Por: Daniel Arruda
Introdução
O
superendividamento de consumidores no Brasil é caracterizado pela
impossibilidade de pessoas físicas quitarem a totalidade de suas dívidas sem
comprometer o atendimento de suas necessidades básicas. Diante dessa questão,
que afeta uma parcela substancial dos consumidores brasileiros, foi promulgada
em julho de 2021 a Lei nº 14.181/2021, comumente
conhecida como a "Lei do Superendividamento". Essa legislação visa
aperfeiçoar o controle sobre a concessão de crédito aos consumidores, além de
estabelecer métodos de prevenção e apoio para indivíduos que se encontram em
situação de endividamento excessivo (BALERA, 2021).
A
recém-aprovada Lei nº 14.181/2021 estipula o
superendividamento como o estado no qual um consumidor reconhece sua
incapacidade de honrar todas as suas dívidas adquiridas, sem comprometer o
mínimo necessário para sua subsistência. A situação de superendividamento no
Brasil permanece em níveis alarmantes, demonstrando um crescimento constante.
Portanto, é crucial promover uma discussão abrangente sobre o assunto, com o
objetivo de assegurar uma aplicação efetiva da lei que concede proteção ao
consumidor em estado de superendividamento (BRASIL, 2021).
Antes
da promulgação da Lei nº 14.181/2021, não havia uma
regulamentação específica que tratasse da prevenção e assistência aos cidadãos
envolvidos no cenário do superendividamento. Essa norma introduziu mudanças
substanciais que beneficiam aqueles que se enquadram na categoria dos
consumidores sobrecarregados com dívidas (SILVA, 2020). Isso foi feito ao
fortalecer os direitos dos consumidores, promovendo a ideia de honestidade e
lealdade na concessão de crédito, estabelecendo o direito de reconsideração
como um mecanismo preventivo contra o fenômeno em questão e, além disso,
fornecendo recursos para auxiliar aqueles que já se encontram em situação de
superendividamento.
Diante
disso, o presente estudo possui como objetivo discorrer, de maneira abrangente,
acerca da Lei nº 14.181/2021, conhecida como
Lei do superendividamento, destacando suas características, aplicabilidade,
desafios e benefícios da sua inserção.
A Lei nº 14.181 de 2021:
conceituação e características gerais
O
Estatuto do Consumidor tem desempenhado um papel fundamental na preservação dos
direitos dos compradores, que frequentemente ocupam a posição mais frágil em um
contexto de transações comerciais. De fato, inúmeras têm sido as melhorias
trazidas por essa legislação na proteção dos compradores, na formulação de
diretrizes de interesse público e relevância social, em conformidade com
a Constituição
Federal de 1988, que estabeleceu a salvaguarda do consumidor como um
direito fundamental e garantia (FERREIRA, 2022).
Apesar
do notório progresso alcançado, a inerente natureza das relações humanas e a
construção de seus compromissos legais, que vêm se desdobrando de maneira
altamente dinâmica, conduzem ao surgimento de novas questões e dilemas que
necessitam de resolução. Para atender a essa exigência, tais problemas são
submetidos ao exame do Poder Judiciário (BALERA, 2021).
Dentro
deste contexto, um dos desafios contemporâneos mais prementes consiste no
fenômeno do excessivo acúmulo de dívidas, especialmente à luz da facilidade de
acesso ao crédito disponível no mercado ao alcance dos consumidores. Ainda que
seja uma ocorrência comum que as famílias se endividem em resposta à atual
cultura de consumo, a problemática assume proporções mais acentuadas no cenário
do superendividamento, que se caracteriza pela manifesta incapacidade do
consumidor em quitar a totalidade de suas obrigações financeiras sem prejudicar
sua subsistência fundamental (MIRAGEM, 2021).
Nesse
cenário, é notável que o superendividamento, ao absorver grande parte da renda
do consumidor e de sua família, tem tido um impacto significativo nas condições
mínimas para a sobrevivência e na preservação do bem-estar essencial das
pessoas, o que vai de encontro ao princípio da dignidade humana. Diante do
atual quadro econômico, que se caracteriza pelo aumento da inflação e do
desemprego, há uma tendência para que os indicadores referentes ao
endividamento das famílias se deteriorem ainda mais (MARQUES, 2019).
Além
disso, a democratização do acesso ao crédito para um grande número de
brasileiros tem trazido uma série de vantagens, mas também tem contribuído para
o desequilíbrio financeiro. Apesar de essa questão não ser nova, uma vez que
o Código de Defesa do Consumidor foi
implementado no Brasil na década de 90, enquanto nos Estados Unidos e na Europa
já existiam leis em vigor voltadas para a proteção de indivíduos
superendividados, somente em 2021 o CDC incorporou um
capítulo exclusivo dedicado à prevenção e ao tratamento do superendividamento.
Isso ocorreu por meio da promulgação da Lei nº 14.181 em 1º de julho de
2021, a qual estabeleceu normas específicas sobre o tema (CNJ, 2021).
