Cidade desperdiça
recursos por falhas na rede, enquanto moradores reclamam de problemas no
serviço. Sustentabilidade de reservas subterrâneas preocupa autoridades.
Há dez anos, desde que escolheu a Lagoinha, na zona leste de Ribeirão Preto (SP), para viver com a família, o comerciante Washington Junior, de 57 anos, perdeu as contas das vezes em que sua casa teve interrupções no fornecimento de água.
"Outro
dia tivemos um problema, ficamos quase três dias sem", diz o morador, que
está a 500 metros de um poço de captação e a menos de três quilômetros da Lagoa
de Saibro, importante ponto de recarga do Aquífero Guarani, uma das maiores
fontes subterrâneas do mundo que abastece integralmente a cidade de 700 mil
habitantes do interior de São Paulo.
O
transtorno de longa data vivenciado por ele, comum em outros bairros, expõe um
contrassenso em um município que sempre teve água abundante e desperdiça
43% do recurso que distribui para uma população que consome quase o
dobro da média nacional, de acordo com os dados mais recentes do Sistema
Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS).
Ao
mesmo tempo que enfrenta dificuldades de tornar o abastecimento mais eficiente
e sustentável, o município se depara com indicativos preocupantes com relação
ao Aquífero Guarani, que, em mais de 70 anos, apresentou
um rebaixamento de 120 metros, segundo um estudo da USP de 2021.
"Os
limites de segurança já foram ultrapassados, então é importante que a gente
trabalhe na segurança hídrica", afirma a promotora de Justiça Claudia
Habib, integrante do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente
(Gaema).
Enquanto
executa obras com a promessa de reduzir o desperdício para 30% até 2025, a
administração municipal planeja utilizar o Rio Pardo como fonte alternativa de
consumo e avalia as reais condições do Aquífero Guarani.
Nos
tópicos a seguir, entenda o que se sabe sobre o abastecimento em Ribeirão
Preto e quais as perspectivas e preocupações com relação ao futuro da água na
cidade:
Recurso
subterrâneo, redes antigas e desperdício
Com
99% de abastecimento em toda sua extensão territorial, e integral na área
urbana, Ribeirão Preto utiliza o Aquífero Guarani desde o início do século 20.
A disponibilidade e a qualidade do recurso - extraído de formações geológicas
conhecidas como arenitos "Botucatu-Piramboia", abaixo de camadas de
basalto - inclusive foram
fatores que ajudaram a impulsionar, no início do século 20, a indústria
cervejeira do município, já chamado de Capital Nacional do Chope.
Hoje,
os recursos hídricos são extraídos por poços tubulares que chegam a mais de 200
metros de profundidade e que somente passam por adição de cloro e flúor, dada a
pureza de sua origem.
Com
essa atividade, Ribeirão Preto capta 156,1 bilhões de litros por ano do
aquífero, segundo o Departamento de Águas e Energia (DAEE), responsável por
outorgar novas perfurações.
O
município ainda conta com 120 reservatórios capazes de armazenar mais de
171 milhões de litros, de acordo com as informações mais recentes da Ares-PCJ,
agência reguladora dos serviços de água e esgoto de Ribeirão Preto.
Por
ser de longa data, a rede ficou suscetível a vazamentos ao longo dos anos,
muitos deles visíveis nas ruas, e a cidade já
chegou a desperdiçar 61% dos recursos na distribuição, segundo o SNIS de
2016.
Desde
então, o índice vem caindo (veja os números no gráfico acima), mas ainda está
acima das médias nacional e estadual e representa 714 litros por dia
desperdiçados por ligação em funcionamento na cidade.
Segundo
a Saerp, os 43% são compostos por:
26%
referentes a perdas reais, ou seja, resultantes de vazamentos e
extravasamentos;
17%
de perdas aparentes, decorrentes da submedição dos micromedidores, fraudes e
ligações clandestinas.
Em
grande parte, o problema é associado ao modelo de distribuição da água, levada
diretamente dos poços para as adutoras, que nem sempre comportam a pressão.
