Lula teve dificuldade na aprovação de MPs no Congresso; o presidente da Câmara, Arthur Lira, chegou a avisar o governo que não pautaria algumas medidas e orientou que fossem reencaminhadas como projetos de lei Foto: Wilton Junior/Estadão© Fornecido por Estadão
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve encerrar seu primeiro ano de mandato com mais medidas provisórias que perderam validade do que aprovadas no Congresso Nacional. Desde 2003, quando o petista tomou posse para seu primeiro mandato, apenas em 2019 e 2020, com Jair Bolsonaro, e em 2023, o presidente da República fechou o ano com menos MPs aprovadas do que caducadas. Neste último caso, porém, a proporção é bem maior.
Levantamento do Broadcast/Estadão mostra que, até o dia 20 de dezembro, Lula viu 20 medidas provisórias perderem a validade e apenas sete serem aprovadas pelo Congresso Nacional.
Em
2020, 54 MPs assinadas pelo então presidente Bolsonaro perderam validade antes
que fossem analisadas pelo Congresso. Outras 53 foram aprovadas pelos
parlamentares e sancionadas pelo chefe do Executivo. Em 2019, a proporção foi
semelhante: 23 medidas provisórias caducaram antes de serem votadas e 22 foram
aprovadas.
Em
todos os outros anos (de 2003 a 2018 e de 2021 a 2022), os presidentes da
República conseguiram aprovar mais MPs no Congresso, mesmo com bases
parlamentares frágeis em alguns momentos.
O
baixo número de MPs que tiveram o aval dos parlamentares neste primeiro ano do terceiro
mandato de Lula se explica pela disputa no Legislativo em torno do
rito de tramitação das medidas provisórias. Pela Constituição, as medidas
provisórias têm de ser analisadas por comissões mistas, para somente então
serem encaminhadas primeiro à Câmara e depois ao Senado. As relatorias nos
colegiados mistos são alternadas: uma MP é relatada por um deputado e a
seguinte, por um senador, visando dar equilíbrio de protagonismo às duas Casas.
A
escolha do relator na comissão mista é importante porque empodera o parlamentar
definido para negociar com o governo e com seus pares. O presidente da
Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e líderes da Câmara próximos a
ele se recusaram a indicar integrantes de diversas comissões mistas. Lira
também avisou o governo que não pautaria algumas MPs para votação no plenário
da Câmara, orientando que as propostas fossem reencaminhadas como projetos de
lei.
Diversas
proposições passaram por esse entrave no Congresso. A MP que tratava da
tributação de offshores, por exemplo, teve de ser enviada novamente ao
Congresso no formato de projeto de lei. O mesmo ocorreu com a proposta que
retomava o voto de qualidade no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf).
O
efeito prático foi que o governo perdeu tempo de debate dos assuntos e teve de
lidar com o desgaste de negociar com líderes da Câmara e do Senado em relação
aos temas. Para evitar desgastes, principalmente com Lira, em quase todas as
oportunidades o Palácio do Planalto preferiu atender aos pedidos e enviar os
projetos ao Legislativo.
Uma
das únicas vezes em que o governo bateu o pé e insistiu na tramitação de uma
medida provisória foi com a mudança nas subvenções do ICMS, aprovada no Senado no
último dia 20 e enviada à sanção presidencial. O motivo: como a regra
de tributação foi instituída por meio de medida provisória, não teria de passar
por um período de “quarentena” antes de entrar em vigência. Se fosse aprovada
por meio de um projeto de lei, só valeria a partir de abril – e o governo
perderia a nova arrecadação nos primeiros meses de 2024.
Em
seu primeiro mandato, por exemplo, Lula teve de lidar com outro tipo de
resistência do Congresso. De 2004 a 2006, 20 medidas provisórias assinadas pelo
petista foram rejeitadas pelos presidentes do Congresso Nacional à época.
Estiveram à frente do Legislativo, naquele período, os senadores José
Sarney (MDB-AP) e Renan
Calheiros (MDB-AL), que tinham uma postura de independência em relação
ao PT naquele período.
Mesmo
assim, na grande maioria das vezes, não havia resistências por parte dos
parlamentares com o instrumento legislativo da medida provisória – Lula teve
160 MPs aprovadas nesse período.
Nos
últimos anos, porém, tornou-se mais frequente o Congresso deixar de analisar
medidas provisórias assinadas pelo presidente da República. Em 2014, a então
presidente Dilma Rousseff (PT) viu 14 MPs suas perderem validade
antes de serem votadas. Em 2017, com Michel
Temer (MDB), esse número aumentou ainda mais: foram 23.
Além
do fortalecimento do Congresso nos últimos anos, com cada vez mais espaço no Orçamento da União por meio de emendas
parlamentares, outro motivo para esses altos números de MPs que perdem
validade antes de serem votadas está nas aberturas de créditos extraordinários.
De 2017 até hoje, por exemplo, 62 das 175 medidas provisórias que perderam
validade diziam respeito a esses créditos. Na prática, uma vez que os recursos
são destinados, as medidas provisórias ficam sem função e não precisam virar
lei.
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