(*) Tácio Lorran e André Shalders
Recebida
por quatro autoridades do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Luciane
Barbosa Farias, de 37 anos, se descreve nas redes sociais como ativista de
direitos humanos e estudante de direito. Documentos do Ministério Público do
Amazonas (MPAM) apontam, no entanto, que ela tem uma outra função: lavar o
dinheiro do Comando Vermelho.
Conhecida
como a “dama do tráfico amazonense”, Luciane é acusada de ser o braço
financeiro da facção. Ela é casada há 11 anos com o traficante Clemilson dos Santos Farias, o Tio Patinhas, um dos líderes do
Comando Vermelho no Amazonas.
Luciane
se apresenta como presidente do Instituto Liberdade do Amazonas (ILA), que,
segundo o site da entidade, atua em favor dos direitos humanos e fundamentais
de presos. Criada em abril de 2022, a ONG seria financiada pelo crime
organizado, de acordo com inquérito sigiloso da Polícia Civil do Amazonas
obtido pelo Estadão. Apesar das relações com o crime organizado, Luciane foi recebida
por duas vezes para audiências no Ministério de Flávio Dino, em Brasília.
Em março, ela conversou com o secretário de Assuntos Legislativos da Pasta,
Elias Vaz. Pouco mais de um mês depois, se reuniu com Rafael Velasco Brandani,
titular da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen); Paula Cristina
da Silva Godoy, da Ouvidoria Nacional de Serviços Penais (Onasp); e Sandro Abel
Sousa Barradas, diretor de Inteligência Penitenciária. O nome de Luciane foi
omitido das agendas oficiais das autoridades.
O
Ministério alega que Luciane estava como “acompanhante” nas reuniões e que era
“impossível” o setor de inteligência detectar previamente a presença dela. A
advogada responsável por agendar as audiências, segundo o Ministério, seria a
ex-deputada estadual do PSOL Janira Rocha. Ela também recebeu pagamentos da facção criminosa, conforme
revelou o Estadão nesta terça-feira, 14.
Participação
de Luciane Barbosa no Comando Vermelho é ‘inquestionável’, diz desembargadora
Luciane
afirmou em nota que não é “faccionada” de nenhuma organização criminosa e que
está sendo criminalizada pelo fato de ser esposa de um detento. Para a
desembargadora que assinou a condenação, Vânia Marques Marinho, do Tribunal de
Justiça do Amazonas (TJAM), não há dúvidas sobre a participação de Luciane
Barbosa no Comando Vermelho.
Ela
foi condenada em segunda instância a 10 anos de prisão por associação para o
tráfico, organização criminosa e lavagem de dinheiro, mas recorre em liberdade.
Na mesma decisão, Clemilson é sentenciado a uma pena de 31 anos e 7 meses de reclusão
pelos mesmos crimes.
“Luciane
Barbosa Farias era a responsável por acobertar a ilicitude do tráfico, tornando
o numerário deste com personificação lícita, ao efetuar compra de veículos,
apartamentos e até mesmo abrindo empreendimento. Logo, inquestionável é a
participação da Apelada na organização criminosa ‘Comando Vermelho’”, escreveu
Marinho em seu voto.
O
Ministério Público do Amazonas descreve ainda Luciane como “comparsa” dos
crimes do tráfico e que demonstrava “inteligência financeira”. “Ao tempo em que
aparecia como esposa exemplar, era o ‘braço financeiro’ de Tio Patinhas.
Exercia papel fundamental também, na ocultação de valores oriundos do
narcotráfico, adquirindo veículos de luxo, imóveis e registrando ‘empresas
laranjas’”, diz o Ministério Público na denúncia.
“Com sua postura, demonstrando inteligência financeira, Luciane Barbosa Farias, conquistou confiabilidade da cúpula da Organização Criminosa ‘Comando Vermelho’, dividindo posto com seu esposo Clemilson, este, por sua vez, provido de ímpeto cruento, enquanto sua esposa agia friamente calculando, ocultando, empregando, e lavando valores oriundos da máquina criminosa do tráfico de drogas perpetrado por ambos”, acrescenta a denúncia.
Luciane
se casou com Clemilson em 30 de outubro de 2012. Em seguida a mulher abriu um
salão de beleza que, segundo a investigação, era usado para lavar o dinheiro do
tráfico. O nome do salão era Studio De Beleza Sempre Fina e, segundo depoimento
de Luciane, tinha um faturamento de entre R$ 6 mil e R$ 8 mil por mês.
Chamou
a atenção dos investigadores, no entanto, o rápido enriquecimento do casal. A
declaração de Imposto de Renda de Luciane apresentava bens de R$ 30 mil em
dezembro de 2015. Um ano depois, passou para R$ 346 mil, alta de 1.053%. A
polícia também identificou que o casal era dono de ao menos três imóveis no
Amazonas e em Pernambuco, além de seis veículos (sendo uma moto, três carros e
dois caminhões).
“Ou
seja, em um lapso temporal de apenas um ano, seus pecúlios multiplicaram-se,
misteriosamente, ao décuplo, contrastando, e muito, com a renda auferida
naquele exercício, qual seja, de apenas R$ 36,2 mil”, afirmou Marinho na
condenação.
Luciane
negou a acusação e, em depoimento, disse ter comprado seus imóveis e veículos
com o dinheiro do salão. Hoje, Luciane e Clemilson são sócios em uma
transportadora, conforme documentos da Receita Federal. Além de reuniões com o Ministério da Justiça, a ‘dama do
tráfico amazonense’ esteve no Ministério dos Direitos Humanos (MDH), no
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e na Câmara dos Deputados.
Nas
suas redes sociais, ela exibiu fotos tiradas no Salão Verde, área de grande
circulação, com os deputados Guilherme Boulos (PSOL-SP) e Daiana Santos (PC do
B-RS). Elas também posou com André Janones (Avante-MG). Além de postar fotos na
porta dos gabinetes do ex-ministro da Saúde de Jair Bolsonaro (PL), o general
Eduardo Pazuello (PL-RJ), e do deputado Júnior Ferrari (PSD-PA).
(*) jornalistas do Estadão
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