O
recente estatuto legal surgiu como consequência do Projeto de Lei nº
3.515/2015, o qual tramitou no Congresso Nacional durante um período de 6 anos,
após diversos projetos anteriores sobre o mesmo tema que não obtiveram êxito.
As novas disposições relativas ao superendividamento trouxeram uma série de
inovações em favor do consumidor que enfrenta sobrecarga de dívidas, incluindo
a oportunidade de realizar negociações de forma conjunta (BRASIL, 2021).
A
aprovação da Lei nº 14.181/2021 marcou um
significativo triunfo para a causa dos consumidores e não apenas introduziu
ajustes no Código de Proteção ao Consumidor, mas também promoveu alterações
no Estatuto do Idoso (Lei
nº 10.741, de 1º de outubro
de 2003). Tal reforma decorre da particular vulnerabilidade desse grupo em
contextos comerciais, dado que frequentemente se tornam alvo de práticas de
empréstimo abusivas que consomem a maior parte de seus recursos provenientes de
aposentadorias e benefícios (SILVA, 2020).
Dessa
forma, um segmento da população muitas vezes relacionado ao superendividamento
é a faixa etária de idosos, os quais, ao buscarem condições mais vantajosas
para adquirir crédito, às vezes perdem o controle de suas obrigações
financeiras devido à ausência de um planejamento financeiro adequado (BALERA,
2021).
Os
benefícios da lei do superendividamento
No
dia 2 de julho de 2021, entrou em vigor a Lei nº 14.181/2021, que foi
promulgada com o intuito de aperfeiçoar a regulamentação do crédito concedido
aos consumidores e estabelecer diretrizes para a prevenção e tratamento
daqueles que enfrentam o superendividamento.
A
nova lei promoveu alterações na Lei nº 8.078, de 11 de setembro
de 1990 (Código de Proteção ao Consumidor) e na Lei nº 10.741, de 1º de outubro
de 2003 ( Estatuto do Idoso).
Conforme mencionado por Marques, "a Lei 14.181/2021 representa uma
verdadeira transformação no âmbito do Direito Privado ao valorizar o
microssistema do Código de Defesa do Consumidor".
Além disso, a autora ressalta que a referida lei "atualiza o Código de Defesa do Consumidor ao
introduzir dois novos capítulos no Código" (BRASIL, 2021).
Frente
à situação pandêmica que impactou globalmente a partir de 2019, as relações comerciais
e as transações de consumo sofreram abalos significativos, afetando tanto os
consumidores quanto os fornecedores e prestadores de serviços. Dessa forma, a
discussão sobre o superendividamento do consumidor, que já era de grande
relevância, tornou-se ainda mais premente, sendo motivo de inquietação para
aqueles que defendem os princípios fundamentais do direito do consumidor. A
esse respeito, Garcia (2020) faz a seguinte observação:
Com
a irrupção da pandemia da COVID-19, a tendência é que o superendividamento, que
antes já era considerado um fator de exclusão social, agora passe a se tornar
um problema ainda mais relevante, pois a desaceleração da economia, como
decorrência do prolongado isolamento social, tende a aumentar sobremaneira os
níveis de endividamento da população.
Assim,
no decorrer de 2021, em um contexto que se revelou crítico para os
consumidores, uma vez que, conforme relatado por Conselho Nacional de Justiça
(2021) entre fevereiro e março daquele ano, "o número de pessoas com
dívidas no Brasil cresceu de 61,56 milhões para 62,56 milhões de indivíduos,
correspondendo a 57,4% da população adulta do país," foi aprovada a Lei
nº 14.181/2021. Essa
regulamentação tem como finalidade, por meio das alterações mencionadas
anteriormente, facilitar a reintegração social de milhões de cidadãos excluídos
da plena participação na sociedade de consumo devido ao significativo acumular
de obrigações financeiras ao longo do tempo. (MIRAGEM, 2021)
A
partir desse ponto, a regulamentação mencionada introduziu duas novas seções no
conjunto de regras de defesa do consumidor, que foram denominadas
"Relativas à prevenção e tratamento do superendividamento" e "Em
relação à conciliação no superendividamento". Conforme observado por
Marques, o primeiro desses segmentos tem por objetivo promover a concessão de
crédito de forma responsável, assegurando que os consumidores tenham acesso a
todas as informações essenciais para uma avaliação mais criteriosa de suas
condições de crédito e, ao mesmo tempo, reduzir o assédio de consumo no mercado
brasileiro (BALERA, 2021).