"Quase
70% da distribuição atual de água em Ribeirão Preto é realizada do poço
injetando diretamente na rede, com fortes pressões, rumo aos imóveis, o que
aumenta as rupturas nas tubulações", explica a Saerp.
Na
outra ponta, a população, por uso inconsciente, mas também sujeita à elevação
das temperaturas, tem demandado mais recursos hídricos.
O
SNIS 2023 estima que cada habitante de Ribeirão Preto consome, por dia, quase 273
litros de água, número quase duas vezes maior do que os 148 litros registrados
por habitante na média de todo o país. O valor é o maior desde 2016 e é
7,5% mais elevado do que o registrado no relatório de 2022.
"A
Saerp vem buscando promover o consumo consciente da população, através de campanhas
de comunicação e de ações de educação ambiental, como o projeto Saerp na
Escola, que tem quase 30 anos, e outras modalidades desse programa, que somente
no ano passado, atingiu mais de 3 mil pessoas", comunica a pasta.
Qual
é o futuro do Aquífero Guarani?
A
elevação do consumo e o desperdício preocupam autoridades e especialistas,
principalmente por conta dos riscos para o Aquífero Guarani, que não
recebe recarga na mesma proporção da exploração dos recursos.
"A
água que a gente consome hoje foi armazenada há milhares de anos", diz
Cláudia Habib, promotora do Gaema.
No
braço ambiental do Ministério Público, a sobrevivência do aquífero já foi pauta
de diferentes ações civis públicas, datadas desde 2012, seja para tentar
garantir a permanência de solos permeáveis face o crescimento imobiliário, seja
para regrar as perfurações de poços. Em
2015, uma liminar proibiu edificações na APA do aquífero, mas que acabou
derrubada.
"O
Gaema atua há décadas nessa questão. Foi ajuizada uma ação para que a área de
recarga do aquífero na zona leste fosse uma APA [área de preservação
ambiental], para que boa parte daquela área fosse destinada à permeabilidade,
que fossem obstadas construções naquela área. Essa ação foi julgada
improcedente pelo Tribunal de Justiça", exemplifica a promotora.
Desde
2006, a elevada exploração do Aquífero Guarani tem levado a restrições na
perfuração de poços, segundo o DAEE.
"As
regras de restrição determinam que a perfuração de novos poços no centro da
cidade ocorra apenas em substituição a poços de abastecimento público
existentes (geralmente mais antigos, com queda na produção de água) e, na área
de expansão urbana, deve ser respeitado distanciamento mínimo de 1.000 metros
de poços existentes", explica.
Ainda
sem saber, de fato, quais são as reais condições da importante reserva
subterrânea, a Prefeitura contratou um estudo orçado em R$ 2 milhões, com
a expectativa de dar apresentar as primeiras informações ainda este ano.
"Irá
trazer dados inéditos sobre o a região confinada do aquífero, isto é, a
não-aflorada, que não é percebida a recarga do manancial, balizando o
planejamento hídrico pelas águas subterrâneas e superficiais."
A
falta de água mesmo com recursos hídricos abundantes
Mesmo
com tanta água abundante e desperdiçada em Ribeirão Preto, não são incomuns as
reclamações por falta d'água, o que chega a ser crônico em algumas regiões da
cidade.
Quase
25% da população já enfrentou, em algum momento, o transtorno do desabastecimento
em 2022, segundo levantamento divulgado em novembro do ano passado pela
Ares-PCJ na revisão tarifária, com base em uma amostra de moradores que vivem
em locais que já passaram por algum tipo de manutenção.
Em
torno de 43% respondeu que isso acontecia uma ou mais vezes por semana. Quando
ocorrem, as paralisações no abastecimento duram em média 13 horas, segundo
o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento.
"O
problema maior é máquina de lavar, que não tem como usar, e medo de tomar
banho, de não saber quanto tempo vai demorar a falta e de acabar água nas
caixas", afirma Washington Júnior, que vive a apenas 500 metros de um poço
de captação subterrânea no bairro Lagoinha.
