Ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino. Foto: Evaristo Sá/AFP
(*)
JR Guzzo
Ministro da Justiça tenta impor narrativa oficial dos fatos sob o argumento de abolir ‘o ódio’ nas redes sociais
O
ministro Flávio Dino, que está tentando provar que não é um fracasso terminal
no combate ao crime, e nas outras funções do seu cargo, pretende tornar-se um
sucesso como filósofo-chefe de uma ditadura para o Brasil. Em seu último surto
de ideologia totalitária, veio com um projeto que ficaria perfeito na tábua de
mandamentos das tiranias de Stalin e Mao Tsé-tung: para se transformar “em
nação”, o Brasil tem de criar “uma narrativa comum para o passado”. O ministro
nos ameaça, também, com um “projeto comum para o futuro”, mas isso ele parece
disposto a deixar para mais tarde – por ora, seu problema é com o presente.
Dino não está feliz com o entendimento básico de que o cidadão brasileiro deve
ter o direito de fazer os seus próprios julgamentos sobre fatos que já
ocorreram na vida pública do país. É uma das determinações mais claras e
fundamentais da Constituição Federal, mas acaba de ser incluída por ele na
lista cada vez maior de “liberdades nocivas” que o atual regime político do
Brasil tenta impor à população. Na sua opinião, esse direito tem de ser
substituído por uma narrativa oficial e única estabelecendo quais são os fatos,
o que é a História e qual é a verdade.
O
ministro não deixou claro como poderia ser feita essa “narrativa” – por decreto
presidencial, portaria do Ministério da Justiça ou despacho do Supremo Tribunal
Federal. O que realmente interessa, ao menos como ponto de partida do seu
projeto, é proibir os brasileiros de dizerem o que pensam nas redes sociais.
É isso, essencialmente, que está atrapalhando o regime; pode ser uma ilusão de ótica, visto que nenhum dos problemas concretos que o Brasil tem hoje é causado pelo que as pessoas escrevem no antigo Twitter, mas é o que Dino e o seu mundo acham. Uma internet livre permite, entre mil e uma utilidades, o cidadão afirmar que o presidente da República foi condenado pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, em três instâncias e por nove juízes diferentes, e não foi absolvido até hoje.
Permite afirmar, como acaba de fazer a OCDE, que os escalões mais elevados do
sistema de justiça tornaram a corrupção impune no Brasil. Permite dizer que a
Constituição é violada de forma permanente por quem tem a força.
Segundo
o ministro, a exposição de fatos como esses impedem o Brasil de se transformar
numa “nação”.
Ele
diz que está querendo abolir “o ódio” nas redes sociais e, sobretudo, a
mentira; não admite que a única arma para combater a mentira, numa democracia,
é deixar o cidadão livre para dizer a verdade.
A
liberdade, no Brasil de Dino, deixou de ser uma virtude natural. Passou a ser o
principal problema.
Fonte: Estadão
(*) jornalista brasileiro, colunista dos jornais O Estado de São Paulo, Gazeta do Povo e da Revista Oeste, publicação da qual integra também o conselho editorial.
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