O
STF (Supremo Tribunal Federal) chegou a um impasse para definir uma tese em um
caso relacionado com a liberdade de expressão e de imprensa.
Os
ministros julgam se e em quais casos um veículo de comunicação pode ser
condenado a pagar danos morais quando um entrevistado imputa, de forma falsa, a
prática de um ato ilícito a alguém. O tema decorre de uma ação de repercussão
geral, que pode incidir sobre casos semelhantes.
No
caso concreto que provocou a discussão --um pedido de indenização contra o
jornal Diário de Pernambuco por uma entrevista publicada em 1995--, o STF
manteve por 9 votos a 2 uma condenação do STJ (Superior Tribunal e Justiça) contra
o veículo.
O
julgamento começou em 2020, em plenário virtual, e foi paralisado duas vezes
por pedidos de vista (mais tempo para análise).
Apesar
de ter condenado o jornal, o Supremo não conseguiu firmar uma tese que se
aplique aos outros casos, em razão de divergências entre os ministros.
A
previsão agora é de que haja um novo julgamento, sem data prevista, para que os
integrantes da corte entrem em consenso ou cheguem a uma maioria a respeito de
uma tese relacionada ao tema.
O
processo que chegou ao Supremo trata da disputa do ex-deputado Ricardo
Zarattini Filho, que já morreu, contra o jornal Diário de Pernambuco.
O
deputado foi à Justiça contra o jornal devido a uma entrevista na qual o
delegado Wandenkolk Wanderley, também já falecido, dizia que Zarattini tinha
participado do atentado a bomba no Aeroporto dos Guararapes, de Recife, em
1966.
A
defesa de Zarattini sustentou que a informação não é verdadeira, que ele não
foi indiciado ou acusado pela sua prática e que não foi concedido espaço para
que ele exercesse seu direito de resposta.
O
ex-deputado foi derrotado no Tribunal de Justiça de Pernambuco, mas ganhou o
processo no STJ, com indenização por danos morais no valor de R$ 50 mil.
O
jornal recorreu ao Supremo. A defesa do Diário de Pernambuco afirmou que a
decisão do STJ contraria a liberdade de imprensa e que a condenação se deu pela
mera publicação da entrevista, sem qualquer juízo de valor.
Ressaltou
a relevância do caso sob os pontos de vista jurídico e social e que fica em
jogo a atuação dos veículos de comunicação, dado o risco de limitar o exercício
constitucional da liberdade de imprensa.
No
julgamento que se encerrou em agosto, nove ministros mantiveram a condenação do
jornal.
Um
dos ministros que votaram pela condenação, Alexandre de Moraes, destacou que os
fatos citados ocorreram em 1966 e que a entrevista foi publicada em 1995.
Segundo
ele, "no espaço de tempo transcorrido entre os dois eventos, não foi
produzida prova cabal da inocência do ofendido", mas "os documentos e
publicações tornados públicos, inclusive por outros jornais, indicavam não ter
ele participação no indigitado crime". "No curso do processo, o
jornal demandado também não comprovou a autoria do fato", disse.
Ele
afirmou que, embora o evento seja de interesse histórico, era imprescindível
que fossem tomadas cautelas para evitar macular os direitos de personalidade de
Zarattini.
O
ministro, no entanto, não conseguiu formar uma maioria ao propor uma tese que
valesse para outros casos. Com ele, votaram outros 4 dos 11 ministros: Dias
Toffoli, Ricardo Lewandowski (agora já aposentado), Luiz Fux e Gilmar Mendes.
Moraes
disse que, embora não permita censura prévia à imprensa, admite-se a
possibilidade posterior de análise e responsabilização "por informações
comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas e em relação a
eventuais danos materiais e morais".
"Os
direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção
constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo
intransponível por intromissões ilícitas externas", disse Moraes.
Em
seu voto, ele justificou que "a conduta dos meios de comunicação configura
abuso do poder de informação quando atua sem as devidas cautelas para a
verificação da veracidade das informações veiculadas".
"Principalmente
nos dias de hoje em que nos deparamos com o fenômeno das 'fake news', ou quando
não oferecem àqueles que possam ser atingidos em sua honra ou imagem pelas
notícias divulgadas oportunidade para apresentar outra versão dos fatos",
acrescentou.
"Nesses
casos, portanto, a responsabilização dos veículos de imprensa, com a aplicação
de penalidades a posteriori, não configura, de modo algum, censura."
Outros
ministros votaram de forma diferente de Alexandre de Moraes. Luís Roberto Barroso
também manteve a condenação do jornal, mas propôs outra tese.
Para
ele, "na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa
falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá
ser responsabilizada civilmente" se à época da divulgação havia indícios
concretos da falsidade da imputação e se o "veículo deixou de observar o
dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da
existência de tais indícios".
Ele
foi seguido pela ministra Cármen Lúcia e pelo ministro Kassio Nunes Marques.
Já
Edson Fachin manteve a condenação do jornal, mas sugeriu uma terceira tese.
Para ele, seria somente devida indenização por dano moral a empresa
jornalística quando, "sem aplicar protocolos de busca pela verdade
objetiva e sem propiciar oportunidade ao direito de resposta, reproduz
unilateralmente acusação contra ex-dissidente político, imputando-lhe crime
praticado durante regime de exceção".
Marco
Aurélio, também já aposentado, e Rosa Weber, se manifestaram contra a
condenação do jornal. Os dois sustentaram a tese de que "empresa
jornalística não responde civilmente quando, sem emitir opinião, veicule
entrevista na qual atribuído, pelo entrevistado, ato ilícito a determinada
pessoa".
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