MASSA X MILEI : um deles vai presidir a Argentina


Em meio a cenário de degradação econômica, disputa do 2° turno conta com duas personalidades e projetos opostos: continuidade do "camaleão" peronista Sergio Massa e ruptura radical do "Bolsonaro argentino" Javier Milei.



© Emiliano Lasalvia/Tomas Cuesta/AFP/Getty Images

Por:  Jean-Philip Struck/DW Brasil


Os eleitores da Argentina voltam às urnas neste domingo (19/11) para o segundo turno das eleições presidenciais. Na disputa, estão o ministro da Economia, Sergio Massa (peronista de centro), e o outsider Javier Milei (ultraliberal populista), duas personalidades opostas e que representam dois modelos completamente distintos para o futuro do país, que no momento atravessa (mais) uma profunda crise econômica, marcada por inflação galopante, desvalorização cambial e avanço dramático da pobreza.


O primeiro modelo, proposto por Massa, representa uma certa continuidade, tanto política quanto em alguns aspectos da economia, embora o candidato seja identificado mais com o centro do peronismo, e não com a esquerda do movimento, representada pelo atual presidente Alberto Fernández e a vice Cristina Kirchner. Massa também defende a manutenção da ampla rede de subsídios sociais em prática no país, onde 40% da população é afetada pela pobreza.


O segundo modelo, defendido por Milei, engloba uma ruptura drástica na castigada economia argentina, promovendo uma dolarização total, a extinção do Banco Central e um corte dramático nos gastos estatais, incluindo a rede de subsídios, cujos altos custos são apontados como uma das causas da inflação galopante no país.


As últimas pesquisas indicam que o resultado do pleito deve ser apertado entre os dois candidatos, com vários levantamentos indicando empate técnico ou uma pequena vantagem de Milei.


Sergio Massa: o ambicioso camaleão peronista


Candidato mais votado no primeiro turno, Massa, da coalizão União pela Pátria (UP), é o principal nome do peronismo neste pleito, sendo uma figura mais de centro do movimento. Iniciado por Juan Domingo Perón nos anos 1940, o peronismo um dos principais movimentos políticos ou formas de organização política do país há décadas, e já foi descrito como um "Frankenstein" por abarcar correntes extremamente distintas, sendo dominado tanto por esquerdistas nos anos 2000 quanto por neoliberais nos anos 1990.


A própria carreira política de Massa, de 51 anos, é tão cheia de reviravoltas quanto o peronismo. Mas uma característica é constante: uma forte ambição política.


Inicialmente, esse filho de imigrantes italianos foi afiliado a grupos políticos peronistas conservadores na era Carlos Menem (1989-1999). Depois, ligou-se ao grupo do centrista Eduardo Duhalde (2002-2003) e finalmente ao casal Kirchner (2003-2015), dois populistas mais à esquerda do peronismo.


Ex-prefeito de Tigre, na grande Buenos Aires, Massa chegou a ocupar o posto de chefe de gabinete de Cristina Kirchner. No entanto, posteriormente rompeu com a política no início dos anos 2010, passando a denunciá-la publicamente e formando um grupo político rival. Em uma conversa telefônica interceptada pela Justiça em 2017, Cristina se referiu a Massa em termos poucos lisonjeiros. "Esse filho da p... precisa ser pego", disse ela na ocasião.


Em 2015, Massa concorreu à presidência da Argentina, tendo Mauricio Macri e um candidato apoiado por Cristina como adversários. Acabou em terceiro na disputa, com 21%. Como deputado, presidiu a Câmara argentina entre 2019 e 2022.


Em 2019, selou uma reconciliação com o kirchnerismo, no melhor estilo do pragmatismo do peronismo. Mas, apesar de ser o candidato apoiado pela corrente de esquerda kirchnerista no pleito de 2023, Massa continua sendo um estranho nesse ninho.


