Sindicato dos docentes promete acionar Ministério Público e diz que portaria mostra o descompromisso da gestão estadual com o ensino
foto reproduçãoUma
portaria editada pelo governo estadual estimula os professores da rede a
aprovarem os estudantes, mesmo aqueles que não frequentaram as aulas ou não
obtiveram êxito em todas as disciplinas. Publicada no dia 27 de janeiro deste
ano, a medida é vista pela APLB-Sindicato dos Trabalhadores em Educação do
Estado da Bahia como incentivo para a “aprovação em massa” dos alunos. Especialista
em Direito Administrativo, Matheus Carvalho explica que uma portaria não é
somente uma recomendação. “É obrigatória a obediência. É uma norma”, afirma
ele. Assinado pela secretária de Educação da Bahia, o texto diz que, com a
medida, haverá uma “progressão continuada” do aluno para permitir “avanços
sucessivos sem interrupção no ano/série ou etapa”. A norma garante que não
haverá “prejuízo no processo de aprendizagem”.
A
coordenadora pedagógica de uma escola da rede estadual, Arielma Galvão,
discorda da portaria e avalia que haverá um desestímulo à progressão escolar de
qualidade. Ela relata que o texto foi lançado durante as férias dos docentes
sem qualquer diálogo com os profissionais. Ela critica o trecho da portaria que
estabelece o efeito retroativo para o ano letivo de 2023, o qual possibilita
que estudantes reprovados no ano passado avancem para as séries seguintes.
“Há
unidades de ensino que têm alto índice de reprovação e sugerimos que a
Secretaria fizesse o trabalho diretamente nessas unidades, mas não
desconsiderar todo o trabalho feito pelas escolas. Então, alunos infrequentes
foram aprovados, também houve alunos (aprovados) que foram reprovados a partir
de cinco componentes curriculares chegando a até oito componentes curriculares.
E agora foram aprovados sem considerar o que os professores pontuaram no
conselho de classe de 2023”, declarou.
Para
a coordenadora, com essa medida, os alunos reprovados vão zombar dos estudantes
que foram aprovados com base no próprio desempenho. “Vão dizer ‘eu me
matriculei, não frequentei, nada fiz e passei’. Vai fazer até chacota daquele
que frequentou, que estudou, que fez a sua parte. Vai dizer que não precisa
fazer nada disso e passou. Então, como é que fica a escola? A escola pública
precisa, sim, ser de qualidade, a gente luta por isso”, afirma Arielma.
De
acordo com a portaria, discentes que não passaram em até cinco disciplinas
podem prosseguir para a próxima série. Além disso, como uma forma de promover a
aprovação a todo custo, a portaria estipula que o Conselho de Classe pode
permitir a progressão do aluno reprovado se considerar que seu “desempenho
global foi satisfatório”. A medida ressalta ainda que o controle da frequência
deve focar no acompanhamento do aprendizado e não na reprovação. Isso, na
opinião do coordenador-geral da APLB, Rui Oliveira, abre caminho para a
aprovação de alunos que não frequentam as aulas.
“Essa
aprovação em massa diz claramente que o governo não tem compromisso com a
Educação. Nós repudiamos a ação, que consideramos uma falta de respeito aos
educadores que realizaram todo o processo pedagógico”, declara Rui Oliveira, ao
salientar que o sindicato tomará medidas legais contra a portaria. “Nós vamos
denunciar ao Ministério Público estadual, ao Conselho Estadual de Educação, na
Comissão de Educação da Assembleia Legislativa, na Comissão de Educação da
Câmara dos Deputados e junto à CNTE-Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Educação”, acrescenta.
A
medida é avaliada pelos docentes como forma de melhorar os índices baixos na
Educação baiana, que ficou entre as dez piores do País, ao superar apenas o
Amazonas, Acre, Roraima e o Amapá. Os dados são do Ranking de Competitividade
dos Estados e Municípios 2023, divulgado pelo Centro de Liderança Pública
(CLP).
Especialista
em Educação, Claudia Costin afirma que a gestão pública precisa garantir um
ensino que assegure aprendizado. “Evitar reprovação é muito positivo, mas não é
positivo passar para frente sem que a criança aprenda”, ressalta.
Ela
afirma que a contratação de professores auxiliares para trabalhar no
contraturno e avaliações frequentes podem ajudar a melhorar o ensino no estado.
“O estado da Bahia tem dificuldades maiores do que outros estados no Nordeste,
e é um dos casos em que a Educação precisa avançar mais rápido. Então,
desincentivar a reprovação sempre que possível, mas ao mesmo tempo evitando uma
aprovação só pro forma. (...) A rede estadual, pelos dados que eu tenho, tem
desafios enormes há bastante tempo. É urgente que se possa agir em cima disso
para garantir um ensino de qualidade que assegure a aprendizagem de todo
mundo”, salienta.
A
coordenadora pedagógica Arielma Galvão ressalta que os pais e responsáveis dos
alunos também manifestaram críticas à portaria, com o argumento de que não
desejam a aprovação dos filhos sem que tenham adquirido conhecimento.
Sem
respostas
O
governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), não respondeu quando questionado
ontem sobre a medida que incentiva a “aprovação em massa”. Perguntado pelo
CORREIO sobre o assunto, o governador afirmou: “Você (jornalista) assistiu à
minha aula hoje? Vá lá nas minhas redes sociais e veja lá o que falei. Minha
resposta está lá”.
Antes,
a reportagem foi embarreirada pela assessoria de comunicação do governo, que
tentou impedir a pergunta. “Já acabou a coletiva (de imprensa)”, informou uma
assessora.
Até
o fechamento da reportagem, o petista não havia respondido sobre a portaria nas
redes sociais. Ele fez apenas registros a respeito do início do ano letivo de
2024, de inaugurações de obras e prometeu entregar novas escolas. A reportagem
verificou tanto as publicações no X (antigo Twitter) quanto do Instagram.
O
CORREIO também buscou uma posição da Secretaria de Educação da Bahia, que não
se manifestou até o fechamento desta edição.
*Com
orientação da subeditora Monique Lôbo e colaboração do editor Flávio
Oliveira
Fonte: Correio 24 horas
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