O
presidente Lula e o ministro da Educação, Camilo Santana: questão 89 do Enem
(prova branca), que trata do agronegócio, sobressai pelo alto viés ideológico,
redação confusa e declarações falsas.| Foto: Luis Fortes/MEC
(*) JR Guzzo
O
sistema de produção rural do Brasil, o chamado agronegócio, é a maior, melhor e
mais relevante conquista da economia brasileira em nossa era. O agro
transformou o Brasil, que até 50 anos era uma nulidade incapaz de produzir mais
do que café, num dos dois ou três maiores produtores e exportadores de
alimentos do mundo.
O
país, que tinha de importar comida, hoje produz cinco vezes mais do que
consome; tornou-se um fator essencial para a segurança alimentar da humanidade,
a ponto de não haver mais nenhum cálculo sério sobre o futuro mundial que não
inclua o Brasil. Neste ano vai ser colhida a maior safra da história, mais do
que o volume recorde de 2.022. O efeito é decisivo para a economia brasileira
como um todo.
O
último Enem, o exame escolar mais importante antes do ingresso na universidade,
exigiu que os candidatos respondessem que o agro é uma atividade nociva ao
Brasil.
No
ano passado o agro exportou 160 bilhões de dólares – e isso continuou a
garantir o saldo na balança comercial. É o que fornece ao Brasil os dólares
necessários para comprar tudo o que precisa no exterior, e ainda ficar com
dinheiro de sobra; por conta da agropecuária o Brasil está com reservas de 350
bilhões de dólares em moeda forte.
É
por isso que o Brasil, há anos, não tem mais “crise cambial” e a economia não
entra em parafuso por falta de dólar. É por isso que não se vê mais por aqui as
“missões do FMI”, dando instruções ao governo como condição para emprestar
dinheiro. Não se fala mais em “empréstimo-ponte”, e o Brasil deixou de ser um
país-mendigo que fica passando o pires no mercado financeiro internacional.
O
progresso do agro trouxe os milhões de hectares da região centro-oeste para
dentro da economia brasileira; o Mato Grosso, sozinho, produz hoje mais soja do
que a Argentina toda. Um novo mercado foi criado pelo agro no interior do
Brasil. São bilhões de reais consumidos com produtos e com serviços fornecidos
pelo restante da economia brasileira.
Tão
importante quando isso tudo é o fato de que a produção rural do Brasil cresce
porque decidiu, definitivamente, andar junto com o avanço da tecnologia. É o
que faz a diferença, hoje, para criar uma economia capaz de competir nos
mercados globais, aumentar a sua eficiência e crescer em bases sustentáveis. As
exportações do agro em 2023 valem mais que toda a produção de petróleo da
Arábia – com a vantagem de que as safras são renováveis a cada ano.
Os
autores do Enem não se conformam com o fato de que o agro brasileiro é uma
prova física de que a solução para a atividade rural está na aplicação do
capitalismo, e não da “reforma agrária”.
Tudo
isso são fatos objetivos; não é uma interpretação, e nem depende daquilo que o
cidadão acha ou não acha. Mas o último Enem, o exame escolar mais importante
antes do ingresso na universidade, exigiu que os candidatos respondessem que o
agro é uma atividade nociva ao Brasil, nas perguntas feitas sobre o tema. Ou
era isso, ou a resposta estava errada – assim como era obrigatório responder
que o capitalismo é uma doença social gravíssima etc. etc. etc.
Não
afeta em rigorosamente nada, é claro, nem o agronegócio e nem o capitalismo. É
apenas uma prova a mais da recusa dos mandarins da educação brasileira em
aceitar realidades; só acreditam nas suas próprias ideias, ou ilusões. Não têm
nenhum interesse em determinar se algo é falso ou verdadeiro. A única coisa que
pensam é em ter razão.
No
caso, os autores do Enem não se conformam com o fato de que o agro brasileiro é
uma prova física de que a solução para a atividade rural está na aplicação do
capitalismo, e não da “reforma agrária”. Sua maneira de lidar com isso é se
aproveitarem dos recursos da máquina pública para defender seus interesses
ideológicos particulares.
O
desastre, uma vez constatado, só piorou. O responsável pelo exame, nas
explicações que foi chamado a dar, sustentou uma ideia realmente prodigiosa.
Segundo ele, os organizadores do exame “não são contra o agro”. Sério? Por que
raios, então, obrigaram os alunos a escreverem que o agro é um horror? Falou
também de “editais”, para dizer que as perguntas foram escolhidas de forma
imparcial. E daí? Alguém acredita que uma licitação pública é garantia de
honestidade neste país? É frequentemente o contrário, como está provado nas
condenações da Lava Jato. Mas a intolerância faz isso mesmo. A posição
contrária não pode ser admitida, nunca – o Enem, segundo os seus responsáveis,
está acima de qualquer julgamento crítico.
fonte: Gazeta
do Povo
(*) José Roberto Guzzo, mais conhecido como J.R. Guzzo, é um jornalista brasileiro, colunista dos jornais O Estado de São Paulo, Gazeta do Povo e da Revista Oeste, publicação da qual integra também o conselho editorial.
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