Às
vésperas do recesso de fim de ano em Brasília, poucas coisas têm perturbado
tanto o sono dos parlamentares quanto a busca frenética de meios para encaixar
no Orçamento um aumento recorde do Fundo Especial de Financiamento de Campanha,
o chamado fundo eleitoral, com vista às eleições municipais de 2024. A
desfaçatez das tratativas revela que simulacros de republicanismo – como a
falácia segundo a qual a democracia, ora vejam, “tem um custo” – já foram
deixados para trás. A barreira da suposta preocupação com a opinião pública
também já foi superada. A coisa começa a descambar para o escárnio.
O
governo do presidente Lula da Silva propôs na Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO) um fundo de R$ 939,4 milhões para cobrir as despesas dos partidos com as
eleições municipais de 2024. Já é muito dinheiro público para um fundo que nem
sequer deveria existir, a bem da democracia representativa no Brasil. Mas,
insaciáveis que são, os parlamentares ainda acham pouco, inclusive os do PT,
partido de Lula. A revelar que a caradura não conhece limites, as bancadas da
maioria dos partidos no Congresso se articulam para aprovar um fundo eleitoral
de inacreditáveis R$ 5 bilhões em 2024.
Ignorando
olimpicamente o fato de que o País está caçando moedas nos bolsos da calça para
equilibrar as contas sem prejuízo de políticas públicas essenciais para a
esmagadora maioria da população, os parlamentares seguem orientados por seus
interesses particulares quando estes colidem com o interesse público. Como
dinheiro não brota do chão, o aumento de mais de R$ 4 bilhões do fundo
eleitoral, considerando o valor proposto na LDO e o desejo da maioria dos
parlamentares, haverá de sair de alguma alínea do Orçamento. É quase certo que
privilégios que fazem desta uma “República inacabada”, para usar a expressão de
Faoro, seguirão intocados.
Uma das alternativas à mesa é abater aquela diferença bilionária do total de recursos destinados às emendas de bancada, que somam R$ 12,6 bilhões em 2024. Ou seja, para aumentar o fundo eleitoral, deputados e senadores teriam de abrir mão de recursos dos quais pode dispor o conjunto de parlamentares de cada Estado e do Distrito Federal. Eis o impasse. Se bem feitas, as emendas podem custear políticas públicas que têm impacto direto na vida dos cidadãos e lançam luz sobre seus patrocinadores. O fundo eleitoral, por sua vez, fortalece as candidaturas de aliados políticos ou dos próprios parlamentares que concorrerão a prefeito no ano que vem.
Conhecendo-se
o histórico do Congresso em deliberações sobre temas que tocam diretamente os
interesses dos parlamentares e dos partidos, não é improvável que esse impasse
seja resolvido da pior forma possível para o País, qual seja: ao fim e ao cabo,
as emendas de bancada, entre outras, serão preservadas e outras alíneas do
Orçamento é que acabarão sacrificadas para que o fundo eleitoral atinja o
patamar recorde de R$ 5 bilhões no ano que vem.
Desde
2015, quando o Supremo julgou, acertadamente, que as doações de empresas para
financiamento de campanhas eleitorais eram inconstitucionais – pela óbvia razão
de que pessoas jurídicas não são titulares de direitos políticos –,
parlamentares de todos os matizes político-ideológicos têm feito de tudo para,
eleição após eleição, aumentar cada vez mais o quinhão do Orçamento que
abastece o fundo eleitoral. Só não têm feito o que deveriam fazer: aproximar-se
da sociedade e angariar o apoio de eleitores dispostos a contribuir, por meio
de doações, para o custeio tanto das atividades dos partidos com os quais têm
afinidade como para suas campanhas eleitorais.
Porém,
mal acostumados, aboletados no conforto do dinheiro público farto, fácil e
seguro que abastece os cofres dos partidos, os parlamentares têm percorrido o
caminho diametralmente oposto, fechando-se cada vez mais em seus próprios
interesses, como se o Congresso fosse um mundo à parte.
Se,
como apregoam os defensores dos fundos públicos, a democracia “tem um custo”, a
brasileira tem se revelado cara demais.
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