Em 2022, com a economia indo para o abismo, o então deputado Massa foi convocado pelo atual presidente Alberto Fernández para assumir a pasta da Economia num momento turbulento, substituindo Silvina Batakis, que era mais diretamente ligada a Cristina Kirchner, atual vice-presidente do país. Fernández ainda fundiu outros dois ministérios, cujas áreas também passaram a ser chefiadas por Massa.


Com Fernández desistindo de concorrer à reeleição, Massa se lançou como pré-candidato à presidência do país nas primárias da União Pela Pátria, principal agrupamento de peronistas da Argentina. Ele assegurou a candidatura ao derrotar Juan Grabois, da esquerda peronista.


Durante a campanha, apareceu poucas vezes ao lado de Cristina Kirchner, que se manteve discreta ao longo do período eleitoral, após sofrer uma condenação por corrupção em 2022. Impopular e sem nomes sobreviventes competitivos, o peronismo de Kirchner e Fernández acabou tendo que engolir a contragosto a candidatura de Massa.


Na reta final do primeiro turno, Massa, apesar de ter sua imagem associada ao impopular Fernández, reagiu nas pesquisas eleitorais, conseguindo não apenas chegar ao segundo turno como terminando na liderança da primeira rodada, com 36,8%, contrariando quase todas as pesquisas. Ainda assim, essa foi a pior votação presidencial do peronismo em quatro décadas.


Na segunda rodada, ainda pesa contra ele o fardo da economia em frangalhos, apesar de o quadro mais recente de deterioração já ter começado antes da sua gestão à frente do ministério. Massa tem argumentado que o momento é de transição, e que medidas recentemente adotadas ainda vão render frutos. "O pior passou, o melhor está por vir", disse na reta final da campanha do primeiro turno.


O fato de um ministro da Economia de um país castigado por 142% de inflação anual ter se revelado um candidato competitivo não deixou de causar espanto na imprensa internacional.


"A sua resistência é notável: ele é o candidato da inflação mais alta dos últimos 30 anos, da desvalorização no dia seguinte às eleições e de muito mais. Desde que chegou ao Ministério da Economia agravou todos os problemas e quase não tem um único indicador positivo na sua gestão, mas queria ser candidato a presidente e conseguiu. Chegou com uma gestão desastrosa, improvisando, mas aqui está", disse nesta semana para o jornal La Nación o jornalista Diego Genoud, autor de uma biografia de Sergio Massa.


Javier Milei: o "Bolsonaro argentino" como sintoma


Fenômeno dessas eleições, Milei, da coalizão partidária personalista A Liberdade Avança, é um economista com pouca experiência política, que faz uso de um discurso antissistema e é adepto de teorias conspiratórias. No primeiro turno, conseguiu cerca de 30% dos votos.


Com 53 anos, ele foi regularmente comparado durante a campanha ao americano Donald Trump e ao brasileiro Jair Bolsonaro, políticos de ultradireita que viraram o mundo político do avesso em seus países.


Milei de fato tem pontos em comum com Trump e Bolsonaro. Desde que despontou no cenário político, se destacou pelo uso de uma retórica agressiva e provocativa contra a classe política tradicional, a quem culpa pela ruína econômica do país, tentando se apresentar como outsider.


Ex-músico de uma banda de rock, ex-jogador de futebol na juventude, economista de formação e, assim como Massa, membro de uma família de origem italiana, Milei começou a ganhar tração em 2015, como comentarista de televisão e defensor de princípios "libertários".


A estreia ocorreu num canal controlado pelo bilionário argentino de origem armênia Eduardo Eurnekian, dono do conglomerado de mídia e aeroportos Corporación América, para o qual Milei trabalhou por mais de uma década.


Em 2021, Milei foi eleito pela primeira vez como deputado. Foi pouco atuante na Câmara – não propôs projetos ou participou de comissões –, usando mais o cargo como plataforma para se lançar à presidência da Argentina.


