Estudiosos
do funcionalismo público dizem que há uma série de aspectos problemáticos na
forma como o Brasil distribui seus cargos de livre nomeação e alertam que as
experiências recentes vão na contramão das melhores práticas do mundo.
O Poder360 ouviu
Vera Monteiro, professora de direito na FGV e vice-presidente do Conselho
Diretor da República.org, e Felipe Drumond, consultor especialista em gestão de
pessoas no setor público para entender quais são as principais questões
levantadas sobre os cargos de confiança.
1
– Número excessivo de cargos
Somando-se
cargos de direção e assessoramento, funções e gratificações técnicas, são mais
de 90.000 posições de livre nomeação no governo federal, de acordo com o Painel Estatístico de Pessoal.
Felipe
Drumond argumenta que o número é excessivo e vai na contramão do que fizeram
vários países do mundo desenvolvido.
“No
final da década de 1980 e 1990, uma série de países europeus, os EUA e o Canadá
começaram reformas administrativas muito pautadas em reduzir o aspecto político
de indicação de cargos de direção.
“A
nossa Constituição foi no sentido contrário. Ela disse que basicamente qualquer
cargo de direção e assessoria era livre nomeação e remuneração. Deu um espaço
muito grande para que qualquer chefia imediatamente acima de uma equipe ou
qualquer assessoria se tornasse um cargo livremente indicado e exonerado.
2
– Politização dos servidores
Drumond
afirma que o Executivo federal tentou lidar com as indicações políticas
ampliando a fatia desses cargos de confiança que, obrigatoriamente, tem de ser
ocupadas por funcionários de carreira. Hoje esse percentual está em 60%. A
solução, no entanto, é criticada.
“Ter
um servidor nesse cargo de livre nomeação é um avanço, mas nada garante que ele
não está lá por aspectos políticos. Esse é um sistema que favorece que
servidores públicos mais engajados com grupos políticos tenham recompensas
dessa evolução de carreira”, diz.
Para
o consultor, a reserva de cargos a servidores pode aumentar a politização do
funcionalismo público brasileiro. Outro efeito colateral seria a baixa taxa de
retenção de pessoas nesses cargos.
Estudo
de 2020 do Ipea (íntegra – 1 MB) mostrou que cerca de 30% dos nomeados
em cargos comissionados no governo federal não completa um ano na função. A
alta rotatividade de servidores é um dos fatores que mais dificultam a execução
de políticas públicas, diz o documento.
A
melhor solução, argumenta Felipe, deveria ser reduzir cargos e funções de livre
nomeação, especialmente as que possuem níveis baixos e médios de pagamento.
“Foi
o que fez Portugal. A gente deveria buscar despolitizar indicações para cargos
baixos e médios”, afirma.
3
– Falta de critérios
Vera
Monteiro, da ONG República.org, joga luz sobre a falta de critérios objetivos
para o preenchimento desses cargos Brasil afora. Ela lista algumas das questões
que, em sua opinião, deveriam ser regulamentadas por uma política nacional e
por uma lei geral de cargos que valesse para todos os entes da federação:
tipo
de função – definir que tipo de tarefa pode estar ou não ligada a um cargo
desses e ter um detalhamento mínimo da atividade a ser desempenhada;
pré-seleção
– estabelecer algum processo de atração e seleção de pessoas para essas
vagas;
diversidade
– ampliar e adotar políticas de diversidade na seleção desses cargos;
pré-requisitos
– entes públicos divulgarem antes da seleção para um cargo de livre
nomeação requisitos mínimos para que alguém possa ocupar a posição. A seleção
continuaria pelo critério de confiança, mas só entre as pessoas que preenchem
os requisitos e qualificações exigidos para a vaga.
“Não
se trata de tolher a liberdade legislativa de Estados e municípios com relação
a esses aspectos, mas sim de dar uma um balizamento geral para dizer que em
cargos e ocupações que já existem nas carreiras específicas para aquelas não
faz sentido nomear alguém apenas por ter uma relação de confiança”, diz Vera. A
professora de direito da FGV participa de um grupo de estudos que promove
discussões e propõe melhorias nessa área, o Movimento Pessoas
à Frente.
4
– Falta de informações
Há,
especialmente nos Estados e municípios, um apagão de informações sobre esses
cargos.
“Não
temos dados suficientes sobre o assunto. Nos Estados e municípios é ainda pior.
Quando muito temos um quantitativo, mas não sabemos onde eles estão sendo
usados nem quem ocupa esses cargos e funções. Não temos informações sobre raça,
gênero, escolaridade e não temos informação sobre os demandantes desses cargos.
“Há
secretarias municipais 100% ocupadas por cargos de confiança. Acho que ninguém
é contra a existência de cargos em que o chefe do poder do momento tenha a
liberdade de nomear alguém de sua confiança, mas não faz sentido transformar
100% dos cargos de comissão em mero apadrinhamento político”, diz Vera
Monteiro.
5
– Diferença salarial
Felipe
Drumond diz que houve uma desvalorização nas últimas décadas no salário dos
cargos comissionados. Quando um funcionário público assume um desses cargos,
ele acrescenta ao seu próprio salário 50% dos vencimentos desse cargo de
comissão.
Mas
esse não é o procedimento na seleção de uma pessoa de fora do serviço público.
Isso
faz com que tenha começado a ficar mais difícil selecionar para cargos
comissionados altos, de liderança, bons quadros do mercado. Os salários para
esses cargos de liderança, quando o contratado não é servidor, ficaram baixos
em relação ao mercado.
“O
fato te se ter essa visão de que os cargos de direção são posições muito
politizadas também acaba atrapalhando fazer uma política salarial razoável. Por
exemplo, os salários dos cargos de direção do governo federal hoje são baixos.
O salário de um secretário de Estado hoje está em volta de R$ 17.000. Isso é
menor que o salário inicial de uma boa quantidade de carreiras de Estado, como
as carreiras do ciclo de gestão, do advogado geral. O secretário, que coordena
uma política, ganha menos que pessoas que ocupam funções de analista. Isso não
faz nenhum sentido”, afirma Felipe Drumond.
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