No fim de 2022, sob a presidência da ministra Rosa Weber, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou duas alterações em seu Regimento Interno que, de forma prática, reduziam o poder individual dos ministros. Os pedidos de vista passaram a ter prazo de 90 dias para devolução. Após esse período, os autos ficariam automaticamente liberados para a análise dos demais ministros. A segunda mudança referia-se às decisões cautelares monocráticas, que deveriam ser submetidas imediatamente a referendo do Plenário ou da Turma, a depender da competência do caso.
As duas mudanças regimentais contribuíam para uma atuação mais colegiada da Corte constitucional. Não reduziam o poder do STF, apenas limitavam o poder individual de seus ministros. Explicitavam, assim, uma realidade institucional muitas vezes ignorada: quanto maior é o poder individual dentro de um tribunal, mais fraco é o poder do colegiado.
Se
um ministro sozinho pode determinar quando devolverá os autos para a
continuidade do julgamento, todos os restantes ficam à mercê da vontade desse
ministro. O mesmo ocorre com as decisões monocráticas. Exemplo dessa distorção
foi a liminar do ministro Luiz Fux suspendendo a instalação do juiz de
garantias. A posição dele era rigorosamente minoritária dentro da Corte, mas,
com a decisão liminar, ele conseguiu que sua posição prevalecesse sobre a dos
demais por mais de três anos. Ou seja, um só integrante da Corte foi capaz de
atrasar a eficácia da decisão da Corte, em uma situação de clara fragilidade do
tribunal.
Cabe
um alerta, no entanto. Apesar de corretas e necessárias, as alterações
regimentais ainda não produziram os efeitos esperados. Há ainda ministros
confundindo poder individual com poder do STF. Eles não entenderam o profundo
sentido de defesa da Corte que as mudanças de final de 2022 vieram promover. É
realmente peculiar: há um novo Regimento, mas a mentalidade de alguns ministros
segue ainda apegada ao velho modo de atuar.
Essa
resistência ao fortalecimento da colegialidade ficou explícita na reação do
presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, e do decano da Corte,
ministro Gilmar Mendes, à aprovação pelo Senado da Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) 8/2021, que limita decisões individuais dos tribunais contra
atos legislativos. Os dois trataram a proposta legislativa como uma afronta ao
Supremo, mas, na verdade, ela fortalece o tribunal, evitando situações como a
da liminar de Luiz Fux no caso do juiz de garantias, em que a uma só pessoa
impediu que a vontade da maioria do Plenário produzisse seus efeitos
constitucionais. Reafirmando o que a Lei 9.868/99 já estabelece, a PEC 8/2021
não diminui em nada o poder do Supremo, que continuará podendo exercer, agora
com mais plenitude e independência, o controle de constitucionalidade das leis.
Mas
o ano de 2023 indicou não apenas a permanência no STF de uma cultura
ultrapassada e incompatível com a realidade institucional de uma Corte
constitucional. Ele explicitou que a prática segue muito similar ao que era
antes. Há quem continue utilizando decisões monocráticas como forma de definir
sozinho situações jurídicas complexas. Mais do que evitar eventuais danos
irreparáveis – finalidade do poder geral de cautela –, o objetivo de algumas
liminares de ministros do STF é estabelecer novos cenários que, por mais
esdrúxulos que sejam, uma vez definidos, são de difícil reversão. Foi o que se
viu com duas canetadas do ministro Dias Toffoli em casos antigos. Em setembro,
ele anulou todas as provas obtidas por meio do acordo de leniência celebrado em
2016 pela Odebrecht no âmbito da Lava Jato. E, em dezembro, suspendeu a multa
de R$ 10,3 bilhões do acordo de leniência do Grupo J&F, celebrado em 2017.
Não há nenhum sentido em fazer isso monocraticamente, o que desgasta e
desautoriza a Corte.
A
força do STF está em sua colegialidade. Só assim poderá prover uma compreensão
estável e fundamentada da Constituição, apta a orientar todo o sistema de
Justiça. O resto é arbítrio.
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