No mais recente estudo da ONG Transparência Internacional, país caiu dez posições no ranking da corrupção, entre 180 nações. Acontecimentos recentes levam a crer que a queda vá continuar. Uma perda para o país. Parece acaso, mas não é: a ONG Transparência Internacional (TI), sediada em Berlim, divulgou recentemente seu índice de percepção da corrupção para 2023. O Brasil saiu-se mal: descendo dez posições, ele ocupa agora o 104º lugar entre 180 países, bem pior do que China (76), África do Sul (83) e Índia (93).
Poucos
dias depois, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF),
suspendeu a multa de R$ 8,5 bilhões a ser paga pela empresa Novonor, antiga
Odebrecht, estipulada num acordo de leniência firmado com o Ministério Público
Federal (MPF) em 2016, no âmbito da Operação Lava Jato.
Em
setembro de 2023, Toffoli já invalidara todas as provas do acordo de leniência
da Odebrecht, alegando que a investigação não transcorrera de maneira lícita.
Em dezembro, ele liberou a J&F – holding da multinacional da carne JBS – de
multas num total de R$ 10,3 milhões. É previsível que, pouco a pouco, todas as
firmas atingidas pela Lava Jato tenham suas penas anuladas.
No
acordo de leniência, as empresas não só admitiram, como provaram ter recebido
suborno. Graças a seus depoimentos e a cooperação com a Justiça, os
proprietários e as diretorias escaparam de penas de vários anos de prisão. As
multas eram uma compensação para o Estado brasileiro.
Só
que agora nada mais disso vale. As firmas podem voltar a alegar que trabalhavam
idoneamente. Provavelmente até exigirão indenizações, pois ficaram excluídas de
contratos públicos por vários anos, devido aos vereditos.
Chance
desperdiçada de romper com passado corrupto
Trata-se
de um brutal retrocesso para o combate à corrupção no país. A avaliação da
Transparência Internacional comprova isso agora enfaticamente, também no nível
empírico. Acima de tudo, é o sistema jurídico sendo gradativamente erodido.
Essa
tendência já começara seis anos atrás, e foi continuada pelo governo seguinte:
“Os anos de Jair Bolsonaro na Presidência da República deixaram a lição de
como, em poucos anos, podem ser destruídos os marcos legais e institucionais
anticorrupção que o país levou décadas para construir”, aponta o relatório.
“A
lição que fica é que o processo de degradação das instituições que compõem o
Estado democrático de direito pode acontecer de forma bastante rápida, mas o de
reconstrução é demorado e demanda envolvimento de todos os atores da
sociedade.”
Mesmo
após a transição de Bolsonaro para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o
processo continua avançando. A transparência e as instâncias de controle
estatais estão sendo ainda mais debilitadas. Também é citado o “orçamento
secreto”, identificado como “macro esquema de corrupção institucionalizada”.
Entre
os desdobramentos preocupantes, a TI menciona, ainda, a nomeação para o STF de
Cristiano Zanin, advogado pessoal de Lula, e do ministro da Justiça, Flávio
Dino. Assim como, antes, a entrega, por Bolsonaro, do cargo de procurador-geral
da República a Augusto Aras, tais decisões de Lula, de motivação pessoal e
ideológica, restringem a autonomia da Justiça e aceleram sua polarização.
CGU
contra-ataca TI
Assim,
não espanta que a Controladoria-Geral da União (CGU) – ou seja, o mais importante
órgão de controle do Estado – não leve a sério as conclusões da TI, ressalvando
que com ela é preciso cautela, pois o governo teria feito progressos
consideráveis na luta contra a corrupção. Toffoli instou o Judiciário a
investigar se a ONG recebeu irregularmente verbas estatais brasileiras.
Há
anos, políticos – inclusive Lula e seu Partido dos Trabalhadores (PT) – tentam
desacreditar e fazer esquecer a Lava Jato. Recentemente, o presidente expressou
seu entendimento do grande processo anticorrupção: “tudo que aconteceu nesse
país foi uma mancomunação entre alguns juízes desse país, alguns procuradores
desse país, subordinados ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que
queria e nunca aceitaram o Brasil ter uma empresa como a Petrobras.”
Tal distorção da história faz prever que a corrupção voltará a crescer na política e na economia. Para o Brasil, são perspectivas sombrias: sem dúvida muito há que criticar na Operação Lava Jato e seus protagonistas, como o juiz Sergio Moro. Mas a sociedade brasileira teria tido a oportunidade de pôr um ponto final em seu passado corrupto, que é um dos motivos principais das horrendas discrepâncias sociais do país. Essa chance foi agora desperdiçada.
Há
mais de 30 anos o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do
Sul. Ele trabalha para o Handelsblatt e o jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido
em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em
Buenos Aires. Busch vive e trabalha em Salvador. É autor de vários livros sobre
o Brasil.
O
texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.
Fonte: Isto É
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