Em
consonância com as metas globais da ONU, o último Plano Municipal de Saneamento
Básico do município, de 2016, prevê o acesso universalizado à água, com um
volume mínimo per capita de 150 litros por dia, além de técnicas para promoção
do uso racional dos recursos hídricos. Além disso, estabelece que as interrupções
ocorram apenas por necessidade de reparos nos sistemas e em situações
de calamidade pública.
A
Saerp, por sua vez, alega que as intermitências hoje registradas são em
decorrência da manutenção do sistema ou por danos na rede. "Conforme prega
norma da ABNT, todo imóvel deve possuir reservação de água suficiente para 24h
de consumo, justamente para esses casos de manutenção", acrescenta.
O
que Ribeirão Preto planeja para garantir o futuro da água?
Como
resposta para as perdas na distribuição e para o consumo crescente, a
Prefeitura de Ribeirão Preto tem como principais ações um Plano de
Controle, Gestão e Redução de Perdas, o que inclui a troca de tubulações, mais
poços e reservatórios, além dos estudos para analisar as reais condições
do grande manancial que abastece a cidade, bem como para viabilizar a
captação no Rio Pardo, hoje apontado como a alternativa mais viável.
Na
última prévia do Plano Setorial de Abastecimento, que integra o novo plano de
saneamento, ainda não aprovado, o município estabelecia um total de R$
864.439.341 em projetos e obras de curto médio e longo prazo a serem conduzidos
até 2039. Entre os principais objetivos estão:
Reduzir
para 30% as perdas no sistema de distribuição
Renovação
do parque de hidrômetros
Recuperação
do sistema de distribuição
Recuperação
do manancial subterrâneo
Adequação
da infraestrutura existente
Melhorar
a eficiência energética
Implantar
normas técnicas e procedimentos internos para melhoria de eficiência na
prestação de serviço
Avaliar
novo sistema de captação
Para
2024, os aportes projetados para obras (veja o detalhamento abaixo) são da
ordem de R$ 131,3 milhões, o que corresponde a 26% do orçamento total da
Secretaria Municipal de Água e Esgoto de Ribeirão Preto, que há
dois anos assumiu o abastecimento no lugar do Departamento de Água e Esgoto
(Daerp), autarquia que atuou por mais de 50 anos na cidade.
Somente as
reduções de perdas representam 73% das obras (veja no gráfico acima), chegando
a quase R$ 96 milhões, e visam uma mudança expressiva na maneira como a água
chega às casas. Em vez da injeção direta na rede, a água passará a ser
distribuída de forma setorizada e por gravidade.
"O
programa prevê a redução das perdas, por alterar a distribuição do
abastecimento, que passará a ser do poço para os reservatórios e,
posteriormente, para os imóveis, possibilitando um controle maior das pressões,
setorizando o sistema", explica a secretaria.
Ao
mesmo tempo, a administração municipal abriu uma licitação de R$ 3 milhões, com
recursos da União, para analisar a viabilidade técnica, financeira e
ambiental da utilização do Rio Pardo como fonte alternativa do município,
um dos 27 abrangidos por suas águas que nascem no município de Ipuiúna (MG).
A
previsão é de que os estudos sejam concluídos em nove meses a partir da
contratação e que a captação ocorra a partir de 2030, segundo a
Prefeitura.
Um
relatório divulgado há mais dez anos pela Agência Nacional de Águas (ANA) já
alertava para a necessidade de Ribeirão Preto buscar o Rio Pardo como fonte
alternativa, dados os riscos de insuficiência do Aquífero Guarani.
Na
época em que os recursos para avaliação do Pardo foram liberados, a Prefeitura
estimava que o rio forneceria água suficiente para uma população de 900
mil habitantes, além de reduzir a pressão sobre os recursos subterrâneos.
"Dezenas
de municípios são abastecidos de forma superficial pelo Rio Pardo, que é uma
água renovável. Esse projeto de captação do Rio Pardo é sério, precisa ser
muito bem feito, porque é água renovável, que se dá através da captação
superficial e não subterrânea", ressalva Cláudia Habib, promotora do
Gaema.
Fonte: G1- Ribeirão e Franca
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