Ex-advogado que atuou na reabilitação política de Luiz Inácio Lula da Silva – e, em última linha, pelo retorno do petista à Presidência da República –, Cristiano Zanin mal completou um mês no cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e já atraindo críticas de membros da esquerda com seus posicionamentos como membro da mais alta corte do país.
Zanin chegou ao Supremo em 3 de agosto por indicação de Lula, após obter a anulação dos processos da Lava Jato por fazer prevalecer na corte que hoje integra o entendimento de que o juiz encarregado da operação à época, o hoje senador Sergio Moro (União Brasil-PR), feriu seu dever de garantir ao réu um julgamento imparcial.
A
escolha do advogado – o primeiro de um total de duas indicações que Lula poderá
fazer em seu terceiro mandato – foi criticada não só pela proximidade com o petista, mas também por ele ser
considerado uma incógnita: sua até então discreta atuação profissional,
majoritariamente em defesa de interesses empresariais, pouco revelava sobre as convicções do futuro ministro do
Supremo e a leitura que ele faria do texto constitucional.
Outros,
especialmente na esquerda, apontaram ainda que a nomeação dele ignorou demandas
da sociedade civil por maior representatividade num Judiciário
predominantemente branco e masculino – demandas essas que ganharam novo fôlego
ante decisões do ministro tidas como conservadoras, especialmente em temas de
costumes.
Contra
descriminalização do uso da maconha
Em
sessão desta quinta-feira (24/08), Zanin votou contra a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal,
recebendo elogios de conservadores linha-dura.
Ao
proferir seu voto, o ministro falou em "combate às drogas" e
agravação de "problema de saúde", mas votou a favor sobre a
necessidade de fixar parâmetros objetivos para diferenciar usuário de maconha e
traficante – ou seja, quem vai para a cadeia e quem cumpre medida
socioeducativa.
Com
isso, o placar ficou em 5 a 1 pela descriminalização e o julgamento voltou a
ser suspenso após pedido de vista do ministro André Mendonça. Além de Mendonça,
faltam ainda os votos de André Mendonça, Kassio Nunes Marques, Cármen Lúcia,
Luiz Fux e Dias Toffoli. Rosa Weber, embora ainda não tenha proferido seu voto,
já adiantou que é favorável à descriminalização. No caso da votação dos
parâmetros, o placar está 6 a 0.
O
voto de Zanin no caso da descriminalização provocou críticas de políticos de
esquerda.
"Lamentável
o voto de Zanin. Descriminalizar a posse de drogas é essencial para combater o
encarceramento em massa e a suposta 'guerra às drogas', que afeta sobretudo
pobres e negros. A próxima indicação de Lula ao STF deve representar as lutas
democráticas e progressistas", escreveu a deputada Sâmia Bonfim (PSOL-SP).
"Mais
do que nunca, precisamos de uma ministra negra e progressista no STF",
escreveu a deputada Erika Hilton (PSOL-SP).
Manteve
condenação por bens avaliados em R$ 100
Zanin
também votou para manter a condenação de dois homens que roubaram bens
avaliados em um total de R$ 100: um macaco hidráulico, dois galões de
combustível e uma garrafa de óleo diesel.
Pelos
crimes, um dos réus foi sentenciado a uma pena restritiva de direitos e o
segundo, a 2 anos e 26 dias de reclusão em regime semiaberto.
A
defesa pedia a anulação das condenações sob o argumento de que os itens
roubados eram de baixo valor e que foram posteriormente recuperados pela vítima
do furto – pelo princípio da insignificância, não faz sentido o Judiciário se
ocupar de furtos famélicos ou de baixo valor, que têm alto custo social e
humano para os réus, além de sobrecarregarem o aparato público.
Zanin,
porém, afastou a tese da insignificância e, alegando tratar-se de reincidência
e furto qualificado, votou pela manutenção da condenação dos dois homens. Ainda
faltam os votos de quatro ministros.
Foi
contra equiparar LGBTQIA+ a crime de injúria racial
Também
nesta semana, Zanin foi o único dentre os seus colegas da Corte a votar contra
a equiparação do crime de homofobia e transfobia ao de injúria racial, aprovado
por 9 votos a 1 – o ministro André Mendonça se absteve de votar ao declarar-se
impedido.
Em
seu voto, Zanin alegou questões técnicas processuais, afirmando que a
equiparação não estava na petição inicial, e que por isso não cabia decisão
sobre o mérito da causa.
Em
janeiro deste ano, foi sancionada uma lei que equipara o crime de injúria
racial – direcionada ao indivíduo – ao de racismo – quando a coletividade é
afetada. Com a medida, a injúria racial passou a ser também um crime
inafiançável e imprescritível – ou seja, sem prazo para que os autores sejam
punidos pela Justiça –, passível de punição entre 2 e 5 anos de prisão e multa.
O
STF já havia enquadrado em 2019 a homofobia e a transfobia como crimes de
racismo.
Contra
impedimento de juiz em casos representados por escritórios de parentes
Logo
em sua estreia, Zanin também proferiu outro voto polêmico ao se manifestar
favoravelmente à inconstitucionalidade de uma norma que impede juízes de
atuarem em processos de clientes de escritórios de advocacia onde trabalhem cônjuges,
parceiros ou familiares dos magistrados, desde que eles não atuem diretamente
nos casos.
A
esposa de Zanin, a advogada Valeska Teixeira Zanin Martins, foi sócia do
ministro.
Além
dele, votaram pela derrubada do dispositivo os ministros Luiz Fux, Kássio Nunes
Marques, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli.
No
futuro deve se pronunciar sobre Marco Temporal e aborto
Zanin,
porém, já proferiu votos que agradaram a defensores dos direitos humanos, como
quando foi favorável à proibição da remoção e transporte forçado de pessoas em
situação de rua por parte de autoridades públicas.
O
ministro deve participar de outros julgamentos polêmicos na corte, como o
da tese do Marco Temporal, que restringe demarcações de terras
indígenas. A posição de Zanin sobre o tema permanece uma incógnita.
Outra
questão em análise no Supremo, a descriminalização do aborto para além das
possibilidades atualmente previstas em lei – em casos de gestações de bebês
anencéfalos, estupro ou quando há risco à vida da gestante – pode não ser
apoiada por Zanin, a julgar pelo posicionamento do ministro em sabatina no
Senado.
A
ação, proposta pelo PSOL, defende a descriminalização da interrupção da
gravidez com consentimento da gestante nos primeiros três meses de gestação, e
é relatada por Weber, atual presidente da corte.
Fonte: DW Brasil
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