A tática rendeu frutos, e Milei se tornou um dos assuntos mais comentados da eleição. Sua ascensão nas pesquisas também causou preocupação em países vizinhos, como o Brasil, e se deve em parte ao eleitorado mais jovem da Argentina, que se sentiu atraído por sua agenda antissistema e que se sente farto de décadas de má administração. Suas aparições de campanha foram marcadas por gestos teatrais, como empunhar uma motosserra e puxar coros de xingamentos contra adversários. Nas primárias de agosto, foi o candidato mais votado.


Mas, no primeiro turno presidencial, terminou quase sete pontos atrás de Sergio Massa. A segunda colocação decepcionou alguns apoiadores, mas o resultado não deixou de ser um passo divisor na política argentina, marcando a chegada ao segundo turno presidencial de um nome relativamente novato na política. A grife de direita mais radical de Milei ainda conseguiu desbancar os conservadores tradicionais do país, ligados ao ex-presidente Mauricio Macri, que no primeiro turno foram representados por Patricia Bullrich, que amargou um terceiro lugar após liderar uma campanha essencialmente focada no combate ao crime.


"Ele [Milei] não é um líder, é um sintoma" da sociedade argentina, analisou o ex-ministro da Economia Domingo Cavallo. "Ele é um grande comunicador que serviu como um canalizador para todos aqueles insatisfeitos com a democracia, a política e a economia", resumiu Juan Luis González, autor de uma biografia crítica de Milei, chamada El Loco (O louco), ao jornal La Nación.


Milei defende o porte de armas de fogo, é contra o aborto e a educação sexual nas escolas e considera as mudanças climáticas "uma farsa". Ele também se associou com apologistas da última ditadura do país. A candidata à vice dele é Victoria Villarruel, que tem histórico de questionar os sangrentos crimes cometidos pelos militares. Mais recentemente, tal como Trump e Bolsonaro, ele também passou a denunciar sem provas que o pleito corre o risco de ser "fraudado".


Mas em outros aspectos Milei é exótico até para padrões da ultradireita mundial. Segundo o biógrafo González, Milei se "aconselha" politicamente com o espírito de um de seus cachorros mortos, com intermédio de uma médium, além de ter encomendado clones do animal. Em agosto, ao terminar as primárias na primeira colocação, dedicou o resultado aos "filhos de quatro patas".


"Estamos falando de uma pessoa que toma decisões com base em um gabinete formado por cães clonados, que se considera escolhido por Deus, que afirma dialogar com Deus e ver Deus. Sua instabilidade é realmente preocupante", disse o biógrafo González ao La Nación.


Milei também já defendeu que os argentinos deveriam ter permissão para vender seus órgãos e quer a extinção do Banco Central da Argentina e de diversos ministérios. Após as primárias, ele classificou a ideia de justiça social como uma "aberração".


A principal proposta dele é adotar um regime de dolarização agressivo, efetivamente extinguindo o peso argentino e adotando a moeda americana no país. E deixando o Estado minúsculo. Ideologicamente, ele se define como "libertário" e "anarcocapitalista".


Mas o autoproclamado libertarianismo de Milei é apontado por críticos como uma mera roupagem para esconder uma natureza de extrema direita. Pouco antes do primeiro turno, o brasileiro Jair Bolsonaro chegou a enviar uma mensagem em vídeo de apoio ao argentino. "Não podemos continuar com a esquerda. É um apelo que eu faço a todos os argentinos: vamos mudar, e mudar para valer, com Milei", disse Bolsonaro na mensagem.


Ainda assim, durante a campanha, Milei tomou o lugar de principal recipiente dos votos de protesto ou oposição contra o atual governo. No segundo turno, recebeu o apoio do ex-presidente Macri e da candidata derrotada Bullrich.


Boa parte do debate político na campanha Argentina também foi pautado pelas ideias radicais de Milei, sobrando pouco espaço para propostas de outros candidatos.


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