descritas pelo decreto 10.267, de 5 de março de 2020. Eis os principais pontos do
texto:
quem
pode pedir – ministros de Estado, o vice-presidente e os presidentes do
Senado, da Câmara e do Supremo Tribunal Federal (outros ministros do STF não
têm essa prerrogativa);
justificativa –
as viagens devem ter motivo de trabalho, segurança ou razão médica;
acompanhantes –
a comitiva deve ter “estrita ligação” com os compromissos oficiais dos
ministros.
Há,
porém, brechas dentro do decreto que acabam permitindo uma liberalidade
maior no convite a acompanhantes:
vagas
“ociosas” – o preenchimento dos assentos que “sobram” fica a
critério do ministro que solicitou o voo;
Defesa –
o ministro da Defesa “poderá autorizar o transporte aéreo de outras autoridades”.
Ou seja, pode pedir um voo que não seja para ele próprio. Nestes casos, os
registros da FAB vêm com identificação “à disposição do Ministério da Defesa”.
O Poder360 identificou 38
voos com a identificação no 1º semestre “à disposição do Ministério da
Defesa”, que podem ter servido para transportar os ministros do STF. Ou seja, é
possível que o número total de caronas tomadas pelos integrantes da Corte em
aviões da FAB seja muito maior do que o indicado neste texto.
Como
o Ministério da Defesa foi o único que se negou a compartilhar as informações,
não é possível saber o número exato.
METODOLOGIA
Os
dados de acompanhantes de voos da FAB de 2023 foram solicitados por este jornal
digital aos 37 ministérios do atual governo via Lei de Acesso à Informação.
Além
da lista integral dos passageiros, também foi requisitada a justificativa do
voo e o motivo (evento/compromisso) que levou à viagem. Foram 35
ministérios que enviaram respostas. O ministério dos Povos Indígenas não havia
respondido até a publicação deste texto, embora o prazo previsto pela Lei de
Acesso já houvesse expirado.
O
Ministério da Defesa foi o único que se negou a compartilhar os dados. Alegou “trabalhou
adicional”. O decreto 10.267 obriga o ministério a guardar as informações e
determina que ele forneça os registros em caso de pedido por LAI. Mesmo assim,
a pasta desrespeitou a orientação da lei.
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