Foto reprodução - Internet/Google
Falta
de farinha de trigo para produzir pão subsidiado agravou a crise alimentar na
ilha caribenha. A DW convesou com dois aposentados cubanos que detalham a
situação e como estão a enfrentando.Está faltando pão em Cuba, um alimento
básico cuja escassez simboliza a gravidade da fome que atinge o país caribenho.
O
pão subsidiado é vendido por um peso cubano, e os moradores têm direito a um
número limitado de pães por mês, anotados em um cartão de racionamento.
Mas
está faltando farinha de trigo para produzir o alimento. Em padarias privadas,
ainda é possível encontrar pão, mas a um preço muito mais caro e inacessível
para boa parte da população.
O
governo reconhece a falta de pão, e diz que o problema continuará pelo menos
até final de março.
O
Food Monitor Program, um observatório que monitora a segurança alimentar em
Cuba, afirma que parte dos cubanos está desnutrida. E que muitas escolas não
oferecem mais café da manhã aos alunos, e um almoço insuficiente.
Uma
pesquisa do Observatório Cubano de Direitos Humanos publicada em setembro
passado apontou que 88% dos cubanos viviam em extrema pobreza, situação que
força muitos a tentar emigrar.
Protestar
nas ruas é uma alternativa apenas para os destemidos. A última onda de
manifestações, em 2021, foi duramente reprimida pelo governo e muitos acabaram
presos.
A
DW entrou em contato com dois aposentados no leste do país por meio do Food
Monitor Program. Eles relataram como estão lidando com a situação, mas preferem
permanecer anônimos. Por esse motivo, vamos chamá-los de Alicia e Felipe. Cuba
tem hoje cerca de 1,6 milhão de aposentados, segundo dados estatais.
DW:
Como é um dia comum em sua vida? É difícil conseguir pão?
Alicia
(80 anos): A primeira coisa que faço é ver se a água está chegando para que eu
possa bombeá-la para as caixas de armazenamento. Depois, vou à bodega para
comprar o pão subsidiado. A bodega fica aberta entre 8h e 12h e depois entre
16h e 18h. É preciso ir cedo porque a senhora que faz as entregas sai um pouco
antes das 11h e só volta à tarde, que é quando a maioria das pessoas chega do
trabalho. Às vezes você chega cedo à bodega, mas o pão demora muito para
chegar, porque é feito na padaria. Então você tem de ir à bodega várias vezes
para ver se já chegou.
Felipe
(78 anos): Eu me levanto cedo, entre 5h e 5h30. Depois, dou uma longa volta nas
lojas, mercados e na bodega para ver o que chegou e se há algo que eu possa
comprar para casa. Por exemplo, estamos no final de fevereiro e ainda faltam
alimentos, entre os cinco ou seis que chegam mensalmente pela cesta básica. O
pão é a primeira coisa que procuro pela manhã. É praticamente a única coisa que
se pode comer no café da manhã, pois não há mais leite ou iogurte, e até mesmo
o café é escasso.
Quanto
tempo geralmente demora a fila para comprar pão subsidiado?
Alicia:
A fila para comprar pão na minha bodega não é muito longa agora porque somente
os aposentados vão lá. A essa hora, as crianças estão na escola e os pais estão
trabalhando. Mas isso depende de cada bodega. Minha sobrinha enfrenta uma longa
fila porque em sua bodega eles fazem o pão ali mesmo e a área para a qual essa
bodega entrega é muito grande. Antes era mais fácil comprar pão extra na
bodega, mas desde a pandemia está muito mais difícil, porque às vezes nem chega
tudo.
Felipe:
Minha bodega fica perto, a meia quadra de distância. Quando vejo uma fila
grande, vou para casa e espero para ir um pouco mais tarde; caso contrário,
espero para comprar na padaria, o que geralmente leva cerca de 15 minutos.
Outras pessoas que não moram tão perto têm de ficar na fila por muito tempo
pela manhã, o que pode levar cerca de uma hora.
Você
também compra pão em padarias particulares? Qual é a situação nelas?
Alicia:
Às vezes, é preciso comprar pão de padarias particulares ou de pessoas que
vendem na rua. Mas nem sempre é possível fazer isso, porque é muito caro. O pão
subsidiado da bodega custa 1 peso, mas na padaria particular custa 25 ou 30
pesos por pão. Um igual ao da bodega. Os de crosta dura ou outros tipos de pães
vendidos em padarias particulares ou lojas de doces podem custar até 500 pesos
ou mais. Nos estabelecimentos que cobram preços médios, mas fazem pães de boa
qualidade, há filas enormes. Você pode ficar na fila por duas horas.
