Rim, fígado, coração, pâncreas, pulmão e córnea. A lista de transplantes no país tem hoje 66 mil pacientes à espera de algum ou mais de um desses órgãos. Pessoas que dependem da doação e do esclarecimento de outros para continuarem vivendo, ou tendo mais qualidade de vida.
O transplante de órgãos no Brasil hoje só acontece quando a família do doador permite a doação, como explica a coordenadora-geral do Sistema Nacional de Transplantes (SNT) do Ministério da Saúde, Daniela Salomão.
“A
doação no Brasil hoje é do modelo consentido. Ou seja, você só é doador se sua
família autorizar o consentimento da doação. Então, no momento do nosso
falecimento, a família é entrevistada e opta ou não pela autorização da doação.
E é a única forma de nos tornarmos doadores hoje.”
Por
isso, o “setembro verde” é o mês dedicado à conscientização da doação. Para que
a informação chegue ao maior número de pessoas e essa fila, que ultrapassa os
66 mil, possa diminuir. Mas não é só a vontade de doar que decide o futuro de
um transplante. Há critérios como: compatibilidade sanguínea, tipo físico e até
a distância entre doador e paciente podem definir quem receberá um órgão doado.
O
rim no topo da lista
De
acordo com o levantamento diário feito pelo Ministério da Saúde, até o dia 21
de setembro deste ano, 37.281 pessoas esperavam por um rim no Brasil. O estado
de São Paulo lidera com mais pacientes, 19.658. Por outro lado, também é o
órgão mais transplantado, foram 4.206 cirurgias desse tipo só em 2023.
A
médica nefrologista e especialista em transplante renal Rubia Boaretto, de
Cascavel, no Paraná, explica as principais causas da falência renal — motivo
que leva as pessoas à diálise e que tem o transplante como solução — na maioria
dos casos.
“Doenças
como diabetes de hipertensão — que podem ser tratadas — mas passam muito
tempo sem diagnóstico e manejo correto, levando à perda do órgão. Além da falta
de informação a respeito das doenças renais, que passam assintomáticas. E o
fato de a população estar envelhecendo, esse tempo de acometimento que lesam o
rim é cada vez maior. E o envelhecimento, por si só, contribui para a doença
renal.”
Segundo
a médica, “as chances de uma vida normal após o transplante são de 100%. Há uma
recuperação na qualidade de vida exponencial e as taxas de mortalidade são
muito menores quando se transplanta em comparação com os pacientes que ficam na
diálise — seja na hemodiálise ou na diálise peritoneal.”
O
paciente transplantado ainda consegue ter melhorias em:
menos
fraqueza, cansaço e indisposição;
reversão
completa da anemia;
controle
do balanço hídrico — paciente consegue beber líquidos à vontade;
equilíbrio
hormonal e melhoria da qualidade sexual;
liberdade
para viajar e ter uma vida normal.
Luz
no fim da fila
Em
2021, a cantora brasiliense Simone Ribeiro, na época com 51 anos, usava lentes
de contato para corrigir uma grave miopia. Como costumava dormir com as lentes
e não fazia a higiene correta, acabou pegando uma bactéria e — em poucos
dias — desenvolveu uma úlcera na córnea que culminou na perda da
visão.
Foram
vários meses de tratamento com antibióticos fortíssimos, até que a lesão fosse
curada e ela pudesse, então, entrar na fila do transplante para ter uma chance
de voltar a enxergar. Em novembro do ano passado, Simone foi inscrita na lista
e, desde então, espera pelo órgão.
“A
minha expectativa é que eu não tenha rejeição e que eu consiga enxergar pelo
menos 80% do olho direito, já que hoje não enxergo nada dele.”
Segundo
a médica oftalmologista do hospital CBV de Brasília Fabiola Gavioli, apesar da
maior parte dos transplantes serem bem sucedidos e devolver a visão ao paciente
enxertado, ainda existe um índice de rejeição.
“A
córnea é um tecido, por isso ela traz consigo algumas informações genéticas do
doador. E ela tem um índice de rejeição de 15%, considerado um índice pequeno.
Como não tem sangue, é um índice de rejeição menor que outros órgãos, como
fígado e rins, por exemplo.”
Hoje,
245 pessoas estão na frente de Simone na lista para receber o órgão. Segundo
ela, todos os exames pré-operatórios já foram feitos, mas ela imagina que só
deve receber o novo órgão dentro de um ano. E teme ficar sem enxergar também do
olho sadio, já que o grau é alto e tende a aumentar ainda mais com o avançar da
idade.
“Eu
parei de trabalhar na música porque não estava enxergando as letras. Hoje eu só
enxergo com o olho esquerdo, mas ele está com uma lente de 10 graus e o médico
falou que a tendência é aumentar, devido à minha idade.”
Córnea:
fila grande apesar de menos critérios
A
lista de espera por uma córnea soma 25.945 pessoas. Segundo a oftalmologista
Fabíola Gavioli, para doar a córnea não é necessário ter compatibilidade
sanguínea, de idade, física, “porque o que a gente leva em consideração é a
avaliação do tecido, a quantidade de células, a vitalidade que ela tem.”
“Eu
posso ter uma córnea jovem, mas que já está bastante comprometida no
momento da doação, ou posso ter uma córnea de 60 anos, mas que está ótima. É
legal isso da córnea justamente porque a quantidade de pessoas que podem ser
doadoras é muito maior.”
Além
disso, um doador pode beneficiar dois pacientes. Apesar da maior facilidade na
doação nesse órgão, de acordo com dados do Conselho Brasileiro de Oftalmologia
(CBO), entre 2019 e 2022, o número de pacientes aguardando o órgão duplicou,
passando de 12.212 para 24.319.
Segundo
a oftalmologista, a pandemia agravou esse aumento, já que “durante todo o ano
de 2020 ficamos sem receber o órgão e sem fazer as cirurgias, porque sabíamos
muito pouco sobre a COVID.”
O
Ministério da Saúde confirma que a pandemia atrasou a fila de doação e de
cirurgias de transplantes, mas segundo a coordenadora-geral do SNT, tudo já foi
normalizado.
“A
pandemia impactou negativamente no número de doadores por conta de a maioria
dos pacientes que estavam em UTIs, estavam lá por causa da Covid. E como
naquele momento não se entendia direito a forma de contágio, por isso o
paciente com Covid não podia ser doador — o que gerou uma diminuição do
número de possibilidades de doação.”
De
janeiro até hoje, segundo o Ministério da Saúde, foram feitas 11.274 cirurgias
de transplante de córnea no Brasil, a maioria, 4.230 no estado de São
Paulo.
Fonte:
Brasil 61
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