Por Alexandre Schwartsman
O
governo federal contabilizou déficit primário de 230 bilhões de reais no ano
passado, equivalente a 2,1% do PIB. Corrigido pela inflação, é o maior desde
que começamos a registrá-lo, exceto, é claro pelo resultado de 2020, o ano da
pandemia.
Não
faltou quem tentasse dourar a pílula, chegando ao paradoxo de afirmar que o
enorme desequilíbrio do ano passado refletia, na verdade, “a arrumação da casa”
(não quero nem pensar o estado da casa em que o responsável pela opinião vive).
A própria Secretaria do Tesouro (STN) alimentou esse mito no material de
divulgação do resultado de dezembro, deduzindo dele o desembolso realizado
naquele mês relativo aos precatórios atrasados por causa da malfadada emenda
constitucional de 2021 que instituiu um limite ao pagamento dessas despesas.
Segundo
a STN, como foram desembolsados 92,4 bilhões de reais em dezembro referentes a
tais gastos, tendo em vista a decisão do STF que considerou inconstitucional a
referida emenda (não me pergunte) o resultado anual teria sido, na verdade, um
déficit de 144 bilhões. Essa conta é fajuta.
Na
verdade, os 92,4 bilhões dizem respeito a precatórios não pagos desde o final
de 2021, ou seja, em 2022, mas também em 2023. Embora a STN tente empurrar a
responsabilidade do gasto em dezembro para o governo anterior (que tem, sim,
culpa no cartório, por ter proposto casuisticamente a tal emenda), as despesas
com precatórios não pagos em 2023 teriam que ser contabilizadas no resultado
de… 2023.
Quando
da promulgação da emenda em 2021 a Consultoria de Orçamento da Câmara estimava
que cerca de 43,5 bilhões não seriam pagos em 2022. Uma boa aproximação,
portanto, sugere que perto de metade dos 92,5 bilhões desembolsados em dezembro
refere-se a 2022 (logo, a metade restante teria que ser paga em 2023).
Não
faz, portanto, sentido deduzir 92,4 bilhões do déficit do ano passado, mas
metade deste valor, já que a outra metade se materializaria de qualquer jeito
em 2023.
Em
números, o déficit de 2023 teria atingido perto de 190 bilhões de reais; já em
2022, ao invés de um superávit de 55 bilhões de reais, teríamos um superávit na
casa de 12 bilhões de reais. De uma forma ou outra, uma deterioração
impressionante das contas públicas no ano passado.
À
parte a piora do resultado, a forma como se concretizou não sugere coisa boa
para o futuro. Houve aumento expressivo das despesas obrigatórias, isto é,
gastos que se repetirão (isto se não crescerem ainda mais) de um ano para
outro, reduzindo a já minúscula flexibilidade do orçamento federal.
Isso
explica o apetite do governo por novas receitas, mas a verdade é que o problema
não pode ser resolvido dessa forma. A persistir o crescimento da despesa
obrigatória, até o frouxo “novo arcabouço fiscal” não dará conta, a menos que
estejamos dispostos a ver a carga tributária também crescer indefinidamente
(acreditem: não é uma boa ideia).
Independentemente de atingirmos (ou não, como temo) a meta fiscal de 2024, a encrenca é bem maior do que supõe o afã dos bajuladores.
Fonte: artigo Publicado em VEJA de 9 de fevereiro de 2024, edição nº 2879
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