Felipe:
Sim, as padarias particulares costumam ter filas curtas, cerca de 15 minutos em
média. As padarias estatais também costumam oferecer a opção de comprar o
chamado “pão liberado”. Nesse caso, as filas que vejo duram cerca de duas
horas, pois há muito mais demanda e o preço é um pouco mais baixo do que nas
particulares.
Embora
eles geralmente ofereçam pão na maioria dos dias, o principal problema são os
preços. Por exemplo, os pães costumam custar cerca de 25 pesos cada um,
portanto posso gastar facilmente entre 200 e 500 pesos quando compro pão para
casa. Na minha casa, meu filho e meus netos também compram pão, mas, por
exemplo, em cinco dias de fevereiro nos quais comprei pão gastei 200 pesos.
Depois comprei em dois dias pacotes de bolachas, por 300 pesos cada, porque não
havia mais pão. E ontem, no dia 25, tive de gastar 700 pesos em bolachas. Até
agora, neste mês, isso soma quase 1.500 pesos só em pão. Minha pensão é de
1.600 pesos. Como você pode ver, não tenho dinheiro nem para comprar pão para
toda a minha família.
Para
quantas pessoas em sua casa você precisa comprar pão?
Alicia:
Há seis pessoas morando na minha casa e duas delas não estão no registro
estatal. Portanto, elas não recebem pão da cota. É difícil porque há duas
crianças em idade escolar em casa e é preciso garantir o pão delas para que não
saiam para a escola com o estômago vazio. O pão que sobra, às vezes, cortamos
em fatias e fazemos torradas para que pelo menos todos nós possamos comer uma
fatia, mas geralmente também guardamos para o lanche da tarde das crianças, que
chegam da escola famintas, porque o almoço lá é tão ruim que elas estão sempre
com fome.
Felipe:
Somos sete pessoas em casa, mas um dos meus netos mora conosco três ou quatro
dias por semana.
Você
sentiu fome recentemente ou já foi para a cama sem comer?
Alicia:
No meu caso, raramente fui para a cama sem comer porque a sobrinha com quem
moro prioriza a minha alimentação e a dos filhos dela. Mas é comum que ela faça
apenas uma refeição por dia porque não há o suficiente para que todos nós
façamos três refeições por dia. Há também muitos idosos na vizinhança que estão
sozinhos, porque seus filhos ou parentes foram embora ou não querem cuidar
deles. Eles passam muita fome e dependem apenas do que podem comprar na bodega,
que não é suficiente nem para uma semana. No dia em que o pão não chega, eles
ficam com o dobro da fome.
Felipe:
Graças a Deus, eu não passei fome. Mas sei de pessoas que passam. De vez em
quando, algumas pessoas passam lá em casa pedindo algo para comer,
principalmente pessoas mais velhas. Elas dizem que estão com fome e pedem pão
ou algo para comer. Além disso, perto da minha casa há um idoso que mora
sozinho e várias vezes tive de lhe dar um pão para que ele comesse alguma
coisa. Não sei se eles dormem sem comer, mas durante o dia eles passam fome.
O
que você gostaria que mudasse em Cuba e o que planeja fazer no futuro se a
situação não melhorar?
Alicia:
Não sei, mas algo tem de mudar. A única coisa que resta para a minha geração é
ficar sozinha. Os jovens estão deixando o país porque ninguém consegue suportar
a fome. Os poucos que fizeram alguma coisa acabaram na prisão. Nós, idosos,
estamos ficando cada vez mais desamparados porque o Estado não cuida de nós. Às
vezes, acho que as pessoas do governo estão esperando que morramos, assim terão
que distribuir menos pão.
Em
Cuba, há fome de muitas coisas. Como explicar a uma criança que diz estar com
fome que você não tem comida para dar a ela, porque às vezes não há nem mesmo
água para enganar o estômago. É muito difícil conviver com isso. São crianças
que crescem achando que a fome é algo natural, quando não deveria ser.
Felipe:
Eu gostaria que o sistema governamental mudasse. Se a situação não melhorar,
não tenho para onde correr. Acho que vou ter de ficar aqui até morrer de fome.
Pela minha idade, só me resta esperar se as coisas continuarem a piorar. Talvez
um dia o povo saia às ruas, como aconteceu em 11 de julho de 2021, e haja uma
violência estatal desproporcional em que setores do poder, como o exército,
decidam intervir. Isso é o que eu prevejo para Cuba, mais cedo ou mais tarde
haverá uma nova explosão social, mais violenta do que a anterior.
Fonte: Isto é Dinheiro com informações do DW.
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