No
que diz respeito ao segundo tópico, sua finalidade reside em estabelecer um
plano de quitação das dívidas, com o propósito de possibilitar a exclusão do
nome do devedor dos registros de inadimplência. O objetivo subjacente é
estimular o cumprimento das obrigações financeiras, o que, por conseguinte,
concorrerá para atenuar o problema da exclusão social enfrentado por esses
consumidores. Além disso, a autora segue enfatizando cinco elementos
relacionados às modificações trazidas pela Lei nº 14.181/2021 no Código do
Consumidor, a saber (BRASIL, 2021):
a)
A prevenção do superendividamento por meio de práticas de concessão de crédito
responsável é estipulada nos artigos 54-B, 54-C e 54-D da legislação. Essas
cláusulas garantem que as informações necessárias sejam fornecidas previamente,
com a oferta mantida válida por um período de 48 horas, enquanto a publicidade
é rigorosamente controlada para assegurar que o consumidor seja devidamente
informado. Esse processo capacita o consumidor a gerenciar seus gastos de
acordo com seus recursos financeiros disponíveis (FERREIRA, 2022).
b)
A mudança em relação às condutas dos fornecedores, com o propósito de aprimorar
a adesão aos princípios da honestidade e imparcialidade, conforme estabelecido
nos artigos 54-G e 54-F, e ao mesmo tempo, reforçar o conteúdo do artigo 49 do
Código de Proteção do Consumidor, que aborda a possibilidade de rescisão do
contrato (BRASIL, 2021);
c)
A asseguração do nível mínimo indispensável na concessão de crédito e na reestruturação
de dívidas;
d)
Uma abordagem fresca na assistência ao consumidor sobrecarregado com dívidas,
através da utilização de procedimentos de conciliação em grupo e a formulação
de um novo esquema de quitação.
e)
A implementação de dispositivos destinados à resolução de litígios judiciais
envolvendo consumidores superendividados, mediante a criação de unidades
especializadas em conciliação e mediação. Nessa mesma vertente, Moraes destaca
que a legislação trouxe inovação ao incorporar métodos de conciliação e
mediação para a reestruturação de obrigações financeiras, com o propósito de
proporcionar uma mudança na situação econômica do consumidor em
superendividamento (BRASIL, 2021).
Conclusão
Neste
estudo, foram investigadas as dinâmicas das relações de consumo e a
problemática do superendividamento, considerando as disposições da Lei nº 14.181/2021. A principal
finalidade dessa legislação é otimizar o controle sobre a concessão de crédito
aos consumidores, estabelecendo diretrizes específicas para prevenir e abordar
a questão do superendividamento.
Essa
regulamentação representa uma conquista significativa para os estudiosos da
área do direito do consumidor, uma vez que, desde a promulgação da Constituição de
1988, que tem como base o princípio da dignidade da pessoa humana,
tornou-se ainda mais crucial que o Estado se dedique às políticas públicas e
programas destinados a proteger os consumidores, que invariavelmente ocupam a
posição mais frágil nas relações comerciais.
A
situação de endividamento excessivo no Brasil surge como um desafio de
considerável magnitude, notadamente quando se considera o potencial impacto na
habilidade do consumidor e de sua família em manter uma renda adequada para a
subsistência, o que poderia resultar em uma violação do princípio da dignidade
da pessoa humana.
Dentro
desse contexto, a legislação relacionada ao superendividamento tem como intuito
principal assegurar a preservação das condições básicas de sobrevivência
daqueles que se encontram nessa condição, ou seja, daqueles que não conseguem
honrar suas obrigações financeiras sem prejudicar o mínimo existencial.
Referências
BALERA,
Wagner. A inclusão dos excluídos: nova lei reguladora do
superendividamento. Revista do Consultor Jurídico, 28 jul. 2021.
BRASIL. Conselho
Nacional de Justiça. CNJ Serviço: o que muda com a lei do
superendividamento? Brasília, 6 de agosto de 2021c. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/cnj-servicooque-muda-comalei-do-superendividamento/.
Acesso em: 20 de Outubro de 2023.
BRASIL. Lei
nº 14.181, de 1º de julho de
2021a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14181.htm.
Acesso em: 20 de outubro de 2023.
FERREIRA,
Emanuel Santos Mota. As facetas do fenômeno do superendividamento no
Brasil, à luz do agravamento das vulnerabilidades do consumidor diante da
pandemia da Covid-19 e da recente aprovação da Lei 14.181 de 2021. Orientadora:
Keila Pacheco Ferreira. 2022. 78 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação
em Direito) - Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2022.
GARCIA,
Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor. 14ª ed. Salvador:
Juspodivm, 2020.
MARQUES,
Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor:
o novo regime das relações contratuais. 9. ed. São Paulo: Thomson Reuters
Brasil, 2019.
MIRAGEM,
Bruno. Direito Civil. Direito das obrigações. 3. ed. rev. e atual.
Rio de Janeiro: Forense, 2021.
SILVA,
Joseane Suzart Lopes da; MARTINS, Guilherme Magalhães. Brasil não pode
ignorar milhões de consumidores superendividados. Conjur, jun. 2020.
Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jun-10/garantias-consumo-pais-nao-ignorar-superendividam ento-milhoes-consumidores.
Acesso em 20 de outubro de 2023.
Fonte: O artigo foi publicado, originalmente, pela revista Jusbrasil
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