Terminou
não com um estrondo, mas com um gemido, o inquérito que apurou as hostilidades
que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes alegou ter
sofrido em julho do ano passado, junto com sua família, no aeroporto de Roma.
Como
se sabe, a investigação policial acabou sem indiciamentos, por se tratar de
crime de menor potencial ofensivo – algo que era evidente desde o momento em
que o caso veio à tona. No entanto, nos tempos estranhos que o País vive, uma
simples altercação seguida de empurrões e tapas tornou-se objeto de histérica
reação de autoridades do Supremo e do governo, como se a agressão ao sr. Moraes
e a seus familiares fizesse parte do complô bolsonarista contra a democracia.
Nada menos.
Ao
longo de meses, a título de salvaguardar o regime democrático, como se este
estivesse encarnado no sr. Moraes, ministros do Supremo atropelaram princípios
republicanos óbvios. A então presidente do STF, ministra Rosa Weber, magistrada
rigorosamente incompetente para decidir em um caso que, se tanto, deveria
tramitar na primeira instância, autorizou o cumprimento de mandados de busca e
apreensão na residência e locais de trabalho dos suspeitos da agressão – ainda
que fosse claro, mesmo antes do término do inquérito, que se tratava de crime de
menor potencial ofensivo. Já o ministro Dias Toffoli, relator do caso,
diligentemente permitiu que Moraes figurasse como assistente de acusação ainda
na fase de inquérito – um evidente privilégio, tanto que a Procuradoria-Geral
da República interpôs recurso para reverter essa aberração jurídica.
Tudo
isso se deu em meio a um clima de vale-tudo em nome da defesa da democracia. A
incivilidade de um desafeto do sr. Moraes, que talvez não merecesse nem sequer
inquérito policial, serviu de pretexto para movimentar a poderosíssima máquina
do Supremo, com claros propósitos intimidatórios. Abespinhado, com razão, pelos
seguidos ataques que vinha sofrendo por parte de delinquentes bolsonaristas, o
Supremo reagiu de modo igualmente truculento.
Como
se isso não bastasse, o então ministro da Justiça, o loquaz Flávio Dino, achou
que era o caso de dizer, na ocasião, que a agressão ao ministro Moraes e seus
familiares poderia configurar, além de crimes contra a honra e de ameaça, “um
ataque ao Estado Democrático de Direito”, tal como tipificado na Lei n.º
14.197/2021. Já a respeito do absurdo pedido da Polícia Federal para realizar
busca e apreensão na casa do acusado da agressão e de outros supostos
envolvidos, Flávio Dino declarou que estava tudo em ordem – e acrescentou:
“Sobre a proporcionalidade da medida, sublinho que passou da hora de
naturalizar absurdos”. Pode-se imaginar com que ânimo o sr. Dino assumirá em
breve seu cargo de ministro do Supremo.
Na
mesma toada, o presidente Lula da Silva – aquele que se elegeu prometendo
“salvar a democracia” – não perdeu a chance de explorar o caso. “Um cidadão
desses é um animal selvagem, não é ser humano”, disse Lula sobre o agressor,
mesmo antes de se conhecerem os detalhes do episódio. Para Lula, no entanto,
isso era irrelevante. O importante era denunciar “essa gente que renasceu no
neofascismo, colocado em prática no Brasil”. Lula prometeu “extirpar” tais
extremistas e ser “muito duro com essa gente, para aprenderem a voltar a ser
civilizados”.
Comparando-se
esse palavrório inconsequente com o resultado anticlimático do inquérito sobre
o incidente envolvendo o sr. Moraes, tem-se a exata noção da distância que há
entre a retórica inflamada dos autoritários travestidos de paladinos da
democracia e a realidade dos fatos. O Brasil estará muito longe da desejada
pacificação social enquanto o discurso político incendiário prevalecer sobre a
razão e ensejar o atropelo dos mais elementares pilares do Estado Democrático
de Direito. Em outras palavras: quando um simples tapa é tratado como um
atentado à democracia, é a democracia que sai com um olho roxo.
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