"Um dia de vergonha para a diplomacia brasileira". Assim se expressaram vários diplomatas ativos do Itamaraty com os quais O GLOBO conversou, em condição de anonimato, sobre as falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas. Ter comparado as mortes de palestinos na Faixa de Gaza ao Holocausto foi considerado pelas fontes diplomáticas consultadas "o improviso mais infeliz de todos os improvisos do presidente".
Em
conversas informais, trocas de mensagens e e-mails, diplomatas brasileiros
disseram ter compartilhado com colegas uma opinião profundamente negativa sobre
as declarações de Lula na Etiópia, fim de semana passado. Para um país como o
Brasil, que busca ser mediador de conflitos, ter tomado partido da maneira como
o presidente fez foi, segundo os diplomatas ouvidos, "um tiro no pé
difícil de ser contornado".
A
reunião de emergência nesta manhã no Palácio do Alvorada, que durou quase três
horas e contou com a participação presencial do assessor especial da
Presidência da República, Celso Amorim, e com o ministro-chefe da Secretaria de
Comunicação Social da Presidência da República, Paulo Pimenta, e virtual do
ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, não deve mudar muito o cenário
atual, asseguram as fontes consultadas.
O
presidente, avaliaram os diplomatas, "ultrapassou a linha vermelha",
e seu tropeção causará enormes problemas para a diplomacia brasileira, como
aconteceu em 2023, quando Lula improvisou em falas sobre a guerra entre Rússia
e Ucrânia. A fala sobre Israel e Hamas foi desnecessária, "infeliz" e
"desastrosa", opinaram as fontes diplomáticas consultadas.
A
fala de Lula, frisou uma das fontes, "tira o verniz de um país que
pretende ser uma liderança global". O improviso do presidente mostrou,
disse outra das fontes, que "o Brasil escolheu um lado no conflito".
Agora, só resta aos diplomatas trabalhar para desarmar a bomba que foi lançada
pelo presidente na Etiópia.
Na
opinião de um dos diplomatas, "Lula se empolgou na Etiópia, vinha de falar
aos países africanos, e cometeu um erro gravíssimo. Falar sobre Holocausto é
algo muito delicado". Segundo esse diplomata, muitas pessoas dentro do
Itamaraty estão "horrorizadas" com a fala do presidente.
Para
alguns dos diplomatas, o governo brasileiro carece de uma estratégia de
comunicação consistente, como Lula teve, sobretudo, frisou uma das fontes
fontes, no segundo mandato do presidente. O chefe de Estado é visto pelos
diplomatas brasileiros como um “natural speaker”, uma pessoa com notória
capacidade de oratória. Mas, também, um líder que, como muitos outros, tropeça.
Para evitar esses tropeções, enfatizou uma das fontes, falta na equipe de
governo uma pessoa que assessore melhor o presidente sobre temas sensíveis, não
apenas em matéria de política externa.
As
cenas do embaixador do Brasil em Israel, Frederico Meyer, no encontro no Museu
do Holocausto com o ministro das Relações Exteriores do país, Israel Katz,
também causaram profundo mal-estar entre diplomatas. Meyer, disseram algumas
das fontes consultas, "foi humilhado como poucas vezes se viu na história
da diplomacia brasileira". E essa situação, disse a fonte, cairá na conta
do chanceler Vieira, que o nomeou para o posto e de quem Meyer é amigo.
Os
diplomatas consultados ainda não sabem dimensionar o tamanho do dano causado
pelas falas de Lula para a imagem do Brasil, a Presidência brasileira do G-20,
os esforços de contribuição para a paz no Oriente Médio e ambições do Brasil em
organismos multilaterais, sobretudo a de ocupar uma vaga permanente no Conselho
de Segurança da ONU. Agora é trabalhar para fazer controle de danos,
coincidiram todos.
Outro
diplomata afirmou que o trabalho mais pesado recairá agora em Vieira, “uma
pessoa que conhece o alcance e o poder das palavras”. Já o presidente, disse o
diplomata, “anda com a língua muito solta, falando bobagem e o estrago está
feito”.
Na
opinião de Monique Sochaczweski, historiadora e professora do Instituto
Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), “a fala de Lula foi
muito ruim, e os gestos do governo brasileiro após essas falas fizeram o
conflito escalar ainda mais”.
—
As declarações do presidente e tudo o que veio depois causaram um dano gratuito
na véspera de um encontro de chanceleres do G-20 no Rio, contaminando o evento
com um tema que nada tem a ver com a agenda que interessa ao Brasil — diz a
professora.
Para
ela, “em vez de discutir sobre este lamentável episódio, o Brasil deveria estar
tratando de questões como mudanças climáticas e segurança alimentar”.
Fonte: O Globo
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