foto : Estadão
No
Brasil, muitas mudanças ainda precisam ser implementadas para vencer as
desigualdades e melhorar os resultados na alfabetização. É o que mostra a
última edição da avaliação Progress in International Reading Literacy Study
(Pirls), realizada em 2021.
Na
comparação com os 43 países que aplicaram os testes no 4.° ano do fundamental,
o Brasil teve média de 419 pontos (entre zero e mil), pouco acima da pontuação
mais baixa da escala. Assim, ficou atrás de Usbequistão e Azerbaijão e
estatisticamente empatado com Irã, Kosovo e Omã.
A
avaliação mede as habilidades de leitura dos estudantes, analisando se são
capazes de localizar informações, interpretar, articular ideias e analisar de
forma crítica o conteúdo do texto. Foi a primeira vez que o Brasil participou dessa
avaliação organizada pela IEA (International Association for the Evaluation of
Educational Achievement), cooperativa internacional de instituições de
pesquisa, acadêmicos e analistas.
A edição de 2021 enfrentou alguns desafios logísticos de aplicação, por causa da pandemia. Alguns países, como os Estados Unidos, não aplicaram o exame no 4º ano escolar, mas no 5º. Outras nações, como o Japão, não participaram da avaliação, que é viabilizada por adesão dos governos locais. Já o Canadá fez aplicações por províncias, como Quebec.
O
desempenho no Pirls revela que crianças de nível socioeconômico mais alto
tiveram média de 546 pontos, enquanto as de nível mais baixo pontuaram 390. “Os
nossos alunos vulneráveis vão muito pior que os alunos vulneráveis de outros
países”, analisa Ernesto Faria, diretor executivo do Interdisciplinaridade e
Evidências no Debate Educacional (Iede).
Enquanto
38,4% dos alunos não chegaram sequer ao patamar básico da escala (400 pontos),
apenas 2,1% alcançaram notas compatíveis com o avançado (acima de 625). “Alunos
que não chegam nessa pontuação mínima muito provavelmente não estão
alfabetizados, o que deve fazer a gente refletir”, observa Ernesto.
Em
nota, o Ministério da Educação (MEC) reconhece o “cenário desafiador” e afirma
que tem “trabalhado nos últimos meses em políticas voltadas à educação básica e
à formação de docentes alfabetizadores em vários eixos”. Um deles é o Criança
Alfabetizada, em colaboração com Estados e municípios, que terá investimento de
R$ 1 bilhão em 2023 e mais R$ 2 bilhões nos próximos três anos. Segundo o MEC,
o programa já recebeu adesão de 5.390 cidades brasileiras, o que representa 96,8%
do total.
Lições
internacionais
O
Brasil foi o único participante da América Latina. De acordo com Giovana Zen,
professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e presidenta da Rede
Latino-americana de Alfabetização, é preciso cautela para que a medição da
qualidade da educação básica não desencadeie uma corrida por resultados
rápidos.
“As
práticas aligeiradas e instrumentais de formação, aliadas a uma perspectiva
reducionista do que se pode entender por alfabetização, imperam nas políticas
públicas da América Latina e precisam ser repensadas urgentemente”, afirma ela.
Professora
alfabetizadora em comunidades rurais de São Luís e uma das coordenadoras da
organização Conectando Saberes no Nordeste, Vanessa Martins realizou, em junho,
uma imersão em duas escolas de Santiago.
“Foi
aí que pude perceber a importância da continuidade dos projetos. (No Chile) os
gestores escolares são contratados para, no mínimo, dez anos de serviço na
escola”, conta a educadora. “No Brasil, se na próxima eleição o prefeito sai,
os programas que ele desenvolve vão ser cortados e virão outros.”
O
país andino chama atenção por ter resultados melhores que os do Brasil em
avaliações internacionais, como Pisa. Destaque ainda maior teve Portugal. Em
2006, o governo português criou o Plano Nacional de Leitura (PNL), que propõe
metas e indicadores e tem ações para públicos-alvo distintos, como escolas,
museus e bibliotecas.
Diretora
do Centro de Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Claudia
Costin destaca o foco dado pela Inglaterra a processos, ainda na educação
infantil, com a consciência fonológica. Os alunos, de acordo com ela, fazem
testes sobre seu domínio das correspondências fônicas (sons das letras e
sílabas) para o aprendizado da leitura e da escrita.
O
que o Brasil pode fazer
Melhores
estratégias de avaliação e ensino em tempo integral são alguns dos desafios
levantados por especialistas. E a necessidade de aprimorar a formação de
professores é consenso. “Formar professores é tão complexo quanto formar
médicos. Ninguém pensa em formar médico por ensino a distância, mas, infelizmente,
se formam muitos professores por um EAD precarizado”, diz Claudia, que já foi
diretora de Educação do Banco Mundial. Hoje, 1,6 milhão de estudantes cursam
licenciaturas no Brasil – 60% delas em graduações a distância.
Para
Vanessa Martins, o professor alfabetizador tem uma complexidade de atuação que
vai além da formação teórica, pois contempla processos cognitivos e emocionais
para auxiliar a criança na transição de etapas de desenvolvimento. “Digo, por
experiência própria, que a professora que sou hoje foi construída ao longo de
vários anos em sala de aula.”
A
transição demográfica vivida pelo País pode ajudar no desenho de novas
políticas públicas. Com número menor de crianças entre a população, podem se
tornar realidade salas com poucos alunos, mais vagas em creches e atividades de
qualidade no período do contraturno.
Assim,
diminui a necessidade geral de professores, mas aumenta a demanda de docentes
que podem atuar em uma única escola e pensar sobre a sua prática
colaborativamente com os colegas. “Isso vai permitir, progressivamente, colocar
as crianças em escolas de sete horas (ensino de tempo integral), como em outros
países”, aponta. Ela lembra que o País está entre as 15 maiores economias do
mundo. “O Brasil não tem o direito de pensar pequeno em educação.”
Um
bom parâmetro para medir os avanços na alfabetização, na opinião de Ernesto
Faria, seria a formação de crianças capazes de ler textos minimamente complexos
aos 10 anos, como preconiza o Pirls. “Não vai ser fácil chegar na média dos
países desenvolvidos daqui a cinco ou dez anos, mas deveria ser um compromisso
nosso que, no máximo, 5% das crianças estejam abaixo de 400″, defende.
Inspiração
de fora
Portugal: O
país europeu (que tem se destacado por um desempenho que melhora a cada edição
do programa de avaliação Pisa) criou, em 2006, o Plano Nacional de Leitura, com
ações voltadas não só a escolas e professores, mas museus, universidades e
bibliotecas.
Inglaterra: O
sistema inglês investe em processos de consciência fonológica (conexão de sons
com letras e sílabas) ainda na educação infantil.
Chile: Ali, a Lei de Subvenção Escolar Preferencial destina uma parcela maior dos recursos da educação para a população mais vulnerável.
fonte: